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Vítimas do Exército há 50 anos, estudantes seguem massacrados no México, mas agora, pelo tráfico

Enrique Espinosa se emociona ao se lembrar de sua detenção por soldados armados durante o massacre de Tlatelolco - Marco Ugarte/AP
Enrique Espinosa se emociona ao se lembrar de sua detenção por soldados armados durante o massacre de Tlatelolco Imagem: Marco Ugarte/AP

Da AP

02/10/2018 10h13

Quando soldados massacraram até 300 pessoas em um protesto estudantil na praça Tlatelolco, na Cidade do México, em 2 de outubro de 1968, os assassinos usavam uniformes. Hoje, os estudantes no México dizem que ainda estão sob ataque, mas agora de bandidos, cartéis de drogas, paramilitares ou estupradores.

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Os ativistas estudantis de hoje --e até os veteranos do movimento democrático de 1968-- reconhecem que agora têm liberdade de expressão, algo pelo qual a geração de 68 lutou. Mas eles dizem que a impunidade continua a mesma; ninguém foi condenado pelos assassinatos de 1968.

O México marca o aniversário de 50 anos de Tlatelolco nesta terça-feira (2) e o massacre continua sendo uma ferida aberta: ninguém sabe exatamente quantos morreram quando soldados abriram fogo contra uma manifestação pacífica. As estimativas vão desde a versão oficial de 25 mortos até uma investigação mais recente que identificou 44, mas ativistas na época alegaram que um grande número de corpos foi transportado em caminhões de lixo.

Apenas na semana passada, uma agência do governo reconheceu pela primeira vez que o massacre foi "um crime cometido pelo Estado".

O país --digamos, aqueles que sobreviveram ao ataque e a geração que herdou seu manto ativista-- também não aprendeu lições cruciais da tragédia, com quase todos os crimes de hoje igualmente sem resolução e impunes, por responsáveis estatais e não-estatais.

Com exceção de alguns fragmentos ósseos carbonizados, ninguém jamais encontrou os corpos de 43 estudantes de uma faculdade de professores rurais que foram sequestrados pela polícia e entregues a uma gangue de drogas em setembro de 2014 --outro aniversário cruel que o México marcou nos últimos dias sem sinal de resolução à vista. Os estudantes da faculdade de Ayotzinapa nunca mais foram vistos.

"Estamos possivelmente em pior situação hoje. Os jovens estão sob ataque, com a economia e a desigualdade, há menos oportunidades", disse Enrique Espinosa, que, aos 69 anos, continua alto e magro, do mesmo jeito como apareceu em uma famosa foto de 1968 mostrando estudantes manifestantes vestindo roupas íntimas sob a mira de armas seguradas por soldados contra uma parede de um prédio de apartamentos de Tlatelolco. "Este não é o México que queríamos."

Apesar do recente reconhecimento do massacre pela Comissão de Vítimas do governo como um "crime estatal que continuou além de 2 de outubro com prisões arbitrárias e tortura" e uma promessa de reparações, a justiça continua indefinida. Por exemplo, o governo ainda está lutando contra uma ordem judicial que permite que uma comissão da verdade investigue o destino dos 43 estudantes que desapareceram em 2014.

"Tlatelolco é um crime cometido pelo governo que ficou impune, e hoje a grande luta é acabar com essa impunidade", disse Felix Hernandez, um dos líderes do movimento de 68.

Até mesmo Hernandez, então estudante de engenharia, reconhece que as coisas mudaram para os jovens de hoje. Em 1968, "obter um diploma universitário era garantia de conseguir um emprego seguro. Não é o caso hoje".

Os tempos de hoje são diferentes de outras formas. Em 1968, os estudantes lutaram contra um governo monolítico que presidia uma economia em expansão e estava no auge de seu poder. Apenas alguns dias após o massacre de Tlatelolco, o México sediou os Jogos Olímpicos.

Enquanto as Olimpíadas foram marcadas pela dissidência --os velocistas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos ergueram os punhos em uma saudação ao poder negro-- a situação hoje é muito mais caótica com um governo que mal controla muitos aspectos da sociedade, atacado por cartéis violentos que muitas vezes são apoiados por policiais e prefeitos desonestos.

