O que está realmente em jogo no referendo para independência da Catalunha?
A região espanhola da Catalunha realizará um referendo a respeito da independência neste domingo (1º), apesar da forte oposição do governo central em Madri e dos tribunais, que dizem que a votação fere a Constituição.
A unidade do país está em risco, assim como a sobrevivência política do primeiro-ministro Mariano Rajoy. Ele aumentou a pressão sobre a região, onde estão ocorrendo prisões e confisco de materiais de campanha. Alguns líderes catalães sugerem que Rajoy está arrastando o país para os dias sombrios da ditadura, apesar de ele ter resistido aos pedidos dos linhas-duras para que assumisse controle administrativo completo da Catalunha.
Rajoy já rechaçou antes a pressão catalã, inclusive há cinco anos, quando a crise econômica da Espanha, e as contribuições de impostos da Catalunha para as regiões mais pobres, fortaleceram o movimento secessionista.
Mas no momento os separatistas na região estão determinados em seguir em frente. Aqui está um guia para a votação e dos eventos que levaram a ela.
1- O que é a Catalunha?
R.: É uma das 17 regiões autônomas da Espanha, situada no nordeste do país e lar de 7,5 milhões de habitantes. A Catalunha é responsável por quase um quinto da produto interno bruto da Espanha, o equivalente à economia de Portugal, e tem liderado o desenvolvimento econômico da Espanha desde a Revolução Industrial.
A capital da região, Barcelona, foi sede dos Jogos Olímpicos de 1992 e desde então é o centro do próspero setor de turismo da Espanha, com mais de 8 milhões de visitantes no ano passado.
2- Quais são as origens do conflito secessionista?
R.: A Catalunha tem sua própria história, cultura e língua, assim como outras partes da Espanha. O dia nacional da região, em 11 de setembro, celebra a captura de Barcelona em 1714 pelas tropas do rei Felipe 5º, o primeiro monarca Bourbon da Espanha, e a perda da autonomia que se seguiu. Enquanto o movimento romântico varria a Europa no século 19, e enquanto a Catalunha confirmava sua posição como centro industrial, o nacionalismo se fortaleceu.
O esforço da região por autonomia política de Madri nos anos 30 foi um dos motivos por trás da Guerra Civil Espanhola, e a ditadura resultante do general Francisco Franco esmagou muitas liberdades civis, reprimindo a língua catalã. Após a morte de Franco em 1975, o retorno da Espanha à democracia foi confirmado em uma nova Constituição, que criou um Estado descentralizado, mas não formalmente federal.
A estrutura administrativa resultante da Espanha deu aos catalães um grau significativo de autonomia política, mas não o suficiente, segundo a atual liderança política da região.
A certa altura, os legisladores nacionais da Espanha chegaram perto de apaziguar o sentimento nacionalista catalão ao permitir à região uma autonomia especial. Mas quando o estatuto foi parcialmente derrubado pela Tribunal Constitucional em 2010, as tensões vieram à tona.
3- O que acontecerá no domingo?
R.: Os catalães deverão votar em um referendo que o governo em Madri considera ilegal, com apoio dos tribunais, mas que cumpre uma promessa feita pela coalizão de partidos separatistas que governa a Catalunha desde 2015.
Neste mês, os legisladores separatistas aprovaram leis regionais para facilitar o referendo e implantação de seu resultado, mesmo após serem alertados pelo governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy que tal legislação violaria a Constituição da Espanha e que Madri usaria de todos os meios possíveis para impedir a realização do referendo.
O Tribunal Constitucional suspendeu a lei do referendo, mas o governo catalão seguiu em frente com os preparativos para a votação. Em resposta, Madri adotou várias medidas, com apoio da polícia e dos tribunais, para impedir a votação e punir seus organizadores.
4- O referendo ocorrerá de fato?
R.: Carles Puigdemont, o líder da Catalunha, prometeu neste mês que a região votaria em condições normais, como nas últimas eleições. Mas a resposta de Madri tem sido vigorosa o bastante a ponto de ser improvável que o referendo ocorra normalmente.
Na verdade, não se sabe se e como as pessoas votarão no domingo, especialmente diante da possibilidade da polícia espanhola impedir a entrada das pessoas nos locais de votação.
