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Ao se posicionar contra Maduro na Venezuela, Trump vai contra a política da "América primeiro"

24.jan.2019 - Mike Pompeo (ao centro), secretário de Estado dos Estados Unidos, em reunião com o Conselho Permanente da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a situação na Venezuela - Mark Wilson/Getty Images/AFP
24.jan.2019 - Mike Pompeo (ao centro), secretário de Estado dos Estados Unidos, em reunião com o Conselho Permanente da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a situação na Venezuela Imagem: Mark Wilson/Getty Images/AFP

Peter Baker e Edward Wong

Em Washington (EUA)

25/01/2019 09h00

O presidente Donald Trump, dos EUA, finalmente encontrou um homem-forte de quem ele não gosta. Depois de fazer amizade com autocratas do mundo todo, Trump traçou uma linha vermelha com Nicolás Maduro, exigindo que o presidente com punho de ferro da Venezuela entregue o poder à oposição.

O desafio forçoso de Trump a Maduro é a primeira intervenção do gênero em sua Presidência anti-intervencionista, um distanciamento acentuado da política externa "América primeiro", que pretende retirar os EUA de enroscadas no estrangeiro e manter-se fora dos assuntos internos de outros países.

A decisão do presidente de defender uma mudança de regime na Venezuela, incentivada pelo senador republicano Marco Rubio, da Flórida, e outros antigos críticos da liderança de esquerda em Caracas, é o tipo de afirmação internacional que Trump desdenhou nos últimos governos e uma que apresenta enormes riscos.

Os militares venezuelanos se posicionam ao lado de Maduro, e a situação poderá facilmente cair em mais violência, com diplomatas dos EUA potencialmente no ponto de mira. Trump disse que "todas as opções estão sobre a mesa", sugerindo a possibilidade da força militar. Mas mesmo que não chegue a isso Trump enfrentará uma perda de credibilidade se Maduro afinal encarar a pressão dos EUA e continuar no poder.

"A posição do governo em relação à Venezuela é uma jogada de política externa que pode parecer previdente" se Maduro for forçado a sair "ou imprecavida se isso não acontecer", disse Rob Malley, presidente do Grupo de Crise Internacional e ex-assessor dos presidentes Barack Obama e Bill Clinton. "Nesse ponto, a bola estará totalmente no campo dos EUA, com o risco de que faça pouco e demonstre impotência, ou, pior, intervenha militarmente e demonstre imprudência."

Por enquanto, o governo enfatizou as opções diplomática e econômica, esperando manter a solidariedade regional. Em uma reunião na quinta-feira (24) em Washington, o secretário de Estado, Mike Pompeo, pediu que os 35 membros da Organização dos Estados Americanos reconheçam Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional, como novo presidente da Venezuela, o que Canadá, Brasil, Argentina e muitos outros da região já fizeram.

"O regime do ex-presidente Nicolás Maduro é ilegítimo", disse Pompeo. "Seu regime é moralmente falido, economicamente incompetente e profundamente corrupto. É antidemocrático até o cerne."

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, durante um protesto contra o presidente Nicolás Maduro em Caracas - CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS - CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS
O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, durante um protesto contra o presidente Nicolás Maduro em Caracas
Imagem: CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS

Assim como, é claro, muitos outros países. Mas Trump fez amizade com líderes autoritários em lugares como Rússia, China, Coreia do Norte, Egito, Arábia Saudita, Turquia e Filipinas. Que a Venezuela provoque sua indignação reflete uma confluência de fatores, incluindo quem ele ouve quando se trata de América Latina.

"É muito diferente do que vimos em outras partes do mundo", disse Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, grupo de pensadores sobre assuntos do hemisfério ocidental. "Mas a América Latina é diferente. É onde a política doméstica tem papel maior que em outras partes do mundo."

Rubio foi uma figura central ao pressionar o governo Trump a adotar uma linha mais dura com Maduro. Para Rubio, como outros líderes cubano-americanos, os laços entre a Venezuela de Maduro e a Cuba da era Castro são enormes.

