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Fim do sigilo de doadores de sêmen ajuda australiana a encontrar seu pai biológico

A australiana Gypsy Diamond com seu pai biológico, Peter Peacock - Wong Maye-E/AP
A australiana Gypsy Diamond com seu pai biológico, Peter Peacock Imagem: Wong Maye-E/AP

Kristen Gelineau

Da Associated Press, em Melbourne (Austrália)

03/08/2018 18h10

Para Peter Peacock, o destino chegou na forma de uma carta registrada.

A carta parecia um pouco decepcionante. Peacock tinha ido ao correio esperando a entrega de uma jaqueta de aviador que ele havia encomendado online. Este avô australiano rasgou o envelope enquanto voltava para seu carro. Em certo ponto do caminho, ele parou estarrecido.

“Caro senhor Peacock”, começava a carta. “A Autoridade de Tratamento Reprodutivo Assistido de Victoria (Varta, na sigla em inglês) recebeu um pedido de investigação de natureza pessoal que pode ou não se relacionar com você. O assunto diz respeito a um registro mantido em relação a um projeto com o qual você pode ter ajudado no Instituto Prince Henry.”

Prince Henry? A clínica de Melbourne onde ele doou sêmen quase 40 anos atrás?

Poderia haver apenas uma razão para a carta, ele pensou. Alguém lá fora nasceu por causa de sua doação.

Sua mente viajou. Como ele ia contar a todos? Como ele decepcionaria suas duas filhas crescidas? E como essa pessoa poderia saber quem ele era? Havia sido prometido que sua doação seria anônima.

E por décadas foi, até que uma nova lei em um estado australiano apagou retroativamente o anonimato dos doadores de sêmen e óvulos. Seus filhos agora têm o direito legal de saber quem eles são.

É por isso que, uma semana depois de receber aquela carta, Peacock se viu olhando para a fotografia de uma mulher chamada Gypsy Diamond, cujo rosto parecia muito com o seu. Ele sentiu uma conexão instantânea e esmagadora. O australiano olhou maravilhado para seus olhos escuros e amendoados. Olhos iguais aos dele.

"Deus todo-poderoso, eu olhei para os olhos dela e pensei: 'Caramba! Eu não posso negar essa menina'", disse. "Ela era minha filha desde o começo."

Por trás da lei de identidade dos doadores do estado de Victoria, que entrou em vigor em 2017, está a busca pela verdade por pessoas cujas vidas começaram em um laboratório. Em seus primeiros dias, a indústria de doação de sêmen e óvulos estava envolta em segredo, deixando algumas crianças desesperadas para completar o quebra-cabeça de sua identidade. Eles também queriam saber suas histórias médicas familiares.

Alguns países, incluindo a Austrália, já proibiram a doação anônima. Mas Victoria é apenas a segunda jurisdição do mundo a impor uma lei retroativamente removendo o anonimato sem o consentimento do doador. A Suíça foi o primeiro lugar a adotar a medida, em 2001, mas muitos registros de doadores foram destruídos.

Segundo a lei, os doadores têm o direito de exigir que seus filhos não entrem em contato com eles. Qualquer um que violar um veto de contato pode ser multado em 7.900 dólares australianos (cerca de R$ 22,2 mil).

Ian Morrison, um dos 2.000 doadores de Victoria que estavam seguros do anonimato, está irritado com a lei e teme que as pessoas que procuram seus doadores não tenham considerado os sentimentos daqueles que as criaram.

"Se eles esperam ter duas grandes famílias felizes, isso não vai acontecer", diz ele.

A missão de Gypsy Diamond para encontrar seu doador começou quando ela tinha 21 anos, depois que sua mãe lhe disse de maneira abrupta que o homem que a criou não era seu pai biológico.

Durante anos, a curiosidade sobre sua herança familiar a atormentou, mas pouca informação estava disponível.

Um dia, em abril de 2017, o telefone dela tocou. Foi Kate Bourne, conselheira da Varta.

"Você está sentada?", perguntou Bourne. "Acabei de falar com seu doador pelo telefone."

Peacock, um homem divorciado de 68 anos, não sabia se o contato com Diamond alteraria sua vida.

