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Ashley Diamond, detenta transgênero, sai da prisão, mas não está totalmente livre

Deborah Sontag

Em Rome, Geórgia (EUA)

02/10/2015 06h00

Antes de sua soltura inesperada da prisão, Ashley Diamond, uma criminosa não violenta que processou as autoridades correcionais da Geórgia por fracassarem em lhe fornecer tratamento médico e proteção, ficou trancada por 30 dias em uma cela individual sem janela. Ela era mal iluminada, assustadoramente silenciosa e fedia a excremento.

Durante seu confinamento solitário, supostamente para sua proteção, ela se manteve sã –com dificuldade– cantando do amanhecer ao anoitecer, especialmente canções de Elton John. Ela cantava para as paredes cobertas de grafite, mesmo enquanto pensava que provavelmente morreria, por suas próprias mãos ou em resultado de violência.

Uma mulher transgênero, Diamond, 37, foi colocada em presídios masculinos por mais de três anos, ridicularizada e censurada por sua identidade de gênero, assim como privada, até alguns meses atrás –após impetrar um processo e seu caso receber o apoio do Departamento de Justiça– dos hormônios femininos que toma desde a adolescência. Ela alega que foi atacada sexualmente oito vezes e que a ideia de suicídio, que ela já tinha tentado enquanto estava anteriormente em isolamento, se tornou um hábito.

Diamond ficou surpresa quando foi solta pelo Estado da Geórgia, em 31 de agosto, meses antes de ter o direito de se candidatar a liberdade condicional. Quando sua irmã, sua mãe e sua melhor amiga foram buscá-la na Prisão Médica Estadual de Augusta, ela enrijeceu enquanto a abraçavam, arrebatada pelo entusiasmo delas. Elas pararam para um almoço de comemoração, e ela estudou ansiosamente o cardápio da Waffle House, perguntando, como uma criança, o que poderia pedir.

"Ela não é mais a mesma Ashley", disse sua irmã mais nova, Diana Diamond Wilson. "Ela está temerosa e insegura. Ela às vezes fica com o olhar vazio. Ela não consegue manter uma conversa decente. A prisão deveria reabilitar as pessoas. Ela saiu de lá mais prejudicada."

Reentrar na sociedade após sair da prisão é uma dificuldade bem documentada. Para uma mulher transgênero cuja prisão foi traumática e cujo plano de liberdade condicional a obriga a voltar para sua cidade natal conservadora no Sul, onde repetidas vezes se envolveu em problemas com a lei, a dificuldade é multiplicada consideravelmente.

Sem dinheiro e desempregada –fora dois bicos de US$ 40 limpando canis no abrigo de animais de uma amiga– Diamond não consegue pagar as taxas de sua condicional e monitoramento, para seu tratamento de saúde mental obrigatório ou pelas drogas psiquiátricas que foi orientada a tomar. (Os médicos da prisão a diagnosticaram com disforia de identidade de gênero, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno bipolar.)

Ashley Diamond - Raymond McCrea Jones/The New York Times - Raymond McCrea Jones/The New York Times
Imagem: Raymond McCrea Jones/The New York Times

Ela também não tem como arcar com os hormônios assim que seu suprimento da prisão se esgotar; ele se candidatou ao Medicaid (o seguro-saúde público para pessoas de baixa renda), mas mesmo que se qualifique, o programa da Geórgia, como o da maioria dos Estados, não cobre cuidados relacionados a transição para pessoas transgênero.

O conselho de liberdade condicional da Geórgia disse ter determinado que a soltura de Diamond era "compatível com o bem-estar da sociedade e com a segurança pública", apesar dela ter cumprido menos de um terço de sua pena de 12 anos por violação da condicional de uma pena anterior de roubo.

"Acho que me soltaram para escaparem da responsabilidade, para se livrarem do meu tratamento de saúde e por causa da publicidade", disse Diamond.

O "New York Times" publicou um longo artigo sobre o caso dela em abril e ela obteve apoio não apenas do governo Obama, que alertou a Geórgia que sua política para tratamento hormonal dos presos era inconstitucional, mas também de celebridades transgênero como Laverne Cox, a atriz, e de Elton John, que tem residência em Atlanta.

Diamond disse suspeitar que as autoridades correcionais esperavam minar seu processo ao soltá-la. Mas em 14 de setembro, um juiz federal escreveu uma ordem de 57 páginas negando o pedido das autoridades para que o caso fosse arquivado.

"Eu precisava disso", ela disse no dia seguinte. "Estou tentando transformar vítima em vitória. Estou tentando não desistir. Quero ficar bem. Mas minha mente ainda... o suicídio ainda..."

Wilson, uma sobrevivente de câncer no ovário com outros problemas de saúde, sobrevive com dificuldade com os US$ 731 em benefícios mensais de invalidez e deixou de fazer o pagamento do carro para bancar a condicional de Diamond, ela disse. Isso lhe custou US$ 100 para instalação de uma linha telefônica fixa para o sistema de monitoramento eletrônico, e US$ 72 pelo primeiro mês de taxas de monitoramento e liberdade condicional.

"Eu me sinto muito mal por ser um fardo de qualquer forma", disse Diamond, provocando uma resposta enfática de sua irmã: "Enquanto eu tiver, você tem, Ashley. Não deixe isso perturbar você".

Wilson disse que se trancou no banheiro com as luzes apagadas para imaginar a sensação de estar em confinamento solitário. Ela suportou apenas uma hora, ela disse, mas isso a ajudou a entender por que sua irmã lhe disse, em telefonemas chorosos, que esperava voltar para casa "em um caixão" se não fosse solta.

"À noite, eu fico olhando Ashley dormir e rezo por ela", disse Wilson. "Eu rezo para que ela permaneça forte e enxergue o quadro maior."