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OPINIÃO

Realidade das escolas públicas impede execução do Novo Ensino Médio

Sala de aula do Ensino Médio em Pernambuco - Alyne Pinheiro/Secretaria de Educação de Pernambuco
Sala de aula do Ensino Médio em Pernambuco Imagem: Alyne Pinheiro/Secretaria de Educação de Pernambuco

Márcia Jacomini*

15/03/2023 04h00

Hoje, 15 de março, estudantes de ensino médio de todo o país realizam manifestações pela revogação de reforma do ensino médio (#RevogaNEM). Os atos foram convocados pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e apoiados por centenas de entidades sindicais e acadêmicas.

Embora os sindicatos e as associações científicas já tenham se manifestado contra a reforma por motivos amplamente divulgados em artigos científicos, livros e nos diferentes meios de comunicação, o posicionamento do movimento estudantil pela revogação da Lei n. 13.415/2017 é recente. Isso ocorre porque, à medida que a implementação do "Novo Ensino Médio" (NEM) avança nas redes estaduais de ensino, os estudantes e seus familiares passam a compreender o significado da reforma para a sua formação e o seu futuro acadêmico e profissional.

A pesquisa "Mudanças curriculares e melhoria do ensino público", financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com o objetivo de acompanhar a implementação do NEM em sete escolas da rede estadual paulista, tem revelado a inviabilidade pedagógica e educacional do novo modelo.

No regulamento, os estudantes da rede estadual paulista podem "escolher" entre 11 itinerários formativos vinculados a quatro áreas do conhecimento: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, além de percursos de formação técnica e profissional. Na realidade, não podem, como mostrou uma pesquisa da Rede Escola Pública Universidade (Repu), que comparou os dados da oferta de itinerários em 2022 na rede paulista com as escolhas efetivas dos estudantes.

Em tese, a reforma do ensino médio foi concebida para modernizar uma escola supostamente "inchada" por conteúdos de 13 disciplinas. Na prática, porém, os novos itinerários chegam a aumentar exponencialmente o número de disciplinas nas redes estaduais. Em São Paulo, por exemplo, são 66 novas unidades curriculares com inacreditáveis 276 componentes curriculares, sem que tenham sido sequer contratados professores para assumir essas aulas.

Para os estudantes do primeiro ano não houve mudanças significativas, pois ao currículo existente foram acrescentadas duas aulas semanais de "Projeto de Vida", duas aulas semanais de disciplinas eletivas (incluindo componentes esdrúxulos como "Mundo pet") e uma aula de "Tecnologia", totalizando 30 horas semanais de "Formação Geral Básica". Para o segundo ano, são 20 aulas semanais da formação básica e dez aulas dos itinerários. No terceiro ano, apenas dez aulas de formação geral e 20 de itinerários formativos. Soma-se a isso a oferta de cinco aulas semanais de "expansão" no contraturno escolar, embora a realização dessas aulas tenha se mostrado um problema tanto para os estudantes, que não podem frequentá-las porque trabalham, quanto para as escolas, que não têm espaços sobrando para receber mais estudantes. A "solução" encontrada por São Paulo e outros estados é a mais barata possível: ensino a distância nos moldes precários da pandemia.

Na maior rede do país, cada escola deve ofertar no mínimo dois itinerários. Os estudantes do terceiro ano que escolheram o itinerário formativo "Corpo, Saúde e Linguagem", por exemplo, perderam aulas de História, Filosofia, Sociologia e Geografia. Já quem optou pelo itinerário formativo "Cultura em Movimento" não terá aulas de Biologia, Química, Física no último ano do ensino médio.

Diante da intensa propaganda dos governos Temer e Bolsonaro, que atribuiu ao NEM um caráter inovador e flexível, com amplas possibilidades de escolha, os verdadeiros atingidos pela reforma - os estudantes e suas famílias - não puderam antever os efeitos da reforma na formação e as limitações objetivas impostas pelo NEM à continuidade dos estudos em nível universitário.

Com a implementação da reforma, os estudantes perceberam que o abismo entre as escolas públicas e privadas aumentou, visto que as particulares organizam seus itinerários de modo a garantir o estudo da Física, Química, História, Geografia, Filosofia, Artes, Sociologia e Inglês para todos os estudantes. Por óbvio, as classes médias e elites pagantes de mensalidades compreendem que essas disciplinas são tão importantes para a formação humanística e científica das novas gerações quanto para a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e nos vestibulares tradicionais.

Nas redes públicas, as mudanças estão sendo implementadas sem que as escolas tenham recebido os recursos para as necessárias adequações ao novo currículo. Tampouco houve formação dos professores para que possam ministrar a profusão de novas unidades e componentes curriculares. Diante da drástica redução das aulas das disciplinas escolares clássicas, muitos professores tiveram que assumir aulas para as quais se sentem (ou para as quais de fato são) despreparados.

Solidários, muitos estudantes estão pedindo que seus professores esqueçam os itinerários e ministrem as aulas das disciplinas para as quais se formaram, pois consideram esses conteúdos mais relevantes do que a pletora de microdisciplinas que ninguém sabe para que servem. Já é comum vermos professores ministrando mais de oito componentes curriculares diferentes, e sendo obrigados (por conta do aumento brutal do volume de trabalho) a reproduzir conteúdos de apostilas rasas e chinfrins elaboradas por institutos e fundações empresariais - os apoiadores de primeira hora da reforma desde o governo de Michel Temer.

Não surpreende, assim, que os estudantes concluam que não se aprende nada de interessante nas aulas dos itinerários formativos, a ponto de muitos considerarem o itinerário como "não aula". As salas dos diretores escolares estão repletas de familiares reclamando que seus filhos não estão tendo as aulas das disciplinas fundamentais à sua formação. Mais uma vez, recai sobre a escola a responsabilidade por negligenciar tais conteúdos. A mesma escola que, acusada de ser antiquada e desestimulante, serviu de bode expiatório para a reforma educacional que está dizimando o ensino médio brasileiro e dificultando o acesso ao conhecimento a estudantes para quem o ensino público é a única escolha possível.

É enorme a indignação com a reforma do ensino médio dentro das escolas públicas deste país. Um governo que se elegeu com a bandeira do combate aos retrocessos democráticos dos últimos sete anos não pode negligenciar a demanda social pelo conhecimento. Chegou a hora de, como sociedade, nos juntarmos aos estudantes e exigirmos em alto e bom som que o governo Lula apoie a revogação da nefasta reforma do ensino médio.

*Márcia Aparecida Jacomini é doutora em Educação pela USP e professora da Unifesp. Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o Grupo Escola Pública e Democracia (Gepud). É membro da diretoria da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).