Prisão ou liberdade: o que acontece com brasileiros deportados dos EUA?


No dia 24 de janeiro pousou em Manaus um avião com 88 brasileiros deportados dos Estados Unidos. O voo foi o primeiro de deportados com destino ao Brasil após Donald Trump assumir a presidência dos EUA e colocar em prática uma série de políticas anti-imigração no país. O UOL conversou com especialistas para entender como funciona o processo de deportação e se estes imigrantes enfrentarão alguma punição no Brasil.
Deportado é sinônimo de criminoso?
Cidadãos brasileiros deportados não são considerados criminosos apenas por terem sido deportados. A professora de relações internacionais Karina Stange Calandrin explica que essas pessoas não respondem a acusações ou processos judiciais no Brasil a menos que haja um mandado de prisão prévio emitido por autoridades brasileiras. "Em geral, eles chegam ao país e são livres para viver suas vidas embora possam enfrentar dificuldades de reintegração social e econômica".
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Nem todos os deportados cometeram crimes. A professora ressalta que muitos são deportados exclusivamente por sua condição de indocumentados, o que é uma infração administrativa, não criminal, nos EUA. "Se tivessem cometido crimes graves, provavelmente seriam obrigados a cumprir suas penas antes de serem deportados. Crimes menores podem ser considerados durante o processo de imigração, mas não necessariamente impedem a deportação", disse.
Como é o processo de deportação?
O processo de deportação nos EUA envolve três etapas. A primeira é a detenção, quando imigrantes indocumentados são presos por autoridades. Em seguida, há, em muitos casos, uma audiência migratória para determinar se o indivíduo tem direito a permanecer no país, por exemplo, com pedido de asilo ou outro tipo de proteção. Por fim, há a ordem de remoção. Nessa etapa, caso o juiz de imigração decida pela deportação, o imigrante recebe uma ordem para ser deportado.
"O processo geralmente começa com uma prisão pela polícia local ou federal antes de ser transferido para o Immigration and Customs Enforcement (Serviço de Imigração e Alfândega)", conhecido como ICE, diz o escritório de advocacia New Frontier Immigration Law em seu site.
Estar indocumentado é suficiente para iniciar o processo. Mas há casos em que pessoas com documentos temporários ou vistos válidos também enfrentam deportação, especialmente se violarem os termos do visto ou cometerem infrações.
Crimes de menor potencial ofensivo podem resultar em deportação. O advogado especialista em direito internacional Daniel Toledo explica que há casos em que a Promotoria não quer oferecer a denúncia por causa do custo, e acabam fazendo acordo para a pessoa pagar uma multa e aceitar a deportação imediata sem recursos. "Acontece bastante. Quando é crime de maior potencial ofensivo, mais violento, ela vai cumprir a pena dela nos EUA e quando terminar vai ser entregue ao ICE".
Deportação costuma ser coletiva, mas pode ser voluntária. Se ordenada a deportação, o migrante tem a possibilidade de sair do país por conta própria, por meio da saída voluntária. Mas "os critérios de elegibilidade são muito rígidos" para saídas voluntárias, segundo a Lei de Imigração da Nova Fronteira.
Karina Stange Calandrin destaca que os EUA frequentemente esperam reunir um número significativo de imigrantes para justificar economicamente o custo de um voo de deportação. "Isso também garante que a operação seja mais eficiente, permitindo a repatriação de várias pessoas ao mesmo tempo. No entanto, a prática de deportações coletivas pode ser interpretada como problemática sob o direito internacional, pois pode não considerar adequadamente as circunstâncias individuais de cada pessoa. A Convenção Americana de Direitos Humanos, por exemplo, proíbe deportações coletivas sem análise prévia caso a caso", explica.
Muitos imigrantes optam pela deportação coletiva para não pagar pelo voo de volta. O advogado Daniel Toledo diz que muitos não têm dinheiro e outros por entender que já serão deportados de qualquer maneira preferem não pagar pelo voo.
Uso de algemas durante a deportação
O uso de algemas por brasileiros deportados dos Estados Unidos provocou um ruído entre os dois países. Os 88 brasileiros deportados por viverem de forma ilegal no país fizeram a viagem dos EUA ao Brasil algemados e acorrentados. Como o UOL noticiou, quando a aeronave pousou em Manaus para uma escala que tinha como destino final Belo Horizonte, o governo brasileiro impediu que os imigrantes continuassem acorrentados.
Governo declarou que iria cobrar explicações dos Estados Unidos. Em nota enviada à imprensa, o Itamaraty classificou o tratamento dado aos brasileiros como "degradante". Isso porque, segundo o Ministério das Relações Exteriores, houve violação de acordo entre os dois países. No total, mais de 30 mil brasileiros aguardam ainda para ser deportados
O que diz a legislação norte-americana. Nos Estados Unidos, a legislação permite que autoridades utilizem algemas ou restrições físicas durante o processo de deportação, sob a justificativa de segurança, especialmente em voos organizados para repatriação. Mas a professora de relações internacionais diz que, no entanto, o uso de algemas é altamente controverso e considerado excessivo por muitos grupos de direitos humanos, particularmente em casos onde os deportados não representam uma ameaça à segurança.
No espaço aéreo internacional, aplica-se o direito internacional e as leis do país de registro da aeronave. No entanto, há espaço para questionar a legalidade do uso de algemas sob normas internacionais de direitos humanos, diz Karina Stange Calandrin. Especialmente ao pousar em outro país, como o Brasil, onde as algemas podem ser vistas como um tratamento degradante em determinadas circunstâncias, "O Brasil, como signatário de tratados internacionais, poderia argumentar que esse tratamento viola a dignidade humana, especialmente se aplicado de forma indiscriminada."
Vale lembrar que a segurança da aeronave cabe ao piloto. "Quando eles saem do território americano, o piloto não sabe qual é a reação dessas pessoas, muitas vezes, por cautela e segurança, determina que esses presos saiam da custódia dos EUA e entrem na custódia de outro país algemados, em segurança", explica o advogado especialista em direito internacional Daniel Toledo.
Política migratória mais dura
Chegada de deportados enviou mensagem clara para dissuadir imigrantes sem documentação, diz Calandrin. Segundo a professora, o 1º voo da era Trump simboliza o endurecimento da política migratória norte-americana.
Políticas de assistência aos deportados. A pesquisadora aponta a necessidade de fortalecer políticas de reintegração e assistência aos deportados, especialmente em um contexto de alta vulnerabilidade econômica. "O episódio também ressalta a complexidade das relações bilaterais entre Brasil e EUA no campo migratório, com a importância de um diálogo mais amplo sobre cooperação e respeito mútuo às normas internacionais".
Itamaraty e embaixada dos EUA terão grupo de trabalho sobre voos de brasileiros deportados.Nesta quarta-feira (29), o Ministério das Relações Exteriores e a embaixada dos Estados Unidos no Brasil fecharam acordo para criar um grupo de trabalho para tratar dos voos de brasileiros deportados dos EUA. Na segunda-feira, o governo do presidente Lula chamou para conversas o encarregado de negócios da embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, depois dos problemas no voo de deportação.