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O que é a 'síndrome do bebê sacudido', que fará homem ser executado nos EUA

Robert Roberson, fotografado na prisão, em dezembro de 2023 Imagem: Ilana Panich-Linsman/Divulgação The Innocence Project

Colaboração para o UOL

17/10/2024 10h09

O americano Robert Roberson teve a data de sua execução mantida para hoje, depois que o Tribunal do Distrito do Condado de Anderson, no Texas, rejeitou o recurso de sua defesa na terça (15), segundo a CBS.

O pai foi condenado pelo homicídio da filha de dois anos em 2002 devido à síndrome do bebê sacudido, um tipo de abuso que seus advogados, entidades de defesa de condenados como o Innocence Project e de proteção a pessoas com autismo afirmam que não aconteceu. Sua única chance de escapar do corredor da morte é através da clemência do governador do Texas, Greg Abbott. O pedido feito por ele só deve ser respondido horas antes da execução agendada.

O caso

Roberson levou a filha, Nikki, a um hospital na cidade de Palestine, no Texas em 31 de janeiro de 2002. A menina não estava respirando e sua pele estava azulada. Devido ao estado da menina, os profissionais de saúde suspeitaram de maus-tratos e uma enfermeira chamou a polícia.

Nikki foi levada de helicóptero a um hospital infantil em Dallas. O caso era grave e, posteriormente, médicos a retiraram do suporte de vida. Com as máquinas desligadas, ela morreu.

O pai foi preso em 1º de fevereiro, acusado de cometer um crime capital (que pode levar à pena de morte), de homicídio com agravantes. Aos investigadores, Roberson disse que buscou a filha no dia 30 de janeiro da casa de seus avós maternos, colocou um filme para assistir e dormiu na mesma cama que a criança. Eles estavam sozinhos.

Roberson relatou que acordou no meio da noite com o choro da menina e viu que ela tinha caído de uma altura de 30 a 60 centímetros da cama para o chão. Ele também disse que viu sangue saindo da boca da criança e um machucado no seu queixo, de acordo com a ocorrência registrada obtida pela CNN americana, e teria limpado o sangue com uma toalha.

O acusado teria tentado manter a filha acordada por duas horas para garantir que ela estava bem e foram dormir. Quando acordou pela manhã, o pai teria visto que Nikki estava inconsciente, segundo relatou aos policiais.

Eu fui falsamente e erroneamente condenado por um crime -- eles dizem que é um crime, mas não foi crime porque eu tinha uma garotinha doente. [...] Eu a carreguei para o hospital e tudo, sabe? Eu não tinha nada a esconder.
Robert Roberson à CNN.

Roberson tem outros três filhos e tinha conseguido a guarda de Nikki apenas dois meses antes da sua morte. Ele só soube da existência dela após o parto e a menina passou a maior parte de sua vida com os avós maternos, que posteriormente concordaram que ele tivesse a guarda da filha, segundo documentos obtidos pela emissora.

Pediatra especializada em maus-tratos a crianças do hospital de Dallas, onde Nikki morreu, disse à polícia que a menina era vítima de abuso. Os ferimentos eram "indicativo do impacto da síndrome de bebê sacudido", escreveu a Dra. Janet Squires em um laudo anexado ao processo. A autópsia do corpo da criança determinou que ela morreu devido a lesões na cabeça causadas por força brusca e determinou que a causa da morte foi homicídio.

A médica e outras 11 testemunhas depuseram no julgamento de Roberson. Janet Squires levou tomografias que mostravam que o cérebro de Nikki havia inchado e que havia sangue sob o seu crânico e atrás dos olhos. As lesões, de acordo com a especialista, não poderiam ter sido explicadas por um "impacto único" — como a queda da cama apontada pelo pai. "Foi um ato muito violento e de muita força", observou, após destacar que a síndrome do bebê sacudido raramente é diagnosticada após um incidente isolado, mas sim após um padrão de abusos.

Robert Roberson e a filha, Nikki, antes da morte da menina em 2002 Imagem: Acervo família Roberson/Divulgação The Innocence Project

Não foram encontraram ferimentos mais antigos, como fraturas ou sangue, segundo Janet. Apesar disso, ela frisou que este tipo de lesão que levou à morte da criança "não é algo que acontece por acidente".

Uma sobrinha de Roberson, à época com 11 anos, e a filha de 10 anos de sua então namorada disseram no tribunal que já tinham visto o acusado chacoalhar a filha em outras ocasiões. A namorada ainda alegou que Roberson esperou para levar Nikki ao hospital; ele atribuiu a demora no socorro da filha "ao estado de choque" em que ficou ao ver como ela estava e ao tempo que levou para vesti-la. O pai ainda nega que as meninas o tivessem visto chacoalhando a criança.

A defesa alega que Nikki morreu de pneumonia que progrediu para sepse. Seu estado ainda teria sido agravado por medicamentos hoje vistos como inadequados para crianças, como codeína e prometazina, que teriam causado sangramento intracraniano. Além de apontar erro no diagnóstico, a defesa descredita a "síndrome do bebê sacudido", que nunca teria sido cientificamente comprovada, segundo o seu argumento.

