Por causa da obesidade, eu perdi a minha infância. A infância o que é? É brincar, é correr — e eu não fazia nada disso. Amava jogar futebol, mas como é que um garoto de 100 kg vai jogar bola? Você não dá conta de correr. E tem as piadas: 'Vai, bola! Olha a bola chutando a outra bola'. São coisas que parecem divertidas pra quem está assistindo, mas que pra gente não é nada legal. Na adolescência, é a mesma coisa: - 'Vambora' pra balada, cara, pegar as gatinhas. E você, sabendo que elas não vão te dar moral mesmo, fala: - Ah, tenho de estudar. - Larga de ser bobo, vai que você arruma uma gordinha lá. Aí, eles vão, você fica. No dia seguinte, você fica louco pra saber de tudo. 'Conta aí, cara, como é que foi lá'. Você prefere viver a história dos outros do que se arriscar. Quero emagrecer para que o meu filho não sofra por tabela: 'seu pai é gordo, hein, Júnior?' Isso seria muito ruim. E não adianta você levar o menino na escola de carrão que nada resolve esse constrangimento. Muito melhor chegar a pé e magro do que de Range Rover esporte, igual a que eu tenho, e ser gordo. Dinheiro, para o obeso, muitas vezes não vale grande coisa. Um amigo meu tem uma Ferrari. Às vezes, vou com ele no futevôlei. Eu não jogo, mas fico lá no meio, já me diverte. 'M., vamos de Ferrari', ele falou. E eu não consegui entrar nela. É muito apertado pra mim, fico mais espremido do que num avião. Então, não posso comprar uma Ferrari nunca, ou então vou ter de mandar adaptar, o que é um absurdo. Mulher é a mesma coisa. Dou minhas escapulidas de vez em quando e tem mulheres lindas que basta você ter dinheiro pra ter, mas eu não vou. Mesmo se eu estiver pagando, não é assim, 'dane-se, estou pagando'. Tenho vergonha de me mostrar. Sei que ela não vai tocar no assunto, mas eu vou ter vergonha do mesmo jeito. E vou dizer mais uma coisa: quando você supera a vergonha e se arrisca a ir, muitas vezes você broxa. Porque está tão tenso, tão nervoso, que broxa. Então, o dinheiro pro obeso pode não servir pra praticamente nada. 'Vamos pra praia, pra Porto de Galinhas?' 'Ah, não gosto de praia.' Mentira. Eu penso: 'vou lá, as mulheres de biquíni, os caras todos sarados e eu chego assim?' E pior, vai ter a hora da foto, o que significa que eu vou aparecer no Instagram dos outros. Gordo passa a vida inteira se escondendo. Se eu amanhecesse magro amanhã, a primeira coisa que eu faria seria correr no parque que tem em frente de casa e ir pra praia. Iria colocar uma sunga, curtir o sol, curtir um banho de mar. Fazer coisas de magro, como, por exemplo, andar de kart e jogar futevôlei. Quando minha mulher perguntar à noite: 'Onde nós vamos jantar?' Eu vou responder: 'onde você quiser.' Sem me preocupar com o tipo de cadeira que tem no lugar. Eu me considero um vencedor, superei muitas barreiras. Passei por tanta coisa que aprendi a lidar com as situações. Hoje eu já me aceito muito mais, já aceito uns convites que não aceitava. Outro dia, fui na casa de um amigo, tirei a camisa e pulei na piscina, nem aí. As mulheres lindas, os homens sarados, eu não estava nem aí, dane-se. Tá certo que depois de entrar na piscina fiquei escondido dentro da água, só com a cabeça pra fora, mas já foi um avanço. Eu quero emagrecer e chegar nos 110 kg. Aí, não vai ter nenhum tipo de barreira pra mim, vai estar tudo certo. Tudo o que você falar, eu já vou ter conquistado. Quer dizer, tirando a Amanda." |