Além do Domo de Ferro, quais são os principais sistemas de defesa do mundo?
Felipe Van Deursen
Colaboração para UOL
16/05/2024 04h00
Desde a Guerra Fria, o mundo não gastava tanto em armamentos militares, sistemas de defesa e parafernálias de guerra em geral. A invasão da Rússia à Ucrânia, nova fase de um conflito que já dura dez anos, e a guerra entre Israel e o Hamas, que já é, de longe, o episódio mais mortífero da tensa relação entre israelenses e palestinos, contribuíram para a escalada.
Mas não são esses países que puxam a fila dos investimentos
Por gastos militares do mundo, entenda "mundo" como Estados Unidos e mais uns outros, segundo o mais recente relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), os EUA respondem, sozinhos, por 37% desses gastos.
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Em seguida vem, bem atrás, China (12%), Rússia (4,5%), Índia (3,4%), Arábia Saudita (3,1%), Reino Unido (3,1%), Alemanha (2,7%), Ucrânia (2,7%), França (2,5%) e Japão (2,1%). O Brasil ficou em 18º, com 0,9%.
Ao todo, os gastos militares globais chegaram a US$ 2,4 trilhões no ano passado, o maior valor já registrado pelo instituto desde que iniciou a série histórica, em 1988. Quase todos esses dez países puxaram para cima suas cifras nos últimos dez anos.
Sem nenhuma surpresa, quem teve os maiores aumentos foi a Ucrânia (1.272%). Depois, China (60%) e Rússia (57%). Os EUA tiveram um aumento de 9,9%, o que poderia ser considerado sutil, não fosse o país responsável por mais de um terço dos gastos militares do planeta.
Maiores investimentos em sistemas de defesa
Sistemas de defesa aéreo são mecanismos que tomam medidas contra alvos que se aproximam, como mísseis, aeronaves e veículos aéreos não tripulados. Eles servem para diversas operações, incluindo vigilância do espaço aéreo, e agrupam técnicas terrestres, aéreas e marítimas para combater uma variedade de artefatos, incluindo mísseis de cruzeiro (que voam paralelamente ao solo e liberam ogivas no alvo) e balísticos (que voam em parábola até atingir o alvo).
Esse setor deverá crescer a uma taxa superior a 5% ao ano, segundo a consultoria indiana Spherical Insights. Dos US$ 43,6 bilhões gastos em 2022, o mundo chegará a US$ 71,7 bilhões em 2032.
O subgrupo de sistemas de defesa antimísseis também está aquecido. Essa indústria, que movimentou US$ 26,1 bilhões em 2020, chegará aos US$ 40 bilhões em 2030, de acordo com uma análise da consultoria Allied Market Research.
Segundo o estudo, a América do Norte é e continuará sendo o maior mercado, responsável por cerca de 40% dos gastos. Mas a região Ásia-Pacífico terá um crescimento expressivo na década, devido ao aumento das tensões e à entrada de novos países nessa corrida armamentista.
Mais da metade dos armamentos comercializados nesse setor são do segmento 101-200 km. Mas, segundo a análise, a demanda que mais vai crescer será a 201-400 km. Ou seja, são sistemas que destroem mísseis em um raio muito maior, o que talvez passe a mensagem que, em 2030, esses países não estarão preocupados apenas com o vizinho mais próximo, mas também com outros, mas distantes.
O aumento do número de conflitos se desenrolando ao mesmo tempo no mundo e as tensões crescentes em algumas regiões ajudam a explicar os investimentos. De acordo com as Nações Unidas, desde a Segunda Guerra não havia tantas guerras, guerrilhas e afins se desenrolando. Elas afetam cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo. A Academia de Genebra, na Suíça, fala em pelo menos 110 eventos do tipo em andamento.
Defender custa muito mais que atacar
Em um artigo publicado em fevereiro, Wes Rumbaugh, analista do think tank americano CSIS, chamou atenção para o fato de que muitos jornais americanos destacaram que a Marinha usou um míssil de US$ 2 milhões para interceptar um drone de US$ 2 mil usado pelos rebeldes houtis no Mar Vermelho.
É uma tremenda manchete, ele reconhece. "Mas isso obscurece a complexidade dos sistemas de defesa". Rumbaugh explica que um míssil antibalístico dos EUA custa, em média, o dobro de um míssil balístico. Essa assimetria se deve às naturezas distintas desses equipamentos. Para interceptar um míssil com precisão, é preciso ter velocidade e alcance excepcionais, além de direção sofisticada.
Ele cita o combate aos houtis no Mar Vermelho como exemplo. "Para defender a navegação, a Marinha precisa cobrir áreas maiores, em vez de um alvo pontual específico. Isso requer interceptores com maior alcance", explica. "Interceptadores de curto alcance, mais baratos, são úteis para defender o próprio navio de ataques, mas não podem fornecer cobertura em toda a área para proteger também os navios de transporte."
Os principais sistemas de defesa do mundo
Estados Unidos
Apesar do aumento geral de gastos militares do país na última década, os EUA não têm mais o mesmo ímpeto quando se trata de defesa antiaérea do que nos tempos de Guerra Fria, época em que a ameaça nuclear e a paranoia em relação a um eventual ataque soviético pautavam Washington.
Hoje, o National Missile Defense, programa antimísseis do país, tem objetivos mais humildes, relacionados a evitar que os EUA sejam ameaçados por chantagens atômicas por algum Estado-pária. O sistema está preparado para lidar com mísseis balísticos intercontinentais lançados por países menores, com pouca sofisticação militar.
