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Americanos inocentados após décadas na prisão ainda não conseguem levar vida normal

Henry McCollum, que foi libertado da prisão no ano passado, juntamente com seu meio-irmão Leon Brown após provas de DNA terem exonerado ambos de uma condenação em 1983 de estupro e assassinato de uma menina de 11 anos de idade, em Fayetteville - Travis Dove/The New York Times
Henry McCollum, que foi libertado da prisão no ano passado, juntamente com seu meio-irmão Leon Brown após provas de DNA terem exonerado ambos de uma condenação em 1983 de estupro e assassinato de uma menina de 11 anos de idade, em Fayetteville Imagem: Travis Dove/The New York Times

Alan Blinder

Em Fayetteville, Carolina do Norte (EUA)

17/03/2015 06h00

Nos dias que antecederam o último verão, após Henry L. McCollum ter deixado o corredor da morte na Carolina do Norte, parecia que presos e agentes penitenciários não conseguiam deixar de falar sobre o que o aguardava além da Presídio Central.

O homem que passou quase toda sua vida adulta aguardando pela execução poderia sair para comer frango frito, seu prato favorito. Talvez conseguisse vender sua história para o cinema.

No mínimo, lembra McCollum, as pessoas lhe disseram que seria um homem de considerável riqueza, assim que o Estado lhe pagasse os US$ 750 mil que pedia, segundo a lei da Carolina do Norte, por ter sido condenado e preso injustamente por décadas.

McCollum, 50, foi solto da prisão em setembro, depois que evidência de DNA apontou que ele não estuprou e assassinou uma menina em 1983. Mas de lá para cá, ele e seu meio-irmão, Leon Brown, que foi inocentado e solto da prisão no mesmo caso, levam uma vida pós-prisão longe de glamurosa.

Devido às decisões legais tomadas para ajudar a acelerar a soltura deles, assim como a abordagem deliberada do governador Pat McCrory para conceder o que é conhecido aqui como perdão de inocência, ambos os homens têm mantido uma existência mínima, sem remuneração substancial, orientação ou ajuda pública para retornarem à sociedade.

"Se o governador me ligasse, lhe diria o motivo para precisar do perdão dele: eu lhe diria que mereço esse perdão", disse McCollum. "Eu passei 31 anos na prisão por um crime que não cometi. Eu poderia ter desistido há muito tempo e pedido ao Estado para me matar."

Até agora, entretanto, McCrory não atendeu aos pedidos de perdão de McCollum ou Brown, cujos testes de Q.I. deram anteriormente na faixa dos 50.

Devido à abordagem usada pelos advogados para assegurar a soltura mais rápida dos dois homens, nenhum tem direito à indenização por condenação indevida até receberem os perdões.

Os homens eram adolescentes –McCollum tinha 19 e Brown tinha 15– quando foram presos em Red Springs, em setembro de 1983, pelo ataque sexual e assassinato de uma menina de 11 anos, Sabrina Buie. Eles foram condenados cerca de um ano depois.

Mas o juiz Douglas B. Sasser, do Tribunal Superior do Condado de Robeson, concluiu no ano passado que "nenhuma evidência física, seja na época da prisão deles ou em algum momento desde então, ligava o sr. McCollum ou o sr. Brown à cena ou cometimento do crime".

Sasser também apontou que o caso contra os homens, que são negros, foi construído "quase totalmente" com base em confissões inconsistentes que foram rapidamente retiradas.

Leon Brown - Travis Dove/The New York Times - Travis Dove/The New York Times
Leon Brown na casa que divide com diversos membros da família desde que ele e seu meio-irmão Henry McCollum foram libertados da prisão no ano passado
Imagem: Travis Dove/The New York Times

O DNA recuperado da cena do crime foi ligado décadas depois a Roscoe Artis, que está cumprindo pena de prisão perpétua por outro estupro e assassinato em 1983 em Red Springs. (Artis não foi acusado pela morte de Sabrina Buie.)

McCollum e Brown receberam US$ 45 cada assim que deixaram a prisão e vivem de caridade desde então. Eles moraram por algum tempo em uma casa onde Brown dormia em um sofá em um cômodo e McCollum em um colchão e estrado de molas apoiado no chão em outro.

Sem dinheiro para um carro ou sem saber como dirigir um, os homens vão a pé até o mercado para comprar itens básicos como batata, carne e feijão. McCollum, que foi faxineiro enquanto estava preso, disse que deseja se candidatar a um emprego, mas que está relutante até obter o perdão.

Brown, que foi sentenciado a prisão perpétua, é bem mais reticente que McCollum, mas falou em abrir uma igreja ou pregar pelo rádio.

Ambos disseram que até McCrory lhes conceder o perdão, eles não podem deixar para trás plenamente o que aconteceu há 31 anos.

Theresa A. Newman, codiretora da Clínica de Condenações Injustas da Escola Duke de Direito, disse que esse sentimento é comum entre homens que foram inocentados por juízes, mas não pelos governadores. Ela disse que a natureza em grande parte fechada do longo processo pode ser desmoralizante.

"O simples fato de ter alguma informação seria muito, muito poderoso, e acho que daria um ligeiro apoio a esses homens", disse Newman, que não está envolvida nos casos de McCollum ou Brown. "Por que confiariam que o Estado fará a coisa certa?"

Em uma declaração na semana passada, um porta-voz de McCrory, Ryan Tronovitch, disse: "Nossa extensa revisão está em andamento e precisamos assegurar que reunimos e consideramos todas as informações relevantes como parte de nosso processo. Apesar de não podermos informar um prazo certo para quando a decisão será tomada, essa é uma alta prioridade para o governador McCrory, e ele deixou isso bem claro para todos os envolvidos".

Recentemente, um banco apostou que a demora era apenas administrativa e concedeu uma grande soma em empréstimo aos homens, para que pudessem alugar uma casa onde cada um teria seu quarto. McCollum, que desde que deixou a prisão às vezes chamava o quarto de cela, escolheu um no alto de uma escadaria.

"Este aqui é o meu quarto", ele disse baixinho, enquanto olhava ao redor certa tarde. "Este é o meu quarto."

Ele disse que o que mais gosta no quarto, que tem mais que o dobro do tamanho de sua antiga cela no corredor da morte, é a fechadura na porta de madeira. Ele pode trancá-la e destrancá-la ele mesmo.