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Faça o meu teste sobre religião

Sentados à frente das mulheres, homens recitam o Alcorão em mesquita no Irã - Vahid Salemi/AP
Sentados à frente das mulheres, homens recitam o Alcorão em mesquita no Irã Imagem: Vahid Salemi/AP

Nicholas Kristof

15/12/2015 06h00

A proposta de Donald Trump de barrar todos os muçulmanos nos Estados Unidos pode ser um presente para o recrutamento do Estado Islâmico (EI) e é um eco grotesco do sentimento que havia por trás da Lei de Exclusão dos Chineses e da detenção de nipo-americanos. Mas, assim como esses espasmos de exclusão do passado, a proposta de Trump tem muitos apoiadores.

Em uma pesquisa recente, mais de 75% dos republicanos disseram que o islamismo era incompatível com a vida nos EUA. Há uma percepção generalizada nos EUA de que o islã se baseia na misoginia e na violência, incorrigível porque se baseia em um texto sagrado que é fundamentalmente diferente dos outros.

Então, aqui vai meu teste de religião. Algumas perguntas têm mais de uma resposta correta.

1. Que escritura sagrada declara: "... matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Deus é indulgente, misericordiosíssimo".

  • A. O Corão
  • B. A Bíblia, Livro de Levítico
  • C. A Bíblia, Livro da Revelação

2. Quem teve 700 esposas?

  • A. Rei Salomão
  • B. Joseph Smith
  • C. O profeta Maomé

3. Que livro sagrado limita a poligamia?

  • A. O Corão
  • B. A Bíblia
  • C. Os Upanichades

4. Que país proíbe as igrejas?

  • A. Arábia Saudita
  • B. Coreia do Norte
  • C. Suriname

5. Que escritura descreve a Virgem Maria como preferida por Deus acima de todas as outras mulheres?

  • A. O Corão
  • B. O Novo Testamento, evangelho de Lucas
  • C. O Novo Testamento, evangelho de Mateus

6. Que escritura descreve Jesus como nascido de uma virgem?

  • A. O Corão
  • B. Os evangelhos de Marcos e João
  • C. Os evangelhos de Mateus e Lucas

7. Que líder religioso massacrou uma cidade inteira, incluindo "homens e mulheres, jovens e velhos, gado, ovelhas e asnos", salvando apenas uma prostituta e sua família?

  • A. Josué, segundo o Livro de Josué da Bíblia
  • B. Ali, o genro do profeta Maomé, segundo o Corão
  • C. O rei Nabucodonosor, segundo o Livro de Daniel da Bíblia

8. Quem teria ordenado um massacre de hereges e inocentes, com a explicação: "Matem a todos. Deus saberá quem são os seus"?

  • A. O califa Omar, o Decapitador
  • B. Um abade cristão na cruzada albigense
  • C. O rei Herodes

9. Quem disse: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine"?

  • A. Jesus, falando a seus discípulos
  • B. São Paulo, escrevendo aos coríntios
  • C. Maomé, a seus seguidores em Meca

10. Que líder religioso disse que veio para trazer "não a paz, mas a espada"?

  • A. Moisés, no Livro do Êxodo da Bíblia
  • B. Jesus, no evangelho de Mateus
  • C. Maomé, no Corão

11. Que escritura diz que "não há compulsão na religião"?

  • A. A epístola de Paulo aos Romanos
  • B. O Corão
  • C. O Livro do Gênese da Bíblia

12. Que escritura diz: "Ama ao teu próximo como a ti mesmo"?

  • A. O Corão
  • B. O Livro de Levítico da Bíblia
  • C. Os evangelhos de Marcos e Mateus

13. O que prescreve a morte por apostasia?

  • A. O Corão
  • B. Hadith, ou tradições do profeta Maomé
  • C. O Livro do Deuteronômio

14. Quem diz: "As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar, mas estejam sujeitas"?

  • A. Um hadith muito contestado
  • B. São Paulo, mas estudiosos acreditam que não foi ele quem escreveu isso
  • C. Jesus, mas em um evangelho gnóstico do século 3º cuja precisão é questionada por estudiosos

Respostas: (quando em dúvida, vá com "A" na primeira metade, depois com "B")

