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OPINIÃO

Conferência da ONU não é desfile

Getty Images
Imagem: Getty Images

30/10/2021 12h59

Nas próximas duas semanas acontece em Glasgow, na Escócia, a 26ª Conferência do Clima da ONU. Pelo vigésimo-sexto ano, governos de todo mundo se encontrarão com o objetivo de chegar (ou não) a compromissos mais ambiciosos no combate às mudanças climáticas e, assim, evitar cenários catastróficos que já começam a se tornar realidade em muitos lugares.

Por alguns anos fiz parte da delegação do Greenpeace para essas conferências, e a última vez que estive presente foi em 2016. Naquela ocasião, para consternação geral, Donald Trump foi eleito presidente dos EUA no meio das negociações, iniciando um período ainda mais difícil para a construção e implementação de acordos.

De lá para cá, pouca coisa mudou de verdade na crise climática. Continuamos emitindo muito mais gases de efeito estufa do que deveríamos, o planeta continua aquecendo, governos e empresas continuam prometendo muito mais do que fazem. Trump saiu da presidência dos EUA, mas Biden ainda precisa mostrar ao que veio, e no resto do mundo infelizmente ainda há lideranças que trabalham ativamente para impedir avanços na pauta climática - como, por exemplo, Jair Bolsonaro.

Mas teve uma coisa que mudou no debate público: falar de mudanças climáticas virou pop. Após muitos anos de esforço por muitos ativistas, o tema finalmente ganhou a visibilidade que merece. A crise climática está em todo lugar, e todo mundo tem algo a dizer.

Isso, por um lado, é um importante indicador de sucesso. A preocupação com a urgência que temos para mudar nossos sistemas de produção e consumo está na boca do povo, e ninguém consegue mais fugir do assunto. Do programa de culinária ao debate eleitoral, o clima está em todo lugar.

Mas por outro lado, o elemento pop estimula oportunismos e discursos rasos que mais atrapalham do que ajudam. E isso se materializa com muita clareza em torno das Conferências do Clima, que são cada vez mais um lugar para ver e ser visto.

O número de eventos paralelos às negociações oficiais cresce ano após ano, sendo que a maioria deles não gera contribuição real alguma. Milhares de pessoas estão pegando aviões para participar de atividades ou publicitárias, ou desnecessárias, e pagando uma fortuna para isso. O New York Times, por exemplo, está organizando um fórum com ingressos a mais de R$ 15.000 (£1,955) - e os ingressos esgotaram!

Há também a crescente presença do marketing de causas, muitas vezes problemático por ser descolado de ações significativas. Se uma empresa tem compromisso verdadeiro com a pauta das mudanças climáticas, é bem mais importante garantir uma drástica redução nas suas emissões de gases de efeito estufa do que enviar equipe para eventos paralelos a conferências da ONU. Tirar uma foto bonita em Glasgow sem trabalhar de verdade para cortar emissões é algo que tem mais a ver com a Shell e a Exxon, que há décadas lavam sua imagem com propagandas enquanto continuam poluindo, do que com qualquer tipo de mudança real.

E existe ainda o mundo dos influenciadores digitais, também presentes em peso. Aqui, uma dimensão especialmente sensível é a daqueles que se apresentam como ativistas e ao mesmo tempo fazem propaganda de empresas que querem se conectar à pauta climática de forma rasa.

A razão para estar preocupado com tudo isso é a seguinte: a crise climática é a maior crise que já enfrentamos enquanto espécie - e não temos tempo para falsas soluções. Conforme o assunto ganha visibilidade, inevitavelmente passa a atrair a atenção de gente mais preocupada com surfar a onda do que com trabalhar por soluções reais. E isso muitas vezes atrapalha mais do que ajuda, porque constrói um debate público raso e que desvia a atenção do que realmente precisa ser feito.

Soluções reais para a crise climática exigem mudanças drásticas, contra as quais há muita resistência por parte de atores poderosos. Estamos falando em reestruturar os setores de energia e agropecuária a nível global, ir contra os interesses de grandes proprietários de terra e especuladores imobiliários, criar impostos sobre emissões direcionados especialmente aos mais ricos, encarar de frente o racismo ambiental, entre outras coisas.

Não podemos tratar uma Conferência do Clima da ONU como desfile, porque não é.

Faz muito sentido participar de uma conferência como essa se você tem um plano concreto para gerar impacto, no qual a conferência desempenha um papel realmente importante. Ou seja, se você for fazer lá algo que só poderia ser feito estando lá, e se isso for parte de uma estratégia mais ampla de incidência desenvolvida pela sua organização ou movimento.

Mas ir a passeio não é apenas desnecessário. É contra-produtivo.