Conheça as estratégias do Estado Islâmico para atrair mulheres
O avanço do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, a partir do ano passado, causou temor em seus vizinhos e em todo o mundo pela rapidez com que conquistou territórios e estabeleceu um califado onde governa a partir da sharia –o código moral islâmico, interpretado de maneira radical pelo grupo. Quem desrespeita as leis, como aqueles que fumam cigarro, por exemplo, estão sujeitos a punições severas, como a pena de morte.
"Infiéis" e inimigos do regime liderado por Abu Bakr al-Baghdad –apontado como sucessor de Maomé e a quem o EI exige devoção– são assassinados de maneira brutal. Os vídeos são divulgados pelo próprio grupo na internet como alerta para o mundo ocidental e propaganda para aqueles que, de alguma maneira, se sentem atraídos pela violência e intransigência dos terroristas.
O islamismo praticado no EI é interpretado como hostil às mulheres, de inteira submissão aos maridos e também aos líderes do próprio grupo terrorista, que muitas vezes determinam quando e com quais guerrilheiros elas devem se casar, de acordo com relatos de pessoas que escaparam da milícia. Denúncias de tortura, estupro e emprisionamento das mulheres também vieram à tona.
Apesar disso, o número de dissidentes ocidentais que se juntam ao grupo aumentou bastante nos últimos anos –em torno de 3.400, de acordo com autoridades do Exército americano, em balanço de fevereiro. E cerca de 550 mulheres, segundo levantamento da consultoria de segurança The Soufan Group, com sede nos Estados Unidos e no Reino Unido, engrossam o exército dos terroristas na Síria e no Iraque.
O UOL coletou informações de estudos e opiniões de especialistas, divulgadas em entrevistas ou em artigos à imprensa, para explicar as razões e circunstâncias que levam algumas mulheres a escolher o caminho do extremismo.
Estratégias diferentes para recrutamento
Dentro de sua estrutura de recrutamento de estrangeiros, o Estado Islâmico possui diferentes estratégias para atrair as mulheres. Em um manifesto produzido em árabe pelo grupo de militantes femininas do EI, o Al-Khansa Brigade –que foi traduzido para o inglês pelo Quilliam Foundation, uma organização britânica de contraterrorismo–, são ressaltados aspectos mais religiosos e apelativos a mulheres da Árábia Saudita e outros países predominantemente islâmicos da região.
O foco do manifesto está em mostrar à mulher muçulmana que ela precisa servir apenas à religião, com uma vida mais sedentária, limitada ao próprio lar. Sua formação educacional seria restrita até os 15 anos, e ela estaria pronta para casar, segundo o manifesto, a partir dos nove anos. O ensinamento científico, com exceção da medicina, é inteiramente rejeitado, assim como o comportamento feminino no mundo ocidental.
No entanto, a abordagem às adolescentes ocidentais, de formação originalmente muçulmana ou convertidas ao Islã, é diferente. Menos próximas culturalmente do radicalismo religioso de países do Oriente Médio, elas são atraídas por outra estratégia, focada em explorar a imagem dos combatentes, futuros maridos das recrutadas, vistos como mártires que entregam a própria vida por uma causa maior.
Em busca de aproximar mulheres que queiram participar efetivamente do conflito armado, o grupo até sinaliza que elas podem fazer parte do exército –fotos de mulheres com metralhadoras aparecem eventualmente em postagens nos perfis ligados ao grupo nas redes sociais.
Apesar disso, a presença delas na linha de batalha não condiz com os dogmas do Estado Islâmico. No manifesto da Al-Khansa Brigade, por exemplo, é ressaltado que as mulheres só ingressam na luta armada em caso de “extrema necessidade”, como a falta de homens para combater. No dia a dia, elas devem se restringir à vida familiar e à devoção religiosa. "As fotos das garotas com metralhadoras definitivamente miram as jovens ocidentais", diz Charlie Winter, do Quilliam Foundation, em entrevista ao UOL.
A publicação de imagens de comidas típicas do mundo ocidental e de gatos de estimação nas casas de militantes também contribui para se conectar com adolescentes que têm receio da privação completa em relação ao ambiente onde vivem hoje.
Aposta em ingenuidade e idolatria
Mahmood teve contato pelo Twitter com ao menos uma das três amigas britânicas (Shamima Begum) que rumaram para o EI em fevereiro. Nas redes sociais, ela também dá dicas gerais para futuras integrantes do grupo, como a preocupação com o frio na Síria e o cuidado que elas precisam ter ao conversar com militantes na internet –escolher as mulheres, e não os homens, para não causar problemas com guerrilheiros que já sejam casados. "Usar Aqsa para focar em mulheres do Ocidente foi uma estratégia bem-sucedida, assim como o próprio recrutamento dela", afirma Charlie Winter.