Semanas depois de Trump assumir o cargo, Rubio arranjou uma reunião na Casa Branca com Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López, líder de oposição venezuelano atualmente em prisão domiciliar e o arquiteto da ascensão de Guaidó. Trump disse estar impressionado com Tintori e desde então pergunta regularmente a assessores sobre a situação na Venezuela. Rubio também deu à Casa Branca uma lista de autoridades venezuelanas a ser visadas, e elas foram devidamente sancionadas pelo governo.

Na terça-feira (22), Rubio visitou a Casa Branca mais uma vez para falar com Trump sobre um plano para reconhecer Guaidó como presidente legítimo da Venezuela se ele formalmente anunciasse sua nova posição, segundo um assessor do Senado informado da reunião. O senador e as autoridades da Casa Branca também discutiram medidas a ser tomadas se Maduro resistir e a situação se agravar, segundo o assessor, que não quis descrever os planos de contingência.

Quando Guaidó reivindicou a Presidência no dia seguinte, afirmando que a eleição presidencial foi fraudada, Trump imediatamente o reconheceu, levando Maduro a romper laços diplomáticos com os EUA e ordenar a saída dos diplomatas americanos do país em 72 horas.

No governo Trump, Pompeo e Mauricio Claver-Carone, diretor de assuntos do hemisfério ocidental no Conselho de Segurança Nacional, foram dois dos maiores defensores de uma posição firme sobre a Venezuela.

Pompeo teve um papel importante durante uma viagem no início do mês ao Brasil e à Colômbia, segundo uma pessoa com conexões com líderes de oposição na Venezuela. Pompeo indicou a líderes dos dois países que se os países latino-americanos chegassem a um plano racional sobre a Venezuela os EUA ficariam ao lado deles, segundo essa pessoa. Esse foi um fator que contribuiu para o Canadá e 12 países latino-americanos emitirem uma declaração em 4 de janeiro dizendo que não reconheceriam a presidência de Maduro.

Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, na Venezuela - Federico Parra/AFP - Federico Parra/AFP
Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, na Venezuela
Imagem: Federico Parra/AFP

A declaração foi mais forte até do que as autoridades americanas esperavam, disse a pessoa. Pompeo também esteve em contato estreito com Chrystia Freeland, ministra das Relações Exteriores do Canadá, que teve um papel vital em concentrar as críticas a Maduro. Em 16 de janeiro os dois falaram por telefone sobre a Venezuela, entre outros assuntos.

A posição dura de Trump nesta semana atraiu algum apoio bipartidário. O deputado democrata Adam Schiff, da Califórnia, um dos mais fortes críticos do presidente Trump, chamou o reconhecimento a Guaidó de "um passo apropriado para apoiar as aspirações democráticas do povo venezuelano".

Mas, como outros, Schiff notou a disparidade entre a abordagem de Trump a Maduro e a outros autocratas. "Devemos também lembrar que o apoio dos EUA à democracia e aos direitos humanos deve ser aplicado universalmente para que seja verossímil", disse ele.

Essa não era a visão de Trump quando ele chegou ao cargo. Em sua primeira viagem ao estrangeiro como presidente, Trump disse a uma plateia na Arábia Saudita que ele não ditaria como outros países tratam seus próprios cidadãos. "Não estamos aqui para fazer palestras", disse ele. "Não estamos aqui para dizer aos outros como devem viver, o que fazer, quem ser ou como praticar religião."

Seu assessor de segurança nacional, John Bolton, descartou perguntas sobre por que Maduro é pior que outros autocratas com quem Trump fez amizade.

"Bem, sua pergunta é cheia de falácias", disse Bolton aos repórteres. "O fato é que a Venezuela está no nosso hemisfério. Acho que temos uma responsabilidade especial aqui, e acho que o presidente tem fortes sentimentos a esse respeito."