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Além dos problemas econômicos, Cuba enfrenta uma crise demográfica

Daniel Berehulak/The New York Times
Imagem: Daniel Berehulak/The New York Times

Azam Ahmed

Em Havana (Cuba)

02/11/2015 06h00

Há uma energia magnética entre Claudia Rodriguez e Alejandro Padilla, unindo o casal com os clichês da intimidade: a tendência de um terminar as frases do outro; as mãos que naturalmente gravitam na direção uma da outra; a risada compartilhada que compõe a trilha sonora do romance entre eles. O que o seu amor não comporta, no momento, é uma família.

Embora eles planejem se casar e ter filhos, vão esperar --até saírem do apartamento pequeno que dividem com meia dúzia de pessoas, ou talvez até o dia em que conseguir fraldas ou leite em pó não seja mais uma loteria. Em suma, eles vão esperar por muito tempo.

"Você tem que levar em consideração o mundo em que vivemos", disse Rodriguez, 24, que diz que fez dois abortos para evitar ter filhos cedo demais. Agarrando a mão de Padilla, ela diz: "seria muito mais difícil com uma criança”.

Segundo quase todas as estatísticas, a demografia cubana está em apuros. Desde 1970, a taxa de natalidade está em queda livre, derrubando o número de habitantes do país, um problema muito mais comum em países industrializados e ricos, e não nos pobres.

Cuba já tem a população mais velha de toda a América Latina. Os especialistas preveem que daqui a 50 anos, a população de Cuba terá caído em um terço. Mais de 40% do país terá mais de 60 anos.

A crise demográfica é tanto econômica quanto política. O envelhecimento da população exigirá um amplo sistema de saúde, do tipo que o Estado não pode pagar. E sem força de trabalho suficiente, será mais difícil ainda quebrar o ciclo de fuga e preocupação com o futuro de Cuba, apesar dos passos hesitantes do país em se abrir ao mundo exterior.

"Estamos todos tão entusiasmados com o comércio e as viagens que acabamos negligenciando o problema demográfico", disse Hazel Denton, ex-economista do Banco Mundial que estudou a demografia cubana. "Esta é uma questão importante."

Os jovens estão fugindo da ilha em grande número, com medo de que a aproximação nas relações com os Estados Unidos sinalizem o fim de uma política que permite que os cubanos vão para os Estados Unidos se naturalizar. Até recentemente, uma lei proibia os cubanos de levar crianças para fora do país, desencorajando ainda mais pessoas de ter filhos para evitar a escolha dolorosa de deixá-los para trás.

Aqueles que permanecem em Cuba dizem que também relutam em ter filhos, citando as dificuldades de criar uma criança num país onde o salário médio estatal é de apenas US$ 20 (R$ 78) por mês.

"No fim das contas, não queremos dificultar as coisas para nós", disse Laura Gonzalez Rivera, estudante de arquitetura, ao lado do marido no centro de Havana. "Só ter um diploma não significa que as coisas estejam resolvidas. Isso não vai nos sustentar.”

Gonzalez personifica uma ironia da crise demográfica cubana: à medida que o governo educou a população após a revolução, alcançando uma das taxas mais altas de alfabetização do mundo, seus cidadãos ficaram mais cautelosos quanto a ter filhos. Poucas oportunidades de trabalho, escassez de bens de consumo e a falta de moradia suficiente encorajou os cubanos a esperarem para começar uma família, às vezes por tempo indeterminado.

"A educação das mulheres é o botão que você deve pressionar quando quer mudar as preferências de fertilidade nos países em desenvolvimento", disse Denton, que agora dá aulas na Universidade de Georgetown. "Você educa a mulher, então ela tem escolhas --ela fica mais tempo na escola, casa-se mais tarde, tem o número de filhos que quer e usa métodos contraceptivos de forma mais saudável.”

Há outro fator que altera a equação em Cuba: o aborto é legalizado, gratuito e uma prática comum. Não há estigma ligado ao procedimento, o que ajuda a colocar as taxas de abortos relatados em Cuba entre as mais altas do mundo. Em muitos aspectos, o aborto é visto como mais uma forma de controle de natalidade.

Em Cuba, as mulheres são livres para fazer a escolha, outro legado da revolução, que priorizou os direitos das mulheres. Eles falam abertamente sobre o aborto, e as filas das clínicas muitas vezes dobram o quarteirão.

Segundo os números, o país apresenta uma taxa de cerca de 30 abortos para cada mil mulheres em idade fértil, de acordo com dados de 2010 compilados pela ONU. Entre os países que permitem o aborto, apenas a Rússia tinha uma taxa mais alta. Nos Estados Unidos, números de 2011 mostram uma taxa de cerca de 17.

Mas especialistas alertam que a política liberal em relação ao aborto não é a responsável pela diminuição da população. Em vez disso, é um sintoma de um problema maior. De modo geral, muitos cubanos simplesmente acreditam que não conseguem sustentar uma criança.

"Eu fiz dois abortos, um deles com Jorge", disse Claudia Aguilar San Juan, 27, funcionária de um restaurante, referindo-se ao seu namorado de dois anos, Jorge Antonio Nazco. "Na época, nós achamos que não estávamos preparados para ter filhos, e continuamos achando que ainda não é a hora.”

Nazco acrescentou: "precisamos ter dinheiro suficiente para comprar coisas básicas para nós, e também não vamos morar em três pessoas num quarto. Eu só quero dar aos meus filhos uma vida confortável, uma vida melhor do que a que eu tive.”

Poucas táticas funcionam para aumentar a taxa de natalidade de um país, apesar dos esforços em países como o Japão, que paga às famílias para terem filhos.

Alguns sugerem que poderia ajudar se o governo conseguisse incentivar a grande população de cubanos expatriados a voltar para o país. Nisso, também, o governo mostrou alguma vontade de ajustar sua postura, inclusive facilitando o retorno de cubanos que vivem ou viajam ao exterior.

Mas superar a amargura de longa data de muitas famílias para com o governo, que ainda mantém um controle rígido sobre o país, representa outro desafio. E os cubanos que retornarem precisarão estar interessados em algo mais do que férias longas ou oportunidades de investimento.

"Já existe um fluxo maior", disse Ted Piccone, pesquisador sênior da Brookings Institution que estuda Cuba, referindo-se ao retorno de cubanos na faixa dos 20, 30 e 40 anos do exterior. "Mas será uma questão de 'quero ter uma casa de veraneio na ilha', ou eles vão criar raízes?”

Hannah Berkeley Cohen contribuiu com a reportagem.