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UE x Moscou: Rússia tenta atrair de volta a Moldávia

Christian Neef

05/03/2014 13h05

Se dependesse de Mikhail Formuzal, a revolução em Kiev não teria acontecido. Então a Moldávia escolheria a Rússia em vez da Europa e o planejado Acordo de Associação com a UE já seria história. Formuzal, 54 anos, é presidente da região autônoma da Gagaúzia, na Moldávia.

No início de fevereiro ele realizou um referendo entre os cerca de 155 mil membros da minoria cristã ortodoxa da região. Queria saber se estes preferiam fazer parte da união alfandegária liderada pela Rússia ou trabalhar com a UE. Resultado: 98,5% dos participantes votaram pela Rússia - 68 mil votos contra 1.900.

Na Moldávia, os gagaúzes são considerados a quinta coluna de Moscou. "Não somos contra a UE, somos pragmáticos", diz Formuzal, um ex-major da artilharia soviética, em um gabinete na Rua Lênin com uma enorme estátua de granito do líder comunista diante de sua janela.

"Meu filho estuda em Giessen, na Alemanha; o maior vendedor de calçados da Europa, Heinrich Deichmann, é o maior patrão da Gagaúzia", diz ele. "Apreciamos todos os valores europeus, exceto o casamento gay."

Durante o fim de semana de revolução em Kiev, ele enviou uma mensagem de solidariedade à Ucrânia - não para os manifestantes, mas para os últimos seguidores de Viktor Yanukovych. Elogiou o homem, um governador do noroeste da Ucrânia, por não ceder à oposição, e lhe ofereceu apoio. A Moldávia, ele escreveu, poderia receber policiais feridos das forças especiais de Berkut e tratá-los. Foram os homens que dispararam propositalmente contra os manifestantes em Kiev, os defensores do velho regime.

Quando a situação desmoronou, Yanukovych desapareceu e seus seguidores renunciaram ou se uniram à oposição, enquanto a Rússia teve de se colocar nas laterais.

Agenda moldava da Rússia

Para garantir que esse cenário nunca mais aconteça, Moscou hoje está no processo de se infiltrar nas últimas repúblicas pró-europeias em sua esfera de influência. A Moldávia é especialmente importante para os russos: um país menor que o estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, quase totalmente cercado pela Ucrânia exceto por uma fronteira com a Romênia. A república, que deixou a União Soviética em 1991, tem apenas 3 milhões de habitantes.

Até 2009 os comunistas chefiaram o país, mas hoje uma coalizão pró-europeia está no poder. Há muito tempo a Moldávia aceitou o texto de um Acordo de Associação com a UE que deverá ser assinado em agosto próximo.

Este torna a Moldávia e a Geórgia as únicas das seis antigas repúblicas soviéticas que se arriscam a reaproximar-se da Europa.

Mas o que acontecerá de verdade? O Kremlin está atualmente despendendo um esforço significativo para abrandar a influência da Europa na Moldávia - e usando os gagaúzes para tanto.

A capital gagauz, Comrat, é uma cidade sonolenta no sul da estepe moldava, onde a única língua falada além do gagauz é o russo, e as pessoas assistem ao Canal 1 de Moscou.

O resto da Moldávia também modificou sua atitude em relação à Europa - somente 44% dos habitantes ainda favorecem a integração à UE, enquanto o número de pessoas a favor do ingresso na união alfandegária com a Rússia cresceu de 30 para 40%. Formuzal diz que o governo moldavo ergueu uma "democracia africana" no país - afirmando que ele endureceu seu controle sobre os ministérios, os tribunais e a promotoria pública e distribui dinheiro para membros do partido e seus parentes, enquanto a minoria gagauz nada recebe.

"Queremos nosso próprio Estado", diz ele. "Queremos o mesmo estatuto que a República da Transnístria." Essa faixa de terra que se separou da Moldávia em 1992 em uma guerra civil foi mantida viva pela Rússia desde então.

