Topo

OPINIÃO

Dar aula sem condições de segurança afeta saúde mental de professores

28.mar.2023 - Alunos e pais penduram homenagem à professora Elisabeth Tenreiro, morta em ataque na escola escola Thomazia Montoro, em São Paulo - Felipe Perreira/UOL
28.mar.2023 - Alunos e pais penduram homenagem à professora Elisabeth Tenreiro, morta em ataque na escola escola Thomazia Montoro, em São Paulo Imagem: Felipe Perreira/UOL

Paolla Vieira*

01/04/2023 04h00

Logo no início desta semana, São Paulo acordou com o choque da notícia sobre o ataque a uma escola pública na zona oeste da capital, que deixou feridos e uma professora morta. Com o passar dos dias, informações sobre o caso e opiniões a respeito do que fazer para proteger as escolas ganharam os noticiários e conversas no mundo da Educação. Mas também é preciso falar sobre a saúde mental docente.

Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com mais de 100 mil professores em todo o mundo, revela que o Brasil lidera o ranking de agressões contra quem ensina. O levantamento considerou dados de 2013, quando ao menos 12,5% dos 22.840 professores entrevistados relataram ter sido vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.

Em julho de 2022, uma pesquisa quantitativa sobre violência, realizada pela Associação Nova Escola, com mais de 5 mil educadores, mostrou que sete em cada dez relataram casos de violência nas instituições onde trabalham. Relatório apresentado durante as reuniões de transição do governo federal, em dezembro de 2022, mostra que 35 estudantes e professores foram mortos em ataques no Brasil desde o início dos anos 2000. Antes disso, não há relatos de casos de violência em escolas no país, mas sabemos que há tempos educadores sofrem com aumento da insegurança e crescimento dos discursos de ódio.

Para além de fatores de violência crescentes na relação entre professores e alunos, muitos profissionais convivem com volume de trabalho excessivo e planos de carreira deficitários. Todos fatores que levam ao adoecimento docente, que muitas vezes culmina em altas taxas de absenteísmo, no afastamento dos profissionais de suas funções e, no limite, no abandono da carreira.

Dados da pesquisa Futuro da Docência, realizada pela Conectando Saberes, com mais de 6 mil educadores de todas as regiões do Brasil, traduz o cenário em números: 75,5% dos entrevistados acreditam que um dos principais motivos que fazem os professores desistirem ou pensarem em desistir da carreira docente está relacionado a questões psicológicas. E 45,1% concordam totalmente que um dos principais fatores que fazem os professores desistirem ou pensarem em desistir da carreira docente está relacionado a dificuldades da prática pedagógica.

Os números deixam claro que lecionar e conviver na escola estão se tornando práticas insalubres para boa parte dos educadores no Brasil, ainda que 47,7% dos entrevistados concordem que o principal fator que leva os jovens a cursar pedagogia ou licenciaturas é a vocação pela educação e querer transformar a sociedade.

Estar em sala de aula sem condições de trabalho adequadas e sem segurança faz adoecer o educador.

Além de se pensar como proteger a escola de forma saudável e de contar com ajuda externa para dar condições seguras ao ambiente escolar, cuidar de quem ensina tem de ser prioridade. Sem professor, não existe escola, não existe educação, não existe sociedade com valores morais e éticos consolidados. É indispensável termos políticas públicas intersetoriais, que conectem saúde, educação e demais órgãos, entendendo que o espaço escolar é complexo, porém necessário.

Não são os educadores que têm de cuidar da segurança das escolas. É preocupante a terceirização dessa responsabilidade. É papel docente mediar relacionamentos e trabalhar na mediação deles, apoiar no desenvolvimento da Educação socioemocional dos estudantes e garantir a aprendizagem adequada para todos. Para desenvolver uma escola promotora de saúde e, consequentemente, segura, é fundamental fortalecê-la constantemente como ambiente seguro e saudável para viver, aprender e trabalhar, envolvendo aspectos físicos, socioemocionais e psicológicos, além de resultados educacionais positivos. Existem oito padrões globais para escolas promotoras de saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde, e nem todos são responsabilidade da própria escola. O governo, por exemplo, tem de estar empenhado em investir em políticas e em recursos.

É imprescindível, por exemplo, criar processos de escuta docente para enfrentar a violência que está consumindo emoções e a determinação que esses profissionais têm em querer que os estudantes aprendam, sejam cidadãos críticos, capazes de decidirem sobre seu projeto de vida. E mais: faz-se necessário abrir espaços para que os professores participem ativamente da elaboração de políticas públicas. E eles querem falar, participar, contribuir.

Em 2020, a Conectando Saberes realizou a pesquisa Vozes Docentes, com 8.700 professores de escolas municipais de 87 municípios brasileiros. Dentre os resultados, 97% dos educadores dizem que se sentiriam valorizados se pudessem participar da formulação de políticas públicas de seus municípios e 39% estariam dispostos a dedicar uma hora de trabalho não remunerado para participar das políticas de seu município.

Reportagens com declarações de educadores e as manifestações públicas que se seguiram depois do trágico episódio com a professora Elisabete Tenreiro refletem bem esses dados. Após o velório, a professora Rita de Cássia Reis, uma das vítimas do ataque, disse à imprensa estar preocupada com a saúde mental dos alunos e dos professores. No dia seguinte, educadores fizeram um ato em frente à secretaria estadual de Educação, no centro de São Paulo, pedindo livros e não armas nas escolas. E a professora Ana Célia da Rosa, que foi esfaqueada várias vezes durante o ataque, afirmou à imprensa: "não vai ser um susto desse que vai me tirar da escola".

*Paolla Vieira é diretora da Conectando Saberes, organização não governamental e suprapartidária formada por mais de 600 docentes reunidos em 74 núcleos regionais por todo o Brasil, para fortalecer a profissão e construir em conjunto soluções para os desafios da educação pública