Um dos principais componentes é o Ground-Based Midcourse Defense (GMD). Esses interceptadores, instalados no Alasca e na Califórnia, são projetados para atingir mísseis balísticos no meio de sua trajetória rumo ao alvo.
A taxa de sucesso nos testes de interceptação realizados não é das melhores. De 21 feitos entre 1999 e 2023, só 12 foram bem-sucedidos.
França, Itália e Reino Unido
Os três países desenvolveram o programa Principal Anti-Air Missile System (Paams) para equipar navios contratorpedeiros contra uma variedade de ameaças aéreas. O Reino Unido deixou a parceria nos anos 1990, mas seguiu com um programa próprio, nos mesmos moldes, chamado Sea Viper.
Ambos os sistemas entraram em ação na atual crise do Mar Vermelho. Em dezembro de 2023, um destróier francês interceptou dois drones direcionados a ele. Dias depois, derrubou um terceiro, que mirava um navio-tanque norueguês.
Na mesma semana, um destróier britânico salvou embarcações comerciais de um drone. Em janeiro, o mesmo contratorpedeiro derrubou "diversos" drones, segundo a marinha do país, no que foi o maior ataque até então desferido, acredita-se, pelos houtis do Iêmen.
Rússia
O A-135, sistema antibalístico da Rússia, está em funcionamento desde os anos 1990. Foi desenvolvido para proteger Moscou e áreas vizinhas. O teste mais recente, de 2017, foi bem-sucedido.
China
O país investiu em um complexo sistema de baterias antiaéreas, com diversos modelos do míssil soviético S-300. Em 2010, a China se tornou o segundo país, atrás somente dos EUA, a conseguir interceptar um míssil acima da atmosfera.
Taiwan
A ilha mantém desde os anos 1980 o programa Tien Kung, ou Arco do Céu, de defesa contra sua eterna inimiga, a China. No ano passado, o governo local anunciou planos para construir 12 novas bases da terceira geração, TK-III. Trata-se de uma série de mísseis superfície-ar antibalísticos, que operam em conjunto com outras classes de armamentos.
Índia
Sob o argumento de se sentir ameaçada com o crescimento bélico do Paquistão, inimigo histórico e que também tem armas nucleares, a Índia mantém, desde 2000, o Programa de Defesa contra Mísseis Balísticos. O sistema, que já foi testado algumas vezes, tem duas camadas de proteção, em alta e baixa altitude.
Ele é capaz de interceptar mísseis lançados a até 5 mil quilômetros de distância. É o suficiente para cobrir a distância entre Nova Déli e Pequim - a China também tem problemas históricos de fronteira com a Índia.
Israel
O país tem um vasto e badalado sistema de defesa, com nomes pra lá de inspirados. Arrow ("flecha") é uma família de mísseis antibalísticos capaz de derrubar até mesmo satélites.
A Funda de Davi intercepta aviões, drones e mísseis em um raio de 40 a 300 quilômetros. A inspiração veio da milenar funda, um tipo de estilingue, popular até hoje na região, usado pelo rei Davi para derrotar Golias na história bíblica.
O Domo de Ferro, bastante falado no atual conflito contra o Hamas, cobre ameaças mais próximas, de menor alcance. É um velho aliado dos israelenses: entrou em operação em março de 2011 e, apenas 11 dias depois, derrubou seu primeiro foguete, lançado de Gaza.
O Feixe de Ferro é uma arma a laser capaz de derrubar foguetes, morteiros ou drones a até 7 quilômetros. Ele pode entrar em operação, junto ao Domo de Ferro, no ano que vem. Em abril, os EUA anunciaram um investimento de US$ 1,2 bilhão na tecnologia israelense.
Irã
Em 2019, quando as relações entre Irã e Europa e EUA azedaram devido às acusações de que o país estava violando o acordo nuclear de 2015, Teerã apresentou seu sistema de defesa, o Khordad 15. Ele detecta drones, mísseis de cruzeiros e caças.
Em 2022, o país anunciou uma nova versão dos mísseis de longo alcance Bavar-373, que estariam à altura dos modernos S-400 russos. Esses mísseis superfície-ar seriam capazes de derrubar até caças de quinta geração, os mais modernos em atividade.
Japão
O país começou a desenvolver seu sistema de defesa, com apoio americano, após um míssil lançado pela Coreia do Norte passar pelo espaço aéreo japonês, em 1998. Nos anos 2000, o Japão realizou testes de comunicação em dois pontos de Tóquio. Em 2022, os contratorpedeiros Maya fizeram testes bem-sucedidos em uma base dos EUA no Havaí.
Futuro próximo
A corrida por sistemas de defesa cada vez mais sofisticados está ganhando novos participantes. A Coreia do Sul planeja apresentar o L-SAM, seu programa de mísseis antibalísticos de longo alcance, em 2026.
Em outubro de 2022, a Alemanha anunciou a Iniciativa Escudo do Céu Europeu. Quinze países do continente aderiram ao programa, que buscará ações em conjunto para o desenvolvimento de sistemas de defesa antiaérea.
Em 2024, o grupo já conta com 21 países, todos membros da Aliança do Tratado do Atlântico Norte (Otan), além das neutras Suíça e Áustria.
A iniciativa pretende fortalecer e modernizar a rede de defesa antiaérea da Otan, que entrou em operação nos anos 1960. Em 2023, o Parlamento alemão firmou uma compra de 4 bilhões de euros em mísseis Arrow 3, de Israel.
Estes são os principais, em ordem decrescente de gastos militares, segundo o Sipri:
- Reino Unido
- Alemanha
- Países Baixos
- Turquia
- Suécia
- Noruega
- Dinamarca
- Grécia
- Bélgica
- Finlândia
- Suíça
- Romênia