1. A

2. A

3. A (o Corão limita um homem a quatro esposas; nem a Bíblia hebraica nem o Novo Testamento proíbem explicitamente a poligamia, embora Paulo diga que as autoridades da igreja devem ter só uma mulher) 

4. A 

5. A, Corão 3ª Surata: 42 

6. A e C (os evangelhos de Marcos e João não mencionam o parto da virgem) 

7. A, Josué 6:21 

8. B 

9. B 

10. B, Mateus 10:34 

11. B, Sura 2:256 

12. B e C 

13. A, B e C (há controvérsia sobre como interpretar essas passagens e há versos contrários, mas eu li o Corão em 4:89 e 9:11-12 como em alguns casos apoiando a morte por apostasia, e o mesmo para Deuteronômio 13:6-9 e 17:3-5) 

14. B, 1 Coríntios 14:34, mas muitos estudiosos acreditam que foi um acréscimo posterior ao texto de Paulo.

Alguns de vocês provavelmente estão objetando irritadamente que sou falacioso com os textos. Sim, sou. Minha tese é que a fé é complexa e que temos maior probabilidade de ver perigo e incitação na escritura dos outros do que na nossa.

Na verdade, a religião é invariavelmente um emaranhado de ensinamentos contraditórios --na Bíblia, a diferença entre a dureza do Deuteronômio e o calor de Isaías ou Lucas é notável--, e é sempre fácil perceber algo ameaçador em outra tradição. Mas analistas que marcaram o número de passagens violentas ou cruéis no Corão e na Bíblia contam mais que o dobro na Bíblia.

Existe uma profunda tendência humana, enraizada na biologia evolucionária, de "outrificar" as pessoas que não pertencem a nossa raça, grupo étnico ou religião. Isto é particularmente verdadeiro quando estamos assustados. É difícil conceber hoje que uma pesquisa de 1944 revelou que 13% dos americanos preferiam "matar todos os japoneses" e que o chefe de uma comissão do governo americano em 1945 tenha pedido "o extermínio dos japoneses 'in toto'".

É verdade que o terrorismo no século 21 está desproporcionalmente enraizado no mundo islâmico. E é legítimo criticar a violência, os maus-tratos às mulheres ou a opressão de minorias religiosas que alguns muçulmanos justificam citando trechos do Corão. Mas não vamos estereotipar 1,6 bilhão de muçulmanos por causa de sua fé. O que conta mais não é o conteúdo dos livros sagrados, mas o conteúdo de nossos corações.

Quando ouço americanos estereotiparem muçulmanos, quando na verdade não conhecem nenhum muçulmano, parece-me um estranho eco de comentários antissemitas que às vezes escuto em comunidades muçulmanas.

O rompante de Trump reforça a narrativa do EI de um choque de civilizações e prejudica os moderados. Em minhas viagens a países muçulmanos, às vezes sou perguntado sobre a islamofobia. No passado, pude dizer algo como: bem, o reverendo Terry Jones pode estar planejando queimar exemplares do Corão, mas ele é uma figura marginal. Infelizmente, Trump não pode ser explicado como tal.

Nas relações internacionais, os extremistas de um lado dão poder aos extremistas do outro. O EI empodera Trump, que inadvertidamente empodera o EI. Ele não está enfrentando uma ameaça à segurança nacional, ele está criando uma.

Mais de mil rabinos americanos assinaram uma carta conjunta dando boas-vindas aos refugiados e notando um paralelo com o fim dos anos 1930, quando os EUA barraram a maioria dos refugiados judeus. A carta comentou que os refugiados estão fugindo da perseguição, e não cometendo-a.

"Em 1939, nosso país não sabia a diferença entre um inimigo real e as vítimas de um inimigo", escreveram os rabinos. "Em 2015, não cometamos o mesmo erro."

Talvez seja da natureza humana temer o que não compreendemos, permitir que a apreensão supere a compaixão. Mas esta é uma época que testa nossos valores fundamentais, e não nos rendamos a impulsos baixos.

Sim, o mundo islâmico hoje tem um veio de intolerância perigosa. E, apesar de todas as forças dos EUA enquanto sociedade, os EUA também, como demonstra Donald Trump.