Advogados acreditam que comportamento de Roberson no hospital foi julgado inadequadamente pela equipe. Sua reação pouco emotiva, que foi tida como prova de sua culpa pela polícia, seria manifestação do seu autismo diagnosticado apenas em 2018. O ex-policial e atual pastor Brian Wharton, que foi detetive do caso, acredita que a resposta emocional de médicos, enfermeiros, do pai e de policiais envolvidos afetou a investigação. À CNN, ele explicou que não quer que Robert Roberson seja executado, mas receba uma pena alternativa pela situação que levou à morte de Nikki. "Ele estava fazendo o que um pai devia fazer. Ele estava fazendo o seu melhor com seus recursos limitados para conseguir que sua filha fosse tratada, para cuidar dela e tudo se desmoronou."

O que é a síndrome do bebê sacudido?

A síndrome do bebê sacudido (SBS) é aceita pela Academia Americana de Pediatria e foi descrita inicialmente nos anos 70. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica a define como "um trauma não acidental" e um diagnóstico que pode incluir uma combinação de achados como: ossos longos quebrados (braços ou pernas), fraturas de crânio, sangramento cerebral e hemorragias retinianas.

O SBS ocorre quando um bebê é sacudido repetidamente, geralmente por um cuidador frustrado, em um esforço para acalmar um bebê inconsolável. A cabeça de um bebê é desproporcionalmente grande e seus vasos sanguíneos são frágeis, o que torna o cérebro e os olhos mais suscetíveis a sangrar devido a uma lesão por desaceleração. A maioria das crianças vítimas de SBS tem menos de um ano de idade, muitas delas com menos de seis meses. Lesões do SBS podem levar a deficiências visuais e de desenvolvimento permanentes ou até a morte.
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica

É a principal causa de morte após abuso infantil em crianças menores de cinco anos. O dado é do CDC (US Centers for Disease Control and Prevention), a Anvisa dos EUA.

Desde 2009, o termo foi incluso dentro de um guarda-chuva maior: "trauma craniano violento pediátrico" (ou "traumatismo cranioencefálico abusivo pediátrico"), pela Academia Americana de Pediatria. Esta reclassificação foi "mal interpretada por alguns nas comunidades legal e médica como indicação de alguma dúvida ou invalidação do diagnóstico e do mecanismo de chacoalho como causa de lesão", de acordo com um artigo liderado pelo pediatra Sandeep K. Narang, do Lurie Children's Hospital of Chicago, publicado no periódico Pediatrics, da Academia.

A Academia Americana de Pediatrica continua a afirmar os perigos e danos de chacoalhar crianças e continua a aceitar o diagnóstico da Síndrome do Bebê Sacudido como um subtipo válido do diagnóstico de trauma abusivo na cabeça (AHT).
Destaca o artigo de Narang, de 2020.

SBS matou mesmo Nikki?

Narang foi chamado por um apoiador da defesa de Roberson para rever os depoimentos do caso. À CNN, ele disse que "a conclusão é simplesmente de que Nikki foi vítima de trauma crianiano violento pediátrico". "Sem dúvidas", confirmou. "Eu achei que houve uma base razoável, clara para esta condenação. [...] Não poderia ser específico em dizer a você se foi a cabeça da criança em impacto com outro objeto ou superfície ou se foi a mão do acusado, a perna ou outra coisa batendo na cabeça da criança. Mas há sinais de impacto na cabeça desta criança em múltiplos e diferentes locais."

Diagnóstico de SBS fez médicos negligenciarem outros problemas de saúde de Nikki que poderiam ter levado a sua morte. Ela teria ido ao médico diversas vezes em sua vida, de acordo com documentos entregues às autoridades. A infecção nos seus pulmões teria a mantido sem a quantidade apropriada de oxigênio por dias, segundo a BBC, e ela teria dado entrada no pronto-socorro dois dias antes de morrer com febre de 40,3ºC. Para a defesa e entidades que a apoiam, depois que a possibilidade da síndrome foi levantada, os médicos pararam de investigar o seu estado de saúde.

Tribunais de 17 estados, além do Exército dos EUA, já exoneraram 32 pessoas condenadas por Síndrome do Bebê Sacudido desde 1992. Os dados são do Registro Nacional de Exonerações. Como o diagnóstico foi desconsiderado nestes casos, ele pode ser considerado duvidoso também na situação de Roberson.

Trauma é real, diz a Academia Americana de Pedriatria. A diretora do conselho de abuso infantil e negligência da organização, Antoinette Laskey, disse à CNN que a SBS "é real, afeta crianças e afeta famílias". Ela apontou que um artigo de 2021, de Narang e outros colegas, destacou que apenas 3% das condenações pela síndrome entre 2008 e 2018 foram derrubadas e apenas 1% delas devido a provas médicas. "O único local em que trauma craniano violento pediátrico é referido como 'ciência lixo' é na arena legal", queixou-se.

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