Brasileiras idolatram condenado à morte no TikTok: atração tem explicação?
O homem condenado à morte pelo assassinato de duas mulheres no estado da Flórida (EUA) em 2019 vem recebendo comentários de apoio de mulheres brasileiras no TikTok mesmo após sua condenação no fim de agosto.
Publicações e comentários exaltam preso
A reportagem visualizou diversos comentários com elogios a Wade Wilson em vídeos no TikTok. Muitos dos registros reforçam características físicas do preso, que entrou com recurso da sentença na Suprema Corte da Flórida. Há perfis criados na plataforma que fazem postagens apenas com homenagens ao condenado e vídeos que ultrapassam um milhão de visualizações.
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Comentários exaltam beleza de Wilson e expressam admiração. "Verdade seja dita, ele é um psicopata, mas o cara é elegante e sensual. Pena que não soube usar essa beleza. Como diz o ditado: belo por fora e podre por dentro", escreveu uma. Outros comentários são: "Deus, esse homem está invadindo meus pensamentos", "sem defeito algum", "perfeito", "se tiver mais lindo, desconheço", "se ele soubesse o quanto está sendo amado", "que maravilhoso, finalmente achei um perfil que goste dele", e "matou duas minas e eu aqui apaixonada pelo cara filha da pu**".
Algumas das brasileiras também chegam a pedir que ele não seja morto. O UOL já mostrou que Wilson recebeu quase 4.000 mensagens e 754 fotos de admiradoras entre junho e julho, quando um júri optou pela pena capital. A informação, segundo NBC2 e Newsweek, foi divulgada pelo gabinete do xerife do condado de Lee. Os presos podem receber mensagens por meio de uma conta monitorada.
As admiradoras também escreveram ao juiz do caso. Elas solicitaram que Wilson fosse condenado à prisão perpétua em vez da pena de morte. As remetentes seriam mulheres que têm filhos, pessoas que alegam ter conhecido o preso e também pessoas que acham que seria mais benéfico que ele continuasse vivo por acreditarem que poderia se reabilitar e se arrepender dos crimes.
Atração por criminosos tem explicação?
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a atração por responsáveis por crimes violentos tem explicação —e até nome. A hibristofilia é a atração —tanto de mulheres como homens— por pessoas que cometem crimes violentos, como assassinatos e estupros. A psicóloga e docente na área de psicologia forense Maria de Fatima Franco dos Santos explicou ao UOL que há vários fatores determinantes para explicar como algumas pessoas, especialmente mulheres, idolatram e chegam a se apaixonar por criminosos como Wilson.
Entre eles estão o histórico de violência, especialmente doméstica e principalmente na infância; baixa autoestima; carência afetiva; imaturidade psicológica e dependência emocional. Também são consideradas a insensibilidade ao sofrimento alheio e a naturalização da violência por alguém que a sofreu de forma tão intensa que pode ser caracterizada como tortura —em geral a física, mas também a psicológica.
Um pai pouco afetivo ou ausente também pode ser um dos motivos para essa veneração de criminosos. Santos, que já trabalhou quase 18 anos em presídios, pondera que não necessariamente todos esses fatores estarão presentes no mesmo indivíduo.
Apesar da parafilia (conduta e interesse sexual que foge do comum), a docente também destaca que a aparência física de Wilson também atrai pessoas, especialmente mulheres. Para a professora, essa atração se baseia mais em questões físicas do que com princípios socialmente desejáveis —como ética e limites imprescindíveis para o convívio.
Notoriedade do caso também pode fazer mulheres se atraírem por criminosos. O psicólogo forense e especialista em psicologia criminal Matheus Oliveira explicou ao UOL que pessoas podem se interessar pela fama gerada por se relacionar com um criminoso conhecido.
Para o especialista, nem sempre a natureza sexual é o fator determinante para o interesse. A crença de que uma pessoa pode mudar o criminoso e que ele não cometeria o mesmo crime violento com ela também são pontos que fazem muitas pessoas se interessarem, tanto afetiva como sexualmente, por esses presos.