Ele se tornou um doador em uma tentativa de ajudar os outros a terem filhos. Peacock doou cerca de oito vezes, recebeu US$ 10 por amostra e usou o dinheiro para comprar um novo conjunto de ferramentas elétricas.

"Eu doei porque eu pensei que iria fazer algo de bom em algum lugar", diz Peacock. "A broca foi um bônus."

Foto dia em que Gypsy Diamond conheceu seu pai biológico, Peter Peacock - Peter Peacock via AP - Peter Peacock via AP
Foto dia em que Gypsy Diamond conheceu seu pai biológico, Peter Peacock
Imagem: Peter Peacock via AP

Ele estava curioso, então ele concordou com uma correspondência por email com Diamond.

Bourne ligou para Diamond para dar a notícia. Ela rapidamente encontrou o perfil de Peacock no Facebook. Seu coração disparou. Ela nunca tinha visto alguém que se parecesse tanto com ela. Ela enviou um email e duas fotos de si mesma.

Peacock também ficou atordoado com suas semelhanças. Ambos amam Shiraz e antepasto, torcem pelo mesmo time de futebol e compartilham um senso de humor meio insolente.

"Eu posso ver muito de você em mim... especialmente os olhos", escreveu Diamond. "Eu nunca senti nada parecido."

Ele perguntou se Gypsy Diamond era seu nome verdadeiro. Ela confirmou que era.

"Se eu fosse inventar um nome para entrar em contato com meu doador", ela escreveu, "provavelmente não escolheria um que soasse como uma estrela pornô".

Ambos se preocupavam com a forma como as notícias afetariam suas famílias. A filha mais velha de Peacock acabou entrando em contato com Diamond de maneira amistosa, mas a mais nova ficou inquieta com o surgimento da nova irmã, que tem 36 anos. “Eu não sou mais a mais nova”, ela disse a Peacock.

Diamond temia confundir ou perturbar seu próprio pai, que sofria de Alzheimer ainda no início. Quando ela finalmente contou a ele sobre Peacock, o homem pareceu aceitar bem.

Uma questão ainda incomodava Diamond: será que Peacock também era o pai biológico de seu irmão?

Diamond pediu a Peacock que descobrisse na Varta se outras crianças haviam sido criadas com suas doações.

Em agosto do ano passado, seu telefone tocou.

"Você está sentado?", perguntou Bourne. Ele não estava. Ela continuou: "Existem 16".

Peacock sentou-se.

Além de Diamond e seu irmão, havia outros 14 adultos desconhecidos vagando com seu DNA.

Legalmente, ele poderia solicitar suas identidades. Mas, se o fizesse, eles seriam notificados. A maioria das crianças concebidas a partir de doações anônimas nunca são informadas sobre suas famílias biológicas. Peacock não podia se imaginar jogando uma bomba como essa sobre eles.

Ele decidiu que, se algum de seus filhos vier procurá-lo, ele o receberá. Mas não vai atrás deles.

Peacock e Diamond se encontraram quase um ano depois de seus primeiros emails, em março, em um show de carros. Ambos estavam nervosos. Peacock disse a Diamond para procurar o cara bonito com o guarda-chuva vermelho e branco. Ela poderia reconhecê-lo de longe, disse ele. Se ela desistisse, não haveria ressentimentos.

Quando Diamond o viu, ela travou, mas depois caminhou diretamente em sua direção.

Peacock olhou para cima e a viu. Eles sorriram e se abraçaram.

Logo, estavam conversando como velhos amigos. O marido de Diamond acabou se juntando a eles, assim como seus filhos.

Ela não contou a seus filhos quem era Peacock. Com 8 e 5 anos, eles são jovens demais para entender.

Mas, para ela, Peacock é da família, mesmo que ela não possa definir o papel dele.

"Eu sei que ele só vai fazer parte da minha vida", diz ela. “Para onde vai, não sei. Eu realmente não tenho nome para isso.”

Peacock sente o mesmo.

"Eu não sou o pai dela, eu não sou o tio dela, mas ainda faço parte dela", diz ele. "Ela é uma parte de mim."