Ela e os militantes utilizam Twitter, Facebook e outras redes para criar uma relação de confiança com as jovens mulheres e coletar informações sobre elas, como a aparência física, utilizada como instrumento de motivação aos guerrilheiros solteiros, e o histórico de relacionamento das garotas com a família e pessoas próximas.
Sara Khan, ativista britânica de direitos para as mulheres muçulmanas, diz que os jihadistas fazem agrados e declarações de amor às adolescentes pelas redes sociais. O conflito interno que as garotas sentem, combinado com a tendência de idolatrar celebridades e cantores de grupos teen, é um motivador para que o guerrilheiro do EI, exposto de maneira romantizada, se torne um objeto de desejo.
“Esse é o perigo da internet. Eles pintam uma imagem muito romantizada da vida no Estado Islâmico, mostram uma irmandade, uma vida maravilhosa. Essas garotas de 15 anos são muito ingênuas, elas não compreendem que é uma propaganda mentirosa e caem”, afirma Sara Khan.
Desconexão com o mundo ocidental
A identificação com os militantes pela internet é motivada também pela insatisfação com o ambiente em que as adolescentes vivem no mundo ocidental, segundo especialistas, um problema que também se reflete no caso dos homens que fogem para se juntar ao Estado Islâmico.
"Existe um senso de desilusão, de desconexão com o próprio país. As pessoas se sentem mais confortáveis em ser cidadãs de um Estado onde pensam que podem ter controle do próprio futuro. Em oposição a onde vivem, sentem que desse país elas fazem parte, econômica e socialmente", aponta Charlie Winter, do Quilliam.
“Elas largam faculdade e colégio, não têm boas perspectivas de emprego e se sentem desconectadas com seu ambiente. Acham que vão encontrar um sentido se juntando ao EI”, analisa o advogado canadense Hussein Hamdani, que estuda os jovens convertidos ao extremismo. “Algumas delas veem o divórcio dos pais, que causa um grande impacto e gera um vazio que elas buscam preencher. E o extremismo é algo apelativo para elas”, afirma Sara Khan.
Além disso, as restrições à vida religiosa em seus países de origem e o preconceito sofrido em algumas ocasiões contribuem para que elas se sintam “fora de casa”. “Essas mulheres conversam sobre o fracasso das sociedades ocidentais, falam negativamente sobre as restrições da prática do Islã, como a proibição do uso da burca na França, e criticam o sistema político. Paradoxalmente, enquanto citam frases do Alcorão, há pouco sinal de conhecimento profundo sobre a guerra, ou mesmo sobre a sharia e o Islã”, afirma Katherine Brown, professora do King’s College, de Londres, que estuda perfis das mulheres que aderem ao terrorismo.
Com todas suas estratégias, o Estado Islâmico ingressa para preencher esse espaço vazio e estabelece um objetivo bem definido: unir todas as nações muçulmanas em um único califado. Somado ao inconformismo que os candidatos à militância sentem em relação às derrotas em guerras contra países ocidentais, como no Afeganistão e no Iraque, a saída, para eles, parece clara.
“O que o EI está fazendo é mostrar ‘olha, ninguém nos ajudou. Nos bombardearam, nos mataram, nos torturaram, então agora vamos tomar conta de nós mesmos’”, afirma Zainab Salbi, do instituto britânico Women for Women International, dedicado a ajudar mulheres marginalizadas em países afetados pela guerra. “Há um grupo de muçulmanos que vê um propósito no EI, de que ele os levará de volta a uma época gloriosa [do Islã]. São jovens que veem um movimento ali e querem fazer parte.”
Idealização de uma nova sociedade
A partir dessa visão, mulheres e homens se observam como futuros ícones de uma nova sociedade e atendem ao chamado de Abu Bakr al-Baghdad, o comandante do grupo. E a propaganda do grupo nas redes sociais volta a ser fundamental, ao mostrar um mundo não apenas com assassinatos e armas, mas de união em torno de um objetivo.
Para as mulheres identificadas com essa sociedade utópica, o EI oferece uma chance de viver em um mundo “mais puro e menos sexualizado” que o ocidental, segundo Erin Marie Saltman, pesquisadora do processo de radicalização de muçulmanos. “Elas ganham figura de heróis. Quando questionam qual é o seu lar, o EI dá o pacote inteiro e mostra uma visão mais simplista do mundo, ‘oito ou oitenta’.” (Com "The Guardian", "The New York Times", BBC, "Independent", "Daily Mail", MSNBC, ABC News, CTV e "The Take Away")
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