Oliveira também ressalta os discursos que os próprios presos usam com as pessoas atraídas por eles. Muitas vezes, esses homens alegam que o crime não teria sido divulgado como realmente aconteceu e as mulheres acreditam. Em alguns casos, explica o especialista, elas chegam a pensar que estão seguras e protegidas por se envolverem com alguém ameaçador.
Quanto mais notoriedade as redes sociais e a mídia trazem ao criminoso, mais eles acabam despertando a atenção dessas mulheres ou homens que apresentam essa parafilia sexual, contribuindo para surgirem cada vez mais pessoas que apresentam essa parafilia. Logicamente, muitas vezes, a questão da beleza contribui. Mas neste caso, isso é o de menos. É mais pela notoriedade mesmo que esse sujeito [Wilson] está apresentando.
Matheus Oliveira, psicólogo forense
Vítimas são deixadas de lado enquanto criminosos viram alvo das narrativas
Os especialistas concordam que as redes sociais impactam para exaltação de criminosos como Wilson. Para eles, enquanto essa glorificação ocorre, as vítimas e o sofrimento por elas vivenciados são deixados de lado. "Quem deveria ser respeitada e provocar sentimentos altruístas é a vítima e não o seu algoz", ressaltou a professora.
Pesquisadora destaca mudança de comportamento entre as admiradoras. Segundo Katharina da Silva, mestranda do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), antes, o costume era enviar cartas ou mesmo se aglomerar na frente de uma delegacia, enquanto hoje costumam publicar vídeos nas redes sociais com edições parecidas com a que jovens fazem para ídolos e personagens preferidos.
Para Silva, a disseminação da admiração de mulheres por assassinos, como Wilson, e a amplificação das vozes de criminosos são consequências de uma sociedade cada vez mais conectada. "Neste cenário, em que as informações se espalham facilmente e atingem públicos gigantes, fazendo mais barulho que antes (...) um assassino pode ser bem assessorado e ter conteúdos produzidos sobre si com propósito de ganhar a simpatia da população e, com sorte, de membros do júri."
Claro que o fato do criminoso em questão ter traços físicos considerados atraentes também contribui para a sua fama entre essas mulheres. Somando isso à edição de outras pessoas que fazem esse indivíduo parecer ainda mais atraente, glamoroso e até gentil, cria-se uma versão inexistente e idealizada de como o criminoso deve ser 'de verdade'.
Katharina da Silva, mestranda na USP
O interesse social pelo crime, em especial, pelo crime bárbaro impregnado de violência, sempre existiu. Os meios de comunicação de massa e as redes sociais, altamente facilitados pela tecnologia, dão sustentação a esse vício nefasto de muitas pessoas. Pode-se supor que assistir cenas de violência é uma forma de 'escape' da própria violência internalizada. Seria, inconscientemente, a utilização de um mecanismo de defesa, a projeção: o outro faz, me poupando de fazê-lo.
Maria Franco dos Santos, docente na área de psicologia forense
Adoração de criminosos no Brasil
Cenário não é exclusivo de criminosos dos Estados Unidos. Em 1998, Francisco de Assis Pereira ficou conhecido como Maníaco do Parque após ter matado sete mulheres e atentado contra a vida de outras nove em São Paulo. Ele foi condenado a mais de 280 anos de prisão por crimes de estupro, estelionato, atentado violento ao pudor e homicídio.
Um mês após ser preso, o maníaco já havia recebido cerca de mil cartas de mulheres. Algumas se diziam interessadas em conhecê-lo, outras se declararam apaixonadas por ele.
Em Goiás, um condenado a mais de 600 anos de prisão também recebeu centenas de mensagens de compreensão e elogios de mulheres que queriam conhecê-lo. Como o UOL mostrou, o destinatário das mensagens era Thiago Henrique Gomes da Rocha, que matou mais de 30 mulheres entre 2011 e 2014 em Goiânia.
As vítimas não recebem a atenção que os criminosos recebem. Isso é algo que a gente vê acontecer tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. A gente vê, por exemplo, a própria questão do Maníaco do Parque. Conforme se aproximar a data de possível soltura dele, não tenha dúvida de quanto a gente vai aparecer querendo levá-lo para casa.
Matheus Oliveira, psicólogo forense