Presumindo que a votação ocorra, o Parlamento regional se comprometeu a implantar o resultado em 48 horas, o que, em caso de aprovação de uma república catalã, poderia levar a uma declaração unilateral de independência. Mas segundo a lei espanhola, o governo nacional ainda poderia invocar poderes de emergência e assumir pleno controle administrativo da Catalunha.
5- A maioria dos catalães apoia a independência?
R.: Em junho de 2012, 51,1% dos entrevistados em uma pesquisa disseram desejar a independência, segundo o Centre d'Estudis d'Opinió, a empresa de pesquisas de opinião da Catalunha. Os separatistas então consolidaram seu poder em setembro de 2015, conquistando a maioria das cadeiras no Parlamento regional, apesar de apenas 48% dos eleitores terem votado nos partidos separatistas.
Pesquisas de opinião recentes mostraram uma diminuição no apoio à independência, mas também confirmaram que a maioria dos catalães deseja que a votação seja realizada, independente do resultado.
Em meio à crescente tensão política, os próprios resultados das pesquisas de opinião passaram a ser contestados. Mesmo assim, políticos e sociólogos em geral concordam que aproximadamente metade daqueles que votaram em partidos separatistas em 2015 não apoiava a secessão uma década antes.
6- Os catalães já votaram antes pela independência?
R.: A região realizou uma votação a respeito da independência em 2014. Foi uma votação não vinculante que foi declarada ilegal pelo Tribunal Constitucional, mas que o governo central e a polícia não impediram.
Na época, 2,2 milhões dos 5,4 eleitores registrados participaram, e cerca de 80% votaram pela independência. O governo de Rajoy desdenhou a votação, dizendo que era ilegal e não vinculante, notando que nem mesmo a maioria dos catalães participou.
Mas as ações de Madri foram além de palavras: políticos catalães foram intimados a comparecer à Justiça em 2015 para responder por seu papel na organização da votação. Artur Mas, o ex-líder da Catalunha, foi multado em março deste ano e impedido de exercer cargo público por dois anos.
7- O que acontecerá depois da votação?
R.: Ninguém sabe quais serão as consequências deste referendo. Há cinco anos, a Espanha estava em uma crise financeira profunda e os políticos em Madri e Barcelona estavam brigando mais a respeito do dinheiro e das contribuições de impostos da Catalunha para as regiões mais pobres do que pela soberania.
Mesmo assim, a liderança separatista catalã diz que não retornará a uma mesa de negociação para discutir apenas finanças. E qualquer reversão na independência poderia romper a frágil coalizão de governo da região, que depende do apoio de um pequeno partido de extrema esquerda.
A situação política em Madri também é mais complicada hoje do que era na época da última votação pela independência. Em 2014, o Partido Popular de Rajoy contava com maioria no Parlamento e sua sobrevivência política não estava em jogo. Desde o final de 2016, ele está no comando de um governo de minoria. Um aprofundamento da crise territorial poderia levar os partidos de oposição e pressionarem por sua remoção.
O desafio mais urgente, entretanto, pode vir das ruas de Barcelona. Não está claro como os catalães reagiriam caso Madri ordenasse uma maior repressão. Desde 2012, as pessoas que apoiam a independência têm realizado manifestações pacíficas em Barcelona, algumas das maiores já realizadas na Europa. Mas as tensões estão escalando e Madri enviou recentemente mais policiais à Catalunha antes da votação.
8- A Catalunha prosperaria por conta própria?
R.: Uma Catalunha independente seria uma nação europeia de médio porte, tendo Barcelona, uma de suas cidades mais cosmopolitas, como capital. Os economistas discordam sobre se a independência prejudicaria a região de forma significativa ou, em vez disso, enfraqueceria o restante da Espanha. Mas concordam que haveria um custo econômico a curto prazo, durante o período de ajuste dos dois lados a uma nova realidade política e territorial.
Muito dependeria dos termos financeiros e políticos de saída da Catalunha, incluindo a forma como o fardo da dívida da Espanha seria dividido e se Madri imporia sanções econômicas à Catalunha por sua saída unilateral. Em períodos anteriores de tensão, os consumidores espanhóis boicotaram produtos de consumo catalães como o cava, o vinho espumante da região.
E há a grande pergunta sobre se a Catalunha seria autorizada a se tornar um país membro da União Europeia e continuar usando o euro. (Essa questão é complicada pelo fato de o mais radical partido separatista catalão ser contrário à moeda comum europeia.)
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