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OPINIÃO

O que dizer para uma mãe que teve seu filho assassinado pela polícia?

Rute Fiuza e Davi, desaparecido em 2014 após ser levado da porta de casa por homens que o encapuzaram Imagem: Arquivo Pessoal/Rute Fiúza

Ministra da Igualdade Racial

12/08/2023 04h00

Estou muito cansada. Cansada de tudo isso, me sinto sem esperanças.

Doeu no coração e na carne o desalento verbalizado por Rute Fiuza, mãe do garoto Davi Fiuza, desaparecido aos 16 anos depois de ter sido levado por homens encapuzados em 2014, em Salvador.

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O desabafo aconteceu esta semana, ao comentar sobre as últimas chacinas ocorridas na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, durante uma reunião que mobilizamos em Brasília, ao lado dos Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com mães e familiares de vítimas de violência do Estado, para tratar da urgente e necessária reação a esses crimes.

Rute é integrante da rede Mães de Maio, formada por mulheres — a maioria negra — que perderam tragicamente seus entes e passaram a acolher mães e famílias de vítimas de violência letal que vivenciaram a mesma experiência. Dolorosamente, é o coletivo que mais cresce no Brasil. A cada semana, novas mães destruídas passam a compor a rede, para se apoiarem e lutarem juntas por justiça.

Quando uma mãe chora, todas choram junto. A minha mãe igualmente perdeu uma filha, e eu vi de perto como foi a sua luta, o seu luto e como isso foi consumindo a sua saúde. Até que alguns anos depois ela foi diagnosticada com câncer, como acontece com muitas mães que perdem seus filhos.

Nos últimos dias, também me reuni pessoalmente com as famílias do menino Thiago Menezes, 13, baleado por policiais na Cidade de Deus (RJ), no último domingo, e de Guilherme Martins, 26, morto no mesmo dia, dentro de um carro.

Thiago sonhava em ser jogador de futebol e a mãe dele, Priscila Menezes, contou que ele era sempre o primeiro a despertar para ir à escola e acordava as irmãs mais novas. Não pude deixar de lembrar da minha filha mais velha, que tem o mesmo costume. O que dizer para uma mãe assim?

Já Guilherme voltava com os amigos do aniversário de uma amiga e a polícia sequer pediu que eles parassem antes de disparar. Guilherme tinha 26 anos, estava estudando e trabalhando como porteiro, deixou um filho que morava com ele. O que dizer para esse menino quando ele perguntar pelo pai? Os sobreviventes que estavam no carro — todos jovens negros — relataram o tratamento de tortura que receberam no hospital quando chegaram baleados — ao terem sido algemados, ameaçados e nem sequer terem sido medicados depois da extração da bala.

Não podemos aceitar que Davi Fiuza, Thiago Menezes, João Pedro, Guilherme Martins ou qualquer outro seja assassinado em operações policiais. Em uma semana, foram mais de 45 mortes na Baixada Santista (SP), Cidade de Deus (RJ) e nas cidades baianas de Salvador, Itatim e Camaçari, em situações de extrema violência.

Sabemos que os assassinatos já são parte de uma rotina que não permitiremos ser naturalizada. Os homens e meninos negros representam quase 100% dos assassinados, são as principais vítimas do ódio. É o nosso povo tendo o futuro capturado pelo sistema racista, que desumaniza corpos pretos e os elege como matáveis. Com as mortes, a destruição das mães e famílias que adoecem sem cidadania, dignidade, suporte ou respostas.

O problema da violência policial e da letalidade das juventudes e infâncias negras é complexo e conjuntural, sustentado pelo racismo, que atualiza sua perversidade e as múltiplas dimensões em que se expressa. Nossas respostas enquanto poder público, então, precisam ser igualmente robustas e pensadas no curto, médio e longo prazos.

Estamos movimentando uma articulação interministerial para enfrentamento à violência policial, entre os ministérios da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e d aJustiça, num planejamento que envolve ações coordenadas com os governos estaduais, defensorias públicas e ministérios públicos, em parceria e troca contínua com os movimentos sociais, especialmente os que atuam historicamente nessa agenda de enfrentamento à violência.

A articulação prevê a construção de protocolos de prevenção, mas também projeto-piloto para atuar nos casos em que não foi possível evitar a tragédia do genocídio que atinge famílias negras periféricas cotidianamente. As ações específicas que cada órgão já realiza serão mapeadas para que possam ser interconectadas e complementadas em estrutura, logística, estratégia e financiamento.

Paralelamente, Rute, estamos desenvolvendo um Programa de Atendimento Psicossocial a Mães e Familiares de Vítimas de Violência, articulado entre Ministério da Saúde e Ministério da Igualdade Racial. O programa será montado em dois eixos, de sensibilização de gestores do Sistema Único de Saúde e de Assistência Social, e investimento para fortalecer equipamentos de atendimento psicossocial.

Também incidimos em apoio ao Projeto de Lei 2999/2022, de autoria do deputado Orlando Silva, que tramita na Câmara e cria a "Lei Mães de Maio", para a constituição de um Programa Nacional de Atendimento Especializado, psicossocial e jurídico, como política pública de atendimento às mães de vítimas.

Nosso Plano Juventude Negra Viva (PJNV) será lançado no final deste ano, após intensos trabalhos do Grupo Interministerial com mais de 15 órgãos, e de uma escuta nacional que está sendo feita às juventudes de todos os estados.

O plano foca na redução da letalidade juvenil negra, mas se propõe a atuar pela vida plena dessas juventudes, por isso trabalhará também os eixos de segurança, acesso à justiça, geração de emprego e renda, educação, acesso à cultura, à ciência e tecnologia, promoção da saúde e garantia do direito ao território.

Ações paralelas e conectadas ao PJNV incluem a formação de jovens multiplicadores de direitos humanos e enfrentamento ao racismo, e um projeto de formação sobre letramento racial aos agentes de segurança pública.

As medidas concretas também se fortalecem com outras ações afirmativas em curso, como o decreto que garante o preenchimento de no mínimo 30% dos cargos comissionados e funções de confiança no âmbito da administração pública federal por pessoas negras; a renovação das cotas em instituições de ensino superior; entre várias frentes para ressignificar a cidadania inscrita na Constituição e projetar um futuro que não somente garanta o básico, mas a plenitude.

Poder exercer nossa máxima potencialidade é um ponto de partida inegociável.

Sabemos que tudo isso ainda é insuficiente, mas é um caminho planejado, estratégia de uma gestão que não medirá esforços para transformar essa realidade. Ausência, vingança e política de extermínio não são respostas cabíveis.

Tomo minha mão na sua, querida Rute, para abrandarmos esse cansaço na alma, peso que conheço tão bem. Me inspiro em você e em suas companheiras, mães e ativistas, que encontram forças para se erguer em pedido de justiça, movendo o Estado em direção à sua obrigação constitucional de proteção, cuidado e reparação.

O Ministério da Igualdade Racial tem essa missão. A nosso favor, a democracia e o presidente Lula, que vem inserindo o enfrentamento ao racismo no centro dos debates. Não deixaremos ninguém para trás.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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