A AIE (Agência Internacional de Energia) acaba de publicar seu principal relatório anual - Perspectivas Energéticas Mundiais - que faz o retrato mais completo de como a energia foi usada e produzida no planeta. A publicação afirma que pela primeira vez a demanda global por combustíveis fósseis chega ao seu pico ou platô em todos os cenários projetados. Se de um lado isso pode sinalizar uma queda a seguir, por outro mostra o papel central da indústria fóssil no agravamento da inflação atual em todas as geografias. Além da Inflação, a AIE diz que os combustíveis fósseis contribuíram para a insegurança alimentar em todo o mundo. Segundo a agência, mais investimentos em energia limpa teriam ajudado a moderar o impacto da crise inflacionária, com o documento mostrando que, na maioria das regiões, a participação maior de renováveis levou a preços mais baixos. O relatório afirma expressamente que o vento, o sol e a eficiência energética representam a melhor maneira de sair da crise energética, inflacionária e de alimentos. "O relatório marca uma mudança histórica no papel dos combustíveis fósseis na economia global, uma vez que a policrise em curso anula o papel que o gás poderia desempenhar nos caminhos de transição energética global e acelera o pico para o petróleo", analisa Maria Pastukhova, Conselheira Sênior de Políticas do think tank E3G. O documento da AIE indica que o investimento em renováveis precisa avançar muito mais. Precisamente, devem mais do que triplicar dos atuais 1,3 trilhões de dólares anuais para cerca de 4 trilhões de dólares ao ano até 2030 para que o mundo chegue a emissões zero até 2050, o chamado net zero. "O investimento em energia limpa está dando resultados - é a razão pela qual o mundo está no caminho certo para atingir o pico das emissões de CO2. Sabemos que estamos perto do pico do carvão e do pico do petróleo, mas este ano é a primeira vez que está claro que estamos chegando perto do pico do gás também", comemora Dave Jones, líder do Programa Global do think tank Ember. "Mas esse é apenas o primeiro passo. Precisamos de grandes cortes de emissões, não de um platô". Apesar do enorme esforço da indústria de combustíveis fósseis para vender o gás como um combustível de transição, seu papel global está minguando. A agência chega a questionar se estamos assistindo ao final da "era dourada do gás", com as projeções apontando para o fim do crescimento rápido da demanda observado nos últimos anos. O documento diz que a parte mais importante deste declínio está no sul e sudeste da Ásia, onde o apoio a projetos de gás vem caindo. Os preços mais altos no curto prazo também atenuaram a demanda global por gás. "A indústria de combustíveis fósseis está pronta para nos roubar mais uma oportunidade preciosa de combater a mudança climática", diz Catherine Abreu, Diretora Executiva do da ONG Destination Zero. Ela critica EUA, Noruega e Canadá por ainda estarem construindo novos projetos de gás que só estarão prontos anos após a crise energética de curto prazo na Europa. "Aos países com reservas de gás na África e na América Latina está sendo vendida a mentira de que o desenvolvimento do gás fóssil significa prosperidade e acesso à energia, mesmo quando a maior parte do gás - e a maior parte do dinheiro - será exportada. Na COP27, precisamos de líderes para acabar com essa corrida maluca pelo gás e trabalhar na construção da energia limpa que alimentará nosso futuro" Catherine Abreu De acordo com a agência, a alta do preço do gás pode ser mitigada com a implantação mais rápida de bombas de calor e outras medidas de eficiência, mais energias renováveis e uma absorção mais rápida de outras medidas de flexibilidade no setor de energia. Embora a AIE sugira que as quedas imediatas na produção de combustíveis fósseis da Rússia precisarão ser substituídas, ela adverte que a melhor aposta é a produção existente em outros lugares, ou seja, desestimula o investimento em novos projetos do setor. Isso porque somente as explorações existentes podem trazer petróleo e gás para o mercado rapidamente, e o documento ressalta que uma boa parte dos campos de exploração desperdiçam gás por meio da queima deliberada ou por vazamentos. "Às vésperas da COP 27, a AIE, com toda sua experiência e autoridade é clara: os investimentos em energia limpa devem triplicar até 2030, e o gás é um beco sem saída", afirma Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima, ex-embaixador da França para a Mudança Climática e arquiteta do Acordo de Paris. "A atual crise energética europeia prova claramente os perigos do gás: preço elevado, volatilidade, dependência geopolítica. Precisamos acelerar a transição para longe de nosso vício em combustíveis fósseis". "O gás apresenta um caminho destrutivo para as economias. Com uma abundância de energia eólica, solar e outras energias renováveis limpas, a África pode liderar o mundo na curva de transição de energia sustentável e traçar seu próprio caminho para a soberania e segurança energética", afirma Mohammed Adow, fundador e diretor da ONG Power Shift Africa. "Na COP27, os líderes africanos deveriam estar pressionando para desbloquear o investimento para a energia renovável do continente. Este é um momento crucial que não deve ser usado para aprisionar a África em um futuro sombrio de combustíveis fósseis". Pastukhova avalia que o relatório da AIE mostra que há uma abertura para uma transição energética muito mais rápida, mas que para usar esta crise como uma oportunidade, será preciso dissociar a economia dos países da volatilidade dos combustíveis fósseis. "A chave será duplicar a redução da demanda global de gás e acelerar maciçamente a implantação de energias renováveis, tanto em pequena escala quanto na escala dos serviços públicos", conclui. PUBLICIDADE | | |