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Desconexão com o próprio país motiva fuga para o EI, diz especialista

As adolescentes Shamima Begun, Amira Abase e Kadiza Sultana caminham por aeroporto da Inglaterra antes de embarcarem para a Turquia Imagem: Metropolitan Police/Reuters

Marcelo Freire

Do UOL, em São Paulo

25/03/2015 06h00

Para o inglês Charlie Winter, do grupo de contraterrorismo Quilliam Foundation, a saída para evitar o recrutamento de pessoas para o Estado Islâmico é desfazer a visão distorcida que elas obtêm por meio da propaganda ostensiva do grupo nas redes sociais. Mas há outra questão importante para lidar: a desconexão e o senso de inadequação que os recrutas em potencial sentem no país onde vivem hoje.

Imagem: Reprodução/Quilliam Foundation

Recentemente, Winter traduziu para o inglês o manifesto “Women of the Islamic State” (“Mulheres do Estado Islâmico”), escrito pela Al-Khansa Brigade, um grupo de militantes femininas do EI, que é direcionado a muçulmanas da Arábia Saudita. O conteúdo demonstra que, ao contrário do que insinuam algumas redes sociais dos terroristas, que visam jovens ocidentais, a realidade da mulher no EI é de dedicação à vida religiosa e familiar, fora da linha de batalha.

Essa e outras distorções são objeto de estudo do Quilliam e de outros grupos que buscam entender e esclarecer o terrorismo. Pesquisador do islamismo e especializado no fenômeno do jihadismo na Síria e no Iraque, onde o Estado Islâmico concentra seus territórios, Winter concedeu uma entrevista ao UOL por telefone da Inglaterra para falar sobre a questão.

UOL: O manifesto da Al-Khansa Brigade explicita o que o Estado Islâmico realmente espera das mulheres que se juntam ao grupo e também ilustra as estratégias que eles têm para alvos diferentes. Como o contato com ocidentais, como Aqsa Mahmood, britânica recrutada ainda em 2013, pode ter ajudado o grupo, que também publica fotos de militantes femininas preparadas para a guerra?
Charlie Winter: É interessante notar como eles constroem diferentes propagandas para diferentes públicos. Usar Aqsa para focar em mulheres do Ocidente foi uma estratégia bem-sucedida, assim como o próprio recrutamento dela. Notamos uma variação sobre o que é mostrado da rotina no Estado Islâmico; por exemplo, Aqsa fala sobre a importância de dar apoio a todos aqueles que cruzaram as fronteiras. Também vemos outras mulheres publicando em redes sociais imagens de cinco, seis garotas segurando metralhadoras AK-47, que não condiz com a realidade do que está acontecendo lá, mas definitivamente mira as jovens mulheres ocidentais.

Pelas informações que chegam até a imprensa internacional, percebe-se que algumas ocidentais aparentemente aceitaram o papel ao qual foram submetidas no EI, enquanto outras se arrependeram e fugiram de volta a seus países. Como você observa essa variação de comportamento?
Isso está relacionado ao nível de conhecimento que elas têm do que o Estado Islâmico realmente é. É muito importante reconhecer que não existe um perfil definido de quem se junta ao EI, e sim uma variedade de pessoas, que fazem isso por motivos diferentes. É exatamente assim com os homens também. Homens e mulheres são seduzidos da mesma forma.

Como o EI consegue ser tão bem-sucedido na atração dos ocidentais mesmo após a morte de líderes como Osama Bin Laden e da queda de alguns regimes radicais, como o Taleban no Afeganistão? O que faz os jovens se sentirem atraídos pelo extremismo?
 Uma das coisas que traz apelo a facções como o Estado Islâmico –ou mesmo a outras organizações radicais, como grupos de extrema direita– é o senso de desilusão e de desconexão com o Estado. As pessoas se sentem mais confortáveis em ser cidadãs de um Estado onde pensam que podem ter controle do próprio futuro. Em oposição a onde vivem, sentem que desse país elas fazem parte, econômica e socialmente. Não é limitado a grupos terroristas, isso também ocorre na extrema-direita. Você vê figuras carismáticas usando métodos e meios parecidos.

O que os países podem fazer para evitar esse êxodo, principalmente no que diz respeito ao preconceito que alguns muçulmanos sentem sobre o lugar onde vivem hoje e que pode ser um motivador para eles se juntarem ao EI?
É importante transmitir para essas pessoas como é realmente a vida no Estado Islâmico e esclarecer para eles o lugar onde pensam em ir. É preciso mostrar como é distorcida a imagem que eles têm do EI. O recurso mais importante que temos são as pessoas que deixaram grupos como o EI, que se cansaram  e discordaram dos valores dos guerrilheiros. É importante para desmantelar a ideologia que sustenta esses grupos, e essas pessoas são peças-chave nisso.

E como os grupos de contraterrorismo, como o Quilliam Foundation, podem ajudar nessa tarefa? Como lidar com a atração que algumas pessoas têm pela violência e, consequentemente, pelo EI?
Precisamos esclarecer como é a realidade e ajudar as pessoas a verem o que está por trás da propaganda do Estado Islâmico. É importante desafiar essa narrativa que eles tentam construir para impedir que os jovens fiquem vulneráveis a isso. Para isso, são necessárias medidas e estratégias de longo prazo para barrar esse apelo para as pessoas. Não é tarefa de um só órgão liderar [esse combate], mas também das comunidades, da sociedade, de todos. Uma série de coisas têm que ser levada em conta, é preciso reconhecer isso.

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