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Construções nazistas em Nuremberg se deterioram, e especialistas debatem seu futuro

Foto do Salão do Congresso é exibida em museu das Áreas de Desfile do Partido Nazista em Nuremberg, na Alemanha - Gordon Welters/The New York Times
Foto do Salão do Congresso é exibida em museu das Áreas de Desfile do Partido Nazista em Nuremberg, na Alemanha Imagem: Gordon Welters/The New York Times

Alison Smale

Nuremberg (Alemanha)

09/11/2015 06h01

Nesta cidade onde aconteciam as reuniões de Hitler, fica a maior propriedade deixada pelos nazistas, e um fardo que só fica mais pesado com o tempo.

Em primeiro lugar, o simples tamanho da coisa: um terreno maior que 12 campos de futebol. Um Congresso semicircular que ofusca qualquer construção do Lincoln Center. A Rua Grande, com mais de 2,4 km de extensão, sem prédios de ambos os lados --uma moderna Via Appia, onde as tropas desfilavam entre a velha Nuremberg de Albrecht Durer e os comícios que idolatravam o Führer.

Fora isso, há a história conturbada do local e a questão ainda mais duradoura sobre o que fazer com ele.

"Este local não é um simples memorial", disse Mathias Pfeil, curador-chefe de sítios históricos na Baviera, "porque simboliza um momento que só podemos desejar que nunca tivesse acontecido”.

Enquanto a Alemanha enfrenta a migração em massa e duros golpes contra sua economia, como o escândalo da Volkswagen, e contra seu orgulho, como as acusações de que pagou propinas para garantir a realização da Copa do Mundo de 2006 no país, também continua tendo de lidar com os vestígios de seu passado problemático. Em poucos lugares essas questões são mais vívidas do que em Nuremberg.

Deve-se gastar dinheiro público para preservar estes locais em ruínas? A deterioração controlada é uma opção para qualquer coisa associada aos nazistas? Ou será que Hitler e seu arquiteto, Albert Speer, prenderam as gerações futuras a um pacto diabólico que obriga os alemães não só a ensinar a história do Reich de Mil Anos que os nazistas proclamaram aqui, mas também a adaptá-la para cada nova época?

Dezenas de especialistas --e alguns cidadãos curiosos-- se reuniram num fim de semana recentemente para refletir sobre essas questões num fórum intitulado "Preservar. Para quê?".

O fórum deu início a várias semanas de eventos destinados a incitar o debate em toda a cidade antes de uma decisão, no ano que vem, sobre a possibilidade de ampliar as mostras existentes por todo o local de 10 quilômetros quadrados.

Os participantes também avaliaram a possibilidade de usar aplicativos e outras técnicas modernas para relembrar o universo nazista para as gerações presentes e futuras, quando não houver mais testemunhas para consultar.

O fórum incluiu palestrantes como o prefeito Ulrich Maly, que argumentou há um dever claro de garantir que os alemães e turistas estrangeiros possam começar a descobrir o que acontecia aqui.

Por exemplo, a imponente tribuna Zeppelin, em ruínas, onde o Führer e seus homens assistiam à adoração coreografada pelas massas reunidas abaixo, apresenta o único atril remanescente utilizado por Hitler em seus discursos.

Nuremberg - Gordon Welters/The New York Times - Gordon Welters/The New York Times
Salão do Congresso das Áreas de Desfile do Partido Nazista em Nuremberg
Imagem: Gordon Welters/The New York Times

Um dos eventos relacionados ao fórum é uma exibição que mostra a história da Parteitagsgelände (Áreas de Desfile do Partido Nazista), onde se realizavam os congressos do partido, desde que as tropas dos EUA chegaram em 1945 e explodiram a imponente águia de pedra e a suástica no topo da tribuna Zeppelin.

Desde esta ação decisiva para eliminar o poderoso símbolo nazista, o local tem sido muitas coisas para muitas pessoas. Em 1955, o evangelista Billy Graham pregou e reuniu milhares de pessoas ali. Os alemães étnicos dos Sudetos, expulsos de suas terras ancestrais ao leste em 1945, também se reuniram aqui esse ano. Seu encontro, observou o curador da exposição Alexander Schmidt, agora parece e soa como um moderno encontro nazista.

Ulrich Herbert, historiador e professor da Universidade Albert Ludwigs em Freiburg, disse que o local é importante não só porque "é um lugar onde você pode entender como os nazistas conseguiram conquistar as pessoas."

Ele também observou que foi aqui que o partido afirmou seu poder absoluto “com uma produção intimidante que consagrava o culto ao Führer".

Essa "produção intimidante" foi mostrada, e em parte criada, por Leni Riefenstahl em seu documentário de 1935, "O Triunfo da Vontade", filmado no congresso do partido nazista do ano anterior.

A glorificação de Hitler feita por Riefenstahl --desde a abertura, quando ele voa por entre as nuvens, descendo em Nuremberg como um deus vindo dos céus-- deixou de lado características hoje ressaltadas nos museus da cidade: a miséria regada a cerveja na cidade e nos locais de desfile, e as leis raciais antissemitas que Hitler assinou durante o congresso de 1935 do partido aqui e que levam o nome de Nuremberg.

E, naturalmente, Riefenstahl não mostrou nenhum indício de que a justiça finalmente chegaria aqui, nos julgamentos de guerra de Nuremberg, que começaram no final 1945, de homens como Hermann Goering, o segundo no comando de Hitler.

A Sala de Tribunal 600, onde esses julgamentos aconteciam, agora faz parte de outro museu, do outro lado da cidade. Apresentando, entre outras relíquias, as declarações do principal promotor dos EUA, o juiz Robert H. Jackson, o museu traça um arco direto até os tribunais de justiça internacional atuais em Haia.

Até 250 mil pessoas por ano, metade das quais estrangeiras, visitam o museu no local onde aconteciam os congressos do partido.

Adolescentes do norte da Baviera fazem visitas escolares obrigatórias, vivenciando o que Herbert chama de "peculiaridade alemã", de descobrir e assumir a responsabilidade pelo passado nazista, o que faz com que ser alemão seja "diferente de ser suíço".

O quão modernos devem ser os memoriais e museus daqui foi um ponto de discussão acalorada entre os acadêmicos. Um historiador britânico, Neil Gregor, da Universidade de Southampton, na Inglaterra, que escreveu sobre a Nuremberg nazista, argumentou fortemente a favor de temas contemporâneos, como os refugiados, e tornou o debate mais multiétnico.

Outros queriam que o foco fosse exclusivamente o Terceiro Reich.

Os moradores de Nuremberg menores de 25 anos, que cresceram numa Alemanha unificada, sem memória dos soldados norte-americanos que foram embora daqui em 1994, não têm o mesmo interesse ou sensibilidade em relação às construções nazistas que seus pais, disse Michael Husarek, que tem seis filhos e é subeditor do jornal local "Nurenberger Nachrichten".

"Para os jovens, eles não têm o mesmo medo de ter contato com o local de desfiles, por exemplo", disse ele. "Isso sempre fez parte de suas vidas."