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Como o Boko Haram treina mulheres para se tornarem terroristas suicidas

Rahila Amos foi raptada pelo Boko Haram e teve aulas de como ser uma mulher-bomba - Tyler Hicks/The New York Times
Rahila Amos foi raptada pelo Boko Haram e teve aulas de como ser uma mulher-bomba Imagem: Tyler Hicks/The New York Times

Dionne Searcey

No Campo de Refugiados de Minawao (Camarões)

08/04/2016 06h00

As mulheres e meninas são ensinadas a prenderem a bomba firmemente sob suas axilas.

Cortar a cabeça do inimigo por trás, para minimizar a luta.

"Se você cortar a parte posterior do pescoço, eles morrem mais depressa", disse Rahila Amos, uma avó nigeriana descrevendo as instruções meticulosas que recebeu do Boko Haram para se tornar uma terrorista suicida.

De todos os muitos horrores da violência do Boko Haram por toda a África Ocidental, os ataques a mesquitas, igrejas e escolas, o assassinato em massa de civis, aldeias inteiras transformadas em cinzas após a passagem dos militantes, um dos mais desconcertantes é sua capacidade de transformar as mulheres e meninas capturadas em assassinas.

O Boko Haram, um dos grupos extremistas mais mortíferos do mundo, já usou pelo menos 105 mulheres e meninas em ataques suicidas desde junho de 2014, quando uma mulher-bomba detonou a si mesma em um quartel militar na Nigéria, segundo o site "The Long War Journal", que monitora a atividade terrorista.

De lá para cá, mulheres e meninas, com frequência com bombas escondidas em cestas ou sob suas roupas, mataram centenas de pessoas em ataques em mercados de peixes e de hortifrutis, escolas, um porto fluvial e até mesmo campos para pessoas que fugiram de seus lares para escapar da violência.

"Isso não é algo que você possa derrotar ou erradicar de forma direta", disse Issa Tchiroma Bakary, o ministro das comunicações de Camarões, onde 22 meninas e mulheres-bomba foram identificadas desde o início deste ano. "Você não sabe quem é quem. Quando você vê uma menina vindo na sua direção, você não sabe se ela está escondendo uma bomba."

Os soldados não podem abrir fogo contra toda mulher ou menina que pareça suspeita, ele acrescentou. "Eles sabem qual é o nosso calcanhar de Aquiles", disse Bakary sobre o Boko Haram.

O abuso contra mulheres pelo grupo chocou o mundo pela primeira vez há dois anos, quando o Boko Haram invadiu uma escola na Nigéria e fugiu levando cerca de 300 meninas, muitas delas nunca mais encontradas. Centenas de outras mulheres e meninas foram levadas, presas, estupradas e às vezes engravidadas de modo intencional, talvez visando a criação de uma nova geração de combatentes.

Amos, 47, disse que os combatentes chegaram à sua aldeia pela manhã, disparando suas armas enquanto desciam dos carros e juntavam mulheres e crianças.

Não muito depois, Amos, uma cristã, disse ter sido forçada a se inscrever nas aulas de Alcorão do Boko Haram, o primeiro passo no aprendizado da arte de ser uma terrorista suicida.

Após meses de treinamento, Amos disse que finalmente conseguiu escapar de seus sequestradores enquanto se reuniam para a oração do anoitecer. Mas ela não partiu sem antes pegar dois de seus filhos mais novos e um neto, para que pudessem fugir para a fronteira de Camarões.

"Não quero carregar uma bomba", ela disse dentro deste campo de refugiados em Camarões, que se estende por uma vasta paisagem pontilhada por tendas e cabanas de barro.

As autoridades em Camarões e na Nigéria disseram que muitas experiências detalhadas por Amos batem com os relatos de outras mulheres e meninas que escaparam do Boko Haram, ou que foram presas antes que pudessem detonar as bombas. O depoimento de Amos também é notavelmente semelhante aos detalhes narrados por outras mulheres e meninas que foram libertadas, incluindo as descrições dos ritos fúnebres realizados antes das meninas ou mulheres-bomba serem enviadas em suas missões.

Os relatos dão uma ideia de como o Boko Haram, apesar de estar sob pressão militar por uma campanha multinacional para eliminá-lo, tem conseguido espalhar medo por todo um vasto campo de batalha que agora inclui Nigéria, Chade, Camarões e Níger.

Não mais capaz de controlar o território que antes ocupava, o Boko Haram está enviando mulheres e meninas como terroristas recém-formadas, capazes de infligir perdas devastadoras.