"Em 1968, a repressão foi realizada pelo Exército e pela polícia antimotim; hoje, isso é feito pelos grupos paramilitares... É uma diferença muito importante", disse Victor Guerra, outro ex-líder do movimento de 68. "Naquela época, o governo era extremamente autoritário, não permitia liberdade de expressão ou manifestações. Hoje, graças ao movimento de 68, temos essa possibilidade, podemos protestar nas ruas."

Ironicamente, pouco antes do 50º aniversário, os estudantes estavam de volta às ruas, depois que bandidos conhecidos como 'porros' atacaram uma manifestação estudantil na Universidade Nacional Autônoma em setembro; dois alunos ficaram gravemente feridos, um deles foi esfaqueado nas costas. A namorada de um estudante recebeu vários socos no rosto enquanto tentava protegê-lo.

18.set.2018 - Enrique Espinosa mostra uma foto de revista em que ele e outros manifestantes estão sendo detidos por soldados armados durante o massacre de Tlatelolco na Cidade do México - Marco Ugarte/AP - Marco Ugarte/AP
18.set.2018 - Enrique Espinosa mostra uma foto de revista em que ele e outros manifestantes estão sendo detidos por soldados armados durante o massacre de Tlatelolco na Cidade do México
Imagem: Marco Ugarte/AP

A violência chocou os mexicanos que achavam que os "porros" --estudantes fantasmas que se registram, mas não frequentam as aulas e, em vez disso, servem como capangas para políticos-- eram uma relíquia do passado, como na marcha de 10 de junho de 1971, quando mataram pelo menos uma dúzia de alunos.

"Em 1968, foi uma repressão mais direta", disse Josue Gonzalez, 20, estudante de ciências políticas da Universidade do México, ao marchar em um protesto contra os últimos ataques. "Se o governo tentasse a repressão física hoje, seria muito estúpido, as pessoas reagiriam."

"Agora [a violência] vem de outros grupos --de 'porros'. Eles contratam um terceiro para fazer seu trabalho sujo", disse Gonzalez.

De fato, alguns argumentam que crimes como o desaparecimento de 43 estudantes em Iguala em 2014, oficialmente atribuídos a policiais sob o pagamento de uma gangue de drogas, eram na verdade obras do governo; os estudantes tinham criticado as autoridades, e o prefeito da cidade onde eles desapareceram foi implicado no crime.

"São as próprias autoridades que atacam você", disse Itzel Espinosa, 23, formada em design e filha de Enrique, do movimento de 1968. "O que aconteceu com os 43 estudantes é o 2 de outubro de hoje."

Mas hoje, a brutalidade é de um tipo diferente. Em março, três estudantes de cinema universitários na cidade de Guadalajara, no oeste do país, foram escolhidos por uma gangue de drogas que os confundiram com membros de um cartel rival. Eles foram torturados, interrogados e mortos, e seus corpos foram dissolvidos em ácido.

"Os estudantes de cinema em Guadalajara estavam fazendo um projeto de faculdade. É inacreditável", disse Espinosa. "Esse caso foi obra das gangues de drogas, mas se o governo fosse funcional, esse tipo de crime não aconteceria."

Cada aluno tem sua própria história: "São os 'porros', os assassinatos de mulheres... os sequestros, os roubos", disse Juan Guijosa, um estudante de economia da Universidade Nacional que se formou há algumas semanas.

"Hoje em dia há um grande problema com o crime", concordou Jorge Chavez Cardenas, outro estudante que estava no protesto de setembro. "Fora de nossa universidade houve assassinatos, sequestros e massacres."

Entre os crimes no campus está o assassinato de Lesvy Berlin, em 2017, na UNAM, que foi inicialmente considerado suicídio, mas depois reconhecido como feminicídio pelas autoridades, desencadeando vários protestos.

Mas algumas coisas melhoraram. Em 1968, os estudantes lutaram para distribuir panfletos e combateram a indiferença ou mentiras da mídia alinhada com o governo. No dia seguinte ao massacre de 1968, os jornais descreveram o episódio como um ataque aos soldados, com manchetes como "Terroristas e soldados travaram uma dura batalha" e "A provocação criminal causa sangrento confronto".

Na era digital, os alunos têm o poder de se comunicar com o mundo na ponta de seus dedos.

"A grande diferença hoje é a mídia social", disse Itzel Espinosa. "Nós jovens, hoje, podemos dizer o que realmente aconteceu. Temos maneiras de provar isso. Naquela época eles não tinham celulares, você não tinha como provar o que acontecia. Você não tinha uma câmera na mão."