Senhores cartolas, Num país que tem com um estupro a cada oito minutos, onde as mulheres continuam ganhando menos que homens, onde a autonomia do corpo é uma ficção para milhões de meninas e mulheres e onde o machismo prevalece, a Copa do Mundo de Futebol Feminino que será organizada no Brasil em 2027 não pode ser apenas um evento esportivo. Esse mundial será por si só um evento político. Talvez no sentido mais profundo dessa palavra. O que está em jogo não é apenas quem ficará com um troféu, mas o espaço legítimo, a igualdade e a dignidade das mulheres. E não se trata de uma concessão. São direitos, dentro e fora de campo. Escrevo esta carta, portanto, como um apelo para que os erros de 2014 não sejam repetidos e que, desta vez, a Copa não seja exclusivamente usada como um trampolim para políticos ou como máquina de fazer dinheiro aos aristocratas da bola. O torneio deve e pode ser um instrumento de desenvolvimento. Esse será o verdadeiro título a ser conquistado. O desafio não é só brasileiro. Em todo o mundo, os dados oficiais apontam 26% das mulheres com 15 anos ou mais já foram submetidas à violência física ou sexual por um marido ou parceiro íntimo pelo menos uma vez na vida. Isso representa 650 milhões de mulheres. Insisto: esses são apenas os dados oficiais. Ou seja, a ponta de um iceberg. Em 2021, quase uma em cada cinco mulheres jovens se casou antes dos 18 anos de idade. Em 1º de janeiro de 2022, a participação global de mulheres nos Parlamentos Nacionais chegou a 26,2%. Nesse ritmo, seriam necessários mais 40 anos para que mulheres e homens fossem representados igualmente. Em 2022, o Fórum Econômico Mundial estimou que serão necessários 132 anos para garantir uma igualdade plena de gênero. Em 2020, em 57 países, a violência doméstica não era considerada um crime nos códigos penais. Em 41 países, filhos e filhas não têm os mesmos direitos de herança e, em 43 países, as viúvas não têm os mesmos direitos de herança que os viúvos. Em 83 países, os períodos de ausência devido a cuidados com os filhos não são contabilizados nos benefícios previdenciários. E eu pergunto a vocês: e todos os outros dias nos quais nossas mães, avós e irmãs abriram mão de suas vidas por cuidar? Ainda hoje, 61% dos homens consideram que o trabalho doméstico é tão recompensador para uma mulher como uma carreira profissional. 45% das mulheres não têm a palavra final nas escolhas sobre sua própria saúde sexual e reprodutiva, enquanto uma mulher morre a cada nove minutos devido a um aborto inseguro. Mais uma vez insisto: esses são apenas os dados oficiais. Senhores cartolas, A vida e a morte estão sempre em jogo para milhões de garotas e mulheres. Ao contrário do que pregam aqueles que que insistem que futebol e política não se misturam, a Copa do Mundo de 2027 deve ser uma oportunidade para fazer política. A política de inclusão, a da igualdade e da garantias de direitos. Ela terá um poder mágico de desfazer todas as injustiças de uma só vez? Não. Mas ela pode e deve ser uma arma de insurreição contra um sistema que ainda viola, asfixia e promove o controle político, social e sexual do corpo feminino. Um corpo que desde a infância precisa aprender a driblar pelo simples fato de ser mulher. Em jogo, neste nundial, estará a liberdade. Não desperdicem essa oportunidade. Saudações democráticas, Jamil Chade PUBLICIDADE | | |