Táticas sujas de Moscou

Um andar abaixo de Formuzal, Dmitry Konstantinov, 61, chefe do Parlamento de 35 membros da Gagaúzia, queixa-se da UE. Ele afirma que a união assistiu enquanto a oposição ucraniana expulsava o presidente com coquetéis Molotov e nada fez.

Aliás, disse ele, as únicas coisas que a UE trouxe para novos membros como a Hungria ou a Bulgária foram dívidas e o fechamento de empresas. Ele mesmo, que possui 3 mil hectares de parreirais e trigais, diz que não consegue vender seus produtos na Europa.

Então quem financiou o referendo na Gagaúzia? Ele custou um milhão de leis, ou cerca de US$ 73 mil, segundo Konstantinov, que acrescenta que o dinheiro foi resultado de doações de moradores.

Ele também diz que a embaixada russa na capital da Moldávia, Chisinau, havia prometido implementar um pacote para a Gagaúzia: a Rússia quer fornecer gás mais barato e promover a importação de vinho moldavo.

Em Chisinau, as pessoas dizem que a Rússia abriu caminho para o referendo da Gagaúzia. Legalmente, a votação não tem efeito, foi um ato simbólico, mas hoje outras partes da Moldávia amigas da Rússia consideram realizar referendos próprios.

"As pessoas não acham que houve qualquer melhora em suas vidas; um em cada três moldavos trabalha fora do país, a maioria na Rússia", diz Victor Chirila, um ex-assessor do primeiro-ministro liberal-democrata Vladimir Filat, que teve de renunciar em março do ano passado após vários escândalos.

"Sessenta por cento dos moldavos acreditam que as coisas eram melhores na era soviética", diz Chirila. "E agora uma Rússia ressurgente lhes oferece uma alternativa com sua união alfandegária e os engana para acreditar que podem voltar ao colo do antigo império. Eles não compreendem o que a UE representa."

É possível que os comunistas voltem ao poder nas eleições parlamentares deste outono. Mesmo que o atual governo assine o Acordo de Associação com a UE em agosto, o novo gabinete o poderá anular imediatamente.

UE muda de tática

É exatamente isso que a Rússia pretende. Há semanas os russos vêm dificultando a importação de vinhos da Moldávia.

Houve ataques de correntistas aos bancos moldavos para redirecionar dinheiro para a Rússia, assim como ameaças de que a situação dos trabalhadores moldavos na Rússia - de cujo dinheiro muitos moldavos dependem - será reavaliada.

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E houve diversas provocações na fronteira entre a Transnístria e o resto do país.

Segundo Chirila, a Rússia subsidia a república vizinha da Transnístria "com US$ 30 milhões anuais". Os aposentados recebem um reforço de US$ 10 a sua aposentadoria da Rússia, e as autoridades públicas também recebem pagamentos adicionais.

Agora há rumores, segundo Chirila, de que a Rússia está no processo de garantir a aquiescência dos legisladores do Parlamento moldavo. A coalizão de governo é fraca, com uma maioria de apenas três assentos. Chirila diz que as abordagens russas aos deputados em Chisinau são feitas por meio de um obscuro milionário e banqueiro moldavo.

Originalmente, o ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier, e seu homólogo francês, Laurent Fabius, pretendiam viajar para Chisinau e depois para a Geórgia na segunda-feira, para dar seu apoio aos manifestantes pró-UE na antiga república soviética.

Eles cancelaram a visita no último minuto para participar de consultas referentes à atual crise na Crimeia. Mas a Moldávia ainda recebeu uma boa notícia de Bruxelas recentemente.

Em 28 de fevereiro o Parlamento Europeu suspendeu a exigência de visto para os moldavos que viajam pela Europa, e o regulamento poderá entrar em vigor já em maio.

Desta vez a UE está consciente do perigo. Bruxelas, segundo Graham Watson, relator do Parlamento Europeu para a Moldávia, sabe que a Rússia está tentando comprar parte da República da Moldávia para conter a integração europeia. Ele acrescenta que Moscou quer evitar que o modelo ucraniano produza imitadores na república vizinha.