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Bloqueio no orçamento paralisa a educação, a ciência e o Brasil

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Ana Beatriz de Oliveira, Dácio Roberto Matheus, Nelson Sass e Silmário Batista dos Santos*

06/06/2022 12h03

Nossa cultura é pródiga em alegorias do perigo que representa uma ameaça concretizada a conta-gotas.

Há o sapo que, jogado na água fervente, rapidamente salta da panela, mas é cozido lentamente quando a temperatura vai subindo aos poucos. Outra narrativa conhecida é a das rosas arrancadas, uma a uma, de nosso jardim, sem reação, até que nos arranquem a voz, no poema de Eduardo Alves da Costa.

Com a educação superior e a ciência brasileiras, o processo tem sido este, desde 2016, ano a partir do qual vêm sendo progressivamente reduzidos os recursos destinados às universidades e institutos federais de educação.

No último dia 27 de maio, o governo federal anunciou bloqueio de mais de R$ 3 bilhões (14,5%, posteriormente reduzido para 7,2%) no orçamento do MEC (Ministério da Educação) e de 43% do orçamento do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).

O bloqueio no MEC recai principalmente sobre as universidades e institutos federais, atingidas direta e indiretamente, já que os cortes devem acontecer também na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que mantém a pós-graduação no país.

O corte se dá sobre um orçamento já muito aquém do necessário, inferior aos valores de 2014, momento em que não apenas tínhamos menos universidades e menos alunos nelas, mas desde quando vem se formando significativo déficit inflacionário sem correção.

Para quem se apresse em dizer que o funcionalismo público precisa mesmo ser enxugado, um alerta antes de qualquer discussão: o bloqueio não recai sobre a folha de pessoal, no orçamento obrigatório, mas sim sobre o orçamento discricionário (sobre o qual o governo tem liberdade de decidir). Há inclusive uma manobra perversa, que associa os cortes à possibilidade de reajuste de 5% nos salários do funcionalismo público, ao mesmo tempo insuficiente e eleitoreiro.

Tampouco falamos de obras, cujos recursos já eram praticamente inexistentes há alguns bons anos.

Estamos falando de não conseguir pagar despesas tão básicas quanto as contas de água, luz, limpeza e segurança. De interromper manutenções em edifícios que não foram habitados durante quase dois anos, que sofreram com chuvas intensas, dentre outros desgastes. E, mais grave, de excluir da universidade jovens vulneráveis, já que boa parte do corte incide em recursos para a assistência estudantil. A impossibilidade de manutenção do funcionamento dos restaurantes universitários também atinge em cheio esses jovens.

O estrangulamento orçamentário não vem sozinho, integra política de desmonte da educação superior pública, gratuita e de qualidade. No passado, temos o (felizmente) finado Future-se.

No momento, lidamos com a ameaça da PEC 206, que prevê a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, junto às sucessivas intervenções na autonomia universitária e outros ataques.

A ideia de que a cobrança de mensalidade pode equacionar o financiamento das universidades públicas é, aliás, uma falácia. Em todos os países desenvolvidos e nas instituições mais reconhecidas, mesmo quando há cobrança de mensalidade, o valor arrecadado representa uma porcentagem irrisória do financiamento dessas universidades, que segue majoritariamente público. Isto, inclusive porque os recursos devem financiar não apenas o ensino, mas também a extensão e a pesquisa.

Importante registrar, inclusive, que a pesquisa nas universidades federais brasileiras não é financiada por recursos orçamentários, mas sim por projetos captados junto às agências de fomento e, em muito menor escala, à iniciativa privada.

No estado de São Paulo, por exemplo, pesquisadores e pesquisadoras da UFABC, UFSCar, Unifesp e IFSP captaram, apenas em 2021 e somente junto à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), mais de R$ 80 milhões em projetos de pesquisa, o que representa cerca de 25% dos recursos orçamentários previstos para essas instituições.

O dado evidencia como os recursos investidos nas universidades rendem várias vezes o valor inicial aplicado. Primeiramente, por esta possibilidade de captação de grandes somas de verbas adicionais, e não apenas junto a organizações públicas. Mas, sobretudo, porque é com esses recursos que a ciência produz conhecimento e soluções para enfrentamento aos maiores desafios enfrentados pelo país, e pela humanidade, como a própria pandemia de covid-19.

Mantido o bloqueio, e sem a recomposição orçamentária, tudo isso vai parar: as universidades, a produção de conhecimento, a formação de recursos humanos qualificados e a superação de desigualdades pela educação e, assim, o desenvolvimento do Brasil no sentido de uma nação soberana, menos desigual, protagonista de transformações nos cenários regional e internacional, verdadeiramente rica e à altura das necessidades e capacidades de seu povo.

Lembremos do risco da água morna que cozinha o sapo: ainda que tenhamos o desbloqueio dos 14,5%, resta a recomposição do orçamento, diminuído do ano de 2019. Nosso recado, assim, é que a água já ferveu, não podemos mais calar: é preciso que gritemos enquanto ainda é possível, que nos manifestemos e lutemos antes que nos roubem a luz e arranquem a voz.

*Ana Beatriz de Oliveira (reitora da UFSCar), Dácio Roberto Matheus (reitor da UFABC), Nelson Sass (reitor da Unifesp) e Silmário Batista dos Santos (reitor do IFSP)