Cerimônia manda recado à extrema direita europeia: a diversidade venceu
Quando os primeiros acordes da La Marseillaise foram entoados na abertura dos Jogos Olímpicos, o tradicional tom marcial foi substituído pelo lirismo da resistência. Para cantar um dos hinos mais reconhecidos do mundo, os organizadores selecionaram a mezzo soprano francesa negra Axelle SaintCirel.
Ao lado da bandeira francesa e de um coral de 34 mulheres, a cantora assumia o papel de voz da nação.
Desta vez, porém, a de uma mulher nascida em Guadalupe, uma imagem forte de uma nova composição demográfica da França, com sua diversidade e os desafios de integração. Uma Marianne negra.
A escolha de uma mulher negra para cantar o hino ocorre num momento de avanço da extrema direita e de um esforço de alas da sociedade pela normalização de teses racistas e xenófobas.
A extrema direita não conseguiu apoio suficiente na última eleição para formar um governo. Mas, com mais de 10 milhões de votos, jamais foi tão forte na vida política francesa desde o final da Segunda Guerra Mundial.
A cantora não foi um caso isolado na cerimônia. O evento foi encerrado com dois atletas negros franceses, Teddy Riner e Marie-José Perec, acendendo a pira olímpica, desta vez no formato de um balão. Ambos são originários também de Guadalupe.
O evento ainda foi marcado pela tentativa de grupos nacionalistas e ultraconservadores de impedir que a cantora Aya Nakamura participasse da cerimônia.
Nas últimas semanas, diante do vazamento da informação de que a artista de origem do Mali poderia estar no rio Sena, o grupo de extrema direita Les Natifs (Os nativos) forma às redes sociais para protestar. "Fora Aya. Aqui é Paris, e não um mercado de Bamako", escreveram.
Nakamura nasceu em Bamako em 1995, em uma família de griots, músicos tradicionais e contadores de histórias. Alguns anos depois, eles foram para o subúrbio parisiense de Aulnay-sous-Bois. Em 2024, ela passou a ser uma das vozes da França ao mundo.
Outro destaque foi a homenagem prestada pelos franceses e pelo COI a Filipo Grande, alto Comissário da ONU para Refugiados. Uma vez mais, a mensagem era clara: abrir fronteiras e acolher é sinal de humanismo.
Não faltaram ainda atos de homenagem por parte da delegação argelina que, em plena capital francesa, atiraram flores ao Sena para lembrar a repressão contra seus cidadãos durante a guerra pela independência.
A festa também foi marcada pelo reconhecimento explícito do papel da mulher na defesa dos direitos humanos, mais de cem anos depois de o pai da Olimpíada Moderna, Barão Pierre de Coubertin, ter declarado que não via sentido na participação feminina nos Jogos.
Desta vez, imagens de mulheres que definiriam a resistência surgiram ao longo do rio Sena. Dez personagens consideradas decisivas na história da França e dos direitos das mulheres ganharam esculturas e aplausos.
No novo panteão da sororidade, nomes como Simone Veil, Simone de Beauvoir, Alice Milliat e Paulette Nardal.
Não faltou sequer uma festa drag, para o desespero do "cidadão de bem".
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberResta agora, porém, garantir que as imagens de inclusão que deram a volta ao mundo não sejam apenas um instrumento de publicidade. E que todos aqueles que foram retirados de Paris, aqueles que vivem às sombras da Cidade Luz, possam também ter direito a ter direitos.
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