O coronel Didier Badjeck, um porta-voz da defesa camaronesa, disse que após os soldados terem expulsado o Boko Haram das aldeias nas últimas semanas, eles encontraram casas que foram usadas como prisões para mulheres e meninas. Ele disse que as reféns relataram ter sido treinadas durante seu cativeiro, tanto a respeito do Alcorão quanto em violência.

"Eles as estão treinando para maximizar o número de vítimas", disse Badjeck. "Temos certeza disso."

Mas rachaduras estão começando a aparecer no sistema de treinamento de terroristas suicidas do Boko Haram. Em fevereiro, uma menina enviada para explodir uma aldeia no extremo norte de Camarões largou seus explosivos e correu para as autoridades. Suas informações levaram a um grande ataque contra os combatentes do Boko Haram.

No nordeste da Nigéria, em fevereiro, três garotas com bombas foram enviadas a um campo de refugiados nigerianos que fugiam do Boko Haram. Duas das meninas detonaram suas bombas, matando quase 60 pessoas lá. Mas a terceira menina viu seus pais entre as pessoas desesperadas dentro do campo. Desconcertada, disseram as autoridades, ela arremessou seus explosivos na mata.

Segundo Amos, o uso de mulheres como armas pelo Boko Haram é uma estratégia cuidadosamente pensada. Amos disse que das cerca de 30 mulheres e meninas que participavam do treinamento com ela, sete meninas estavam entusiasmadas para executar as missões suicidas.

"Era um caminho direto para o céu", ela disse que foi dito ao grupo.

Amos, agora entre os 58 mil moradores do campo de refugiados de Minawao, descreveu um sistema de cultivo de terroristas suicidas potenciais que envolvia privação de comida e promessas de vida eterna, táticas usadas por cultos há décadas.

Ela disse que quando o Boko Haram invadiu sua aldeia em 2014, seus dois irmãos foram mortos a tiros. O marido dela conseguiu fugir com cinco de seus filhos, mas Amos não, assim como também não seus dois filhos menores e um neto. O Boko Haram os reuniu com outras mulheres e crianças, os colocando em uma longa vala para contê-las.

Elas ficaram ali por dias, recebendo uma refeição por dia de pasta de milho feita de farinha. Finalmente um combatente chegou e fez a pergunta fatídica: vocês querem seguir Cristo ou querem ser muçulmanas?

Todas as mulheres concordaram em seguir o islã, temendo que, caso contrário, seriam mortas. O treinamento delas teve início.

Amos descreveu um ensino diário em seis níveis para as mulheres que ela chamou de Primário Um, Primário Dois e assim por diante. Os dois primeiros níveis envolviam ensinamento sobre o Alcorão. O Primário Três envolvia treinamento em atentados suicidas e decapitação. "Como matar uma pessoa e como explodir uma casa", ela disse.

"Eles nos disseram que se nos aproximássemos de um grupo de 10 a 20 pessoas, que apertássemos isto", ela disse, falando de um detonador.

As instruções dadas nos níveis mais altos de treinamento (Primários Quatro, Cinco e Seis) eram um segredo bem guardado entre os combatentes. Amos disse que nunca soube o que se passava ali.

Amos teve sorte. Os combatentes do Boko Haram decidiram não se "casar" com ela, um eufemismo para os estupros cometidos pelo grupo, porque ela já tinha marido e filhos. Ela contou 14 mulheres e quatro meninas em suas aulas de treinamento que não tiveram a mesma sorte.

Durante seus meses de cativeiro, Amos recebia apenas uma refeição por dia e perdeu peso, um fato confirmado por seu sobrinho que vive no campo Minawao, que olhou para seu corpo magro e disse: "Ela era uma mulher grande".

O Boko Haram incorporou a falta de comida no treinamento, disse Amos. Vários meses atrás, ela disse, os combatentes pegaram as mulheres e as levaram a uma velha fábrica para ver um grupo de meninas mais roliças e bem alimentadas, que contavam com abundância de água e comida. Sigam nossos modos, disseram os combatentes, e vocês poderão ter comida suficiente, como essas garotas.

As meninas, algumas delas chorando, disseram a Amos que eram de Chibok, o vilarejo nigeriano onde o Boko Haram capturou as meninas da escola. O Departamento de Estado americano e oficiais militares disseram que investigariam as declarações de Amos sobre as meninas.

"Elas eram gordas", disse Amos, em comparação a si mesma e outras mulheres prisioneiras, "e tinham muita água".

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AFP