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Em Mariana e em Paris o Estado não estava lá para te defender

Especial para o UOL

23/11/2015 06h00

Após os ataques em Paris, que deixaram um trágico saldo de 129 mortos e de centenas de feridos, pulularam nas redes sociais comparações com os 143 homicídios por dia no Brasil e ainda com a catástrofe ambiental e humana ocorrida na cidade mineira de Mariana.

Os que comparam o mar de lama que invadiu a cidade brasileira com o mar de sangue nas ruas de Paris são solidários à dor na destruição e nas vidas ceifadas de compatriotas, mas ignoram a abissal diferença entre aqueles que por negligência, irresponsabilidade ou descaso permitiram que a barragem ruísse –e merecem punição exemplar, embora eu duvide que aconteça– daqueles que premeditadamente, ao se explodirem ou abrir fogo contra vítimas indefesas e inocentes estavam atacando todos os valores e a própria civilização ocidental.

Não há como negar que os perpetuadores do terror na Cidade Luz possuem o claro objetivo de matar cada mulher, cada criança, cada homem que considere um “infiel”, e assim o farão sempre que possível. Em resumo, temos uma tragédia tipicamente brasileira, fruto do descaso e irresponsabilidade ao lado de um ataque, uma declaração de guerra aos valores do mundo livre.

Óbvio que os números da criminalidade no Brasil são absolutamente assustadores. Só em 2014 foram 56.337 assassinatos, dos quais 92% ficarão sem qualquer tipo de punição. Some-se a isso mais de 50 mil estupros declarados por ano e milhares, quiçá milhões, de outros crimes. Se há uma comparação aceitável entre o caos na segurança pública brasileira e a tragédia francesa é que o Estado se mostra absolutamente incapaz de proteger seus cidadãos. As instituições não são e nunca serão onipresentes.

A dura verdade é que nossos “protetores” quase nunca estarão lá para evitar tragédias pessoais ou coletivas. E querem saber a verdade? O Estado não tem qualquer obrigação de proteger individualmente cada cidadão –e não sou eu que estou dizendo isso, é o próprio Estado.

Em 2013, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho (TJRS) negou recurso de mulher e filha que ajuizaram ação indenizatória contra o Estado do Rio Grande do Sul pela morte de seu companheiro e pai. A vítima vinha sendo ameaçada por criminosos que haviam furtado a oficina de seu pai. Boletins de ocorrência foram feitos, mas dias depois as ameaças se confirmaram com seu assassinato. Em sua sentença declarou o magistrado: “tem o Estado a obrigação constitucional de prestar segurança pública, policiamento ostensivo e preventivo. Impossível, todavia, a ação preventiva em particular a cada cidadão e sua família em todos os locais e circunstâncias da vida. Tanto seria exigir que os agentes estatais estivessem presentes em todos os lugares, ao mesmo tempo”.

O Estado não estava nas ruas tomadas pela lama em Mariana, o Estado não estava no Bataclan ou nos restaurantes de Paris e o Estado não estava lá, em 2014, nos mais de 55 mil assassinatos no Brasil. Por que então algumas pessoas continuam insistindo que o direito de defesa do cidadão pode ser substituído por essa proteção estatal, quase dando ares de proteção divina a ela? Que respondam os defensores do desarmamento do cidadão, aqueles que, não raramente, de dentro de seus carros blindados e com escoltas armadas, pregam o monopólio das armas nas mãos do Estado, que não estará lá quando você precisar.

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