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Regras de importação travam pesquisa científica no país

Lygia da Veiga Pereira

Especial para o UOL

25/03/2014 06h00

Meu ano profissional começou bem: tive dois projetos de pesquisa aprovados pelo CNPq: um deles dentro do programa Ciência sem Fronteiras, que vai financiar a vinda de um cientista inglês especialista em células-tronco para o nosso laboratório, e o outro dando mais verba para nossos projetos em terapia celular.  Ótimo, graças a muito trabalho de minha equipe, dinheiro para pesquisa não tem sido uma limitação para nós nos últimos anos.

Mas, então, por que a sensação de frustração?  Por que não conseguimos produzir resultados tão importantes quanto gostaríamos?  Por que a ciência brasileira, apesar de ter aumentado o número de artigos publicados, segue tendo um impacto baixo, segue “comendo pelas bordas”?

Impacto

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90% dos pesquisadores brasileiros já mudaram os rumos de seus trabalhos ou desistiram de realizar algum experimento por causa de problemas com importação

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A questão é complexa, com elementos talvez históricos de uma cultura pouco empreendedora, e que não dá o devido valor à educação, da perversidade do funcionalismo público e sua estabilidade/isonomia incondicional, da baixa prioridade do item “pesquisa” na agenda nacional, entre outros.  Mas um problema crônico e enorme é a falta de agilidade que nós cientistas temos nas nossas atividades de pesquisa.

A ciência realmente inovadora é aquela cujos resultados não podemos prever.  Claro, temos sempre uma hipótese inicial – porém muitas vezes os resultados que obtemos apontam novas e interessantes direções, para as quais precisamos desenhar novos experimentos, que requerem novos reagentes. 

Mesmo tendo verba para comprá-los, é nesse momento que o processo empaca: invariavelmente, temos que esperar de 60 a 90 dias pela importação dos novos reagentes.

Esta é a realidade do pesquisador no Brasil. Um questionário feito por colegas da UFRJ em 2010 revelou que 99% dos cientistas brasileiros dependem de produtos importados para suas pesquisas.

Todos esperam de 1 a 24 meses (sim, dois anos) pela chegada dos produtos importados. Além disso, esses produtos ficam presos na alfândega, fazendo com que 76% dos entrevistados já tenham tido material perdido durante o processo.

Não é, então, de se espantar que 90% dos pesquisadores brasileiros já tenham mudado os rumos de seus trabalhos ou até mesmo desistido de realizar algum experimento por causa de problemas com importação.

O governo diz que está tudo funcionando muito bem com o programa Importa Fácil, mas 91% dos entrevistados não concordam, e seguem penando para fazer ciência no país. 

Essa falta de agilidade é uma enorme desvantagem competitiva em relação a países desenvolvidos, nos quais esses reagentes chegam em 2 ou 3 dias. O que nos resta é fazer o que é possível: uma ciência pouco inovadora (sem imprevistos) e superficial.

O mais irônico é que as limitações todas são impostas pelo grande financiador de nossas pesquisas, o governo federal. Apesar de dizer que valoriza a atividade de pesquisa, o governo criou um labirinto legal para importações que não distingue um pesquisador de um potencial contrabandista.  E assim, dá um tiro no pé, impedindo o desenvolvimento científico do Brasil.

Burocracia

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O governo criou um labirinto legal para importações que não distingue um pesquisador de um potencial contrabandista

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Mas ainda há esperança.  Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei para facilitar a importação de insumos para pesquisa, iniciativa dos deputados federais Romário e Mara Gabrilli. Cientistas, governo e população temos todos um objetivo em comum: melhorar a ciência no Brasil.

Vamos então juntar forças para elaborar um instrumento legal realmente eficaz, que transforme a forma de se fazer pesquisa no país.  Não é difícil, dessa vez não pedimos mais verbas, só precisamos de vontade política. O governo que resolver esta questão entrará para a história do desenvolvimento científico do Brasil.

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