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Cientistas alertam que programa militar dos EUA pode ser visto como arma biológica

Foto de 2013 fornecida pelo Instituto Boyce Thompson mostra pulgões de folhas de milho usados em um estudo para modificar plantas cultivadas por meio de vírus modificados - Meena Haribal/Boyce Thompson Institute via AP
Foto de 2013 fornecida pelo Instituto Boyce Thompson mostra pulgões de folhas de milho usados em um estudo para modificar plantas cultivadas por meio de vírus modificados Imagem: Meena Haribal/Boyce Thompson Institute via AP

Candice Choi e Seth Borenstein

Da AP, em Nova York (EUA)

12/10/2018 04h00

Uma pesquisa feita pelas Forças Armadas dos EUA está explorando a possibilidade de utilizar insetos para tornar as plantas mais resilientes, alterando seus genes. Alguns especialistas dizem que o trabalho pode ser encarado como uma arma biológica em potencial.

Em um artigo de opinião publicado na revista Science, os autores dizem que os EUA precisam fornecer uma justificativa maior sobre o propósito pacífico de projeto "Insect Allies" (Insetos Aliados, em tradução livre) para evitar serem vistos como hostis a outros países. Outros especialistas expressaram preocupações éticas e de segurança com a pesquisa, que busca transmitir algumas características de proteção às culturas que já estão em crescimento nas lavouras.

Isso marcaria um afastamento do atual procedimento amplamente usado de modificar geneticamente as sementes de culturas como milho e soja, antes que elas se transformem em plantas.

A agência de pesquisa militar diz que seu objetivo é proteger o fornecimento de alimentos do país contra ameaças como secas, doenças nas plantações e bioterrorismo, usando insetos para infectar plantas com vírus que protegem contra esses perigos.

"Segurança alimentar é segurança nacional", disse Blake Bextine, que lidera o projeto que é desenvolvido há dois anos na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, ou DARPA (na sigla em inglês), um braço do Departamento de Defesa dos EUA.

O Departamento de Estado disse que o projeto é realizado para fins pacíficos e não viola a Convenção sobre Armas Biológicas. O Departamento de Agricultura dos EUA disse que seus cientistas fazem parte da pesquisa, que está sendo conduzida em laboratórios confinados.

A tecnologia pode funcionar de diferentes maneiras. Na primeira fase, pulgões --pequenos insetos que se alimentam sugando seiva de plantas-- infectaram plantas com um vírus que temporariamente provocou uma nova característica. Mas os pesquisadores também estão tentando ver se os vírus podem alterar os genes da planta para resistir a perigos durante toda sua vida.

Ainda assim, a pesquisa está levantando preocupações.

"Eles estão falando sobre a liberação maciça de modificação genética por meio de insetos", disse Gregory Kaebnick, especialista em ética do Instituto de Pesquisa em Bioética do Hastings Center, em Garrison, que estuda modificação genética. Ele não faz parte do artigo da Science, mas disse que a tecnologia da Insect Allies pode acabar sendo destrutiva.

Kaebnick questionou até que ponto os vírus e insetos que os transportam poderiam ser controlados. "Quando você está falando de coisas muito pequenas como insetos e micróbios pode ser impossível removê-los", uma vez que eles são introduzidos nas lavouras, disse ele.

David Relman, professor de medicina e microbiologia em Stanford, que foi assessor do governo Obama em biossegurança, mas não faz parte da pesquisa da DARPA, afirmou que o projeto pode afetar temores de longa data entre os países de que inimigos possam tentar prejudicar suas plantações.

Ainda assim, Relman disse que a tecnologia poderia ajudar os fazendeiros a combater um "vírus de plantas ruins que se movem pelas planícies" ou proteger as plantações contra o bioterrorismo. Como os insetos frequentemente disseminam doenças nas plantações, Relman contou que a DARPA está tentando usar a própria biologia desses animais para "recrutá-los como aliados" na disseminação de características de proteção.

Embora não seja um nome familiar, a DARPA ajudou a desenvolver a internet e sua missão é pesquisar novas tecnologias potencialmente cruciais. A agência anunciou o projeto Insect Allies em 2016.

Guy Reeves, coautor do artigo da Science e biólogo do Instituto Max Planck de Biologia Evolutiva na Alemanha, afirmou que a tecnologia é mais viável como arma para matar plantas do que como ferramenta agrícola. Como resultado, ele disse que a DARPA poderia enviar uma mensagem alarmante, independentemente de suas intenções.

"Isso tudo tem relação com a maneira como o projeto é percebido", disse ele.

Os autores europeus do artigo dizem que o simples anúncio do programa pode ter motivado outros países a desenvolver suas próprias capacidades neste assunto. Eles afirmam que o projeto também ressalta a necessidade de uma maior discussão sobre as preocupações regulatórias e éticas desse tipo de tecnologia em desenvolvimento.

Todd Kuiken, pesquisador sênior da North Carolina State University, disse não acreditar que os militares pretendam atacar outro país com insetos. Mas ele contou que parece ruim que a DARPA esteja financiando o projeto.

"O simples fato de que este é um programa militar naturalmente levantaria esse tipo de questão", disse Kuiken, que no ano passado levantou preocupações semelhantes às publicadas na revista Science.

Tom Inglesby, professor de saúde ambiental e engenharia da Universidade Johns Hopkins, disse que a tecnologia está sendo desenvolvida especificamente para proteger as plantações. Mas ele reconheceu que poderia ser mal utilizada.

As preocupações de que a nova tecnologia possa ser usada como arma são esperadas, mesmo que essa não seja a intenção, disse Paul Thompson, professor de agricultura e ética da Universidade Estadual de Michigan, que faz parte do conselho consultivo da DARPA.

"Uma vez que você faz esse tipo de avanço, você está em um novo mundo. É uma coisa moralmente ambígua. Você se pergunta: 'Isso é algo que nunca devemos fazer?'", disse ele.

Alguns especialistas questionam se os objetivos ambiciosos do projeto são viáveis.

O entomologista da North Carolina State University, Fred Gould, que presidiu um painel na Academia Nacional de Ciências sobre alimentos geneticamente modificados e não faz parte da pesquisa da DARPA, disse que muitas interações biológicas precisariam ser perfeitamente manipuladas, então a chance de funcionar é "bem perto de zero".

Pode não funcionar, mas Relman disse que é o papel da DARPA explorar os "limites do trabalho desafiador" para antecipar futuras ameaças.