Podia ser qualquer garoto de favela, diz irmã de menino morto por PM no Rio

Poderia ser qualquer uma dessas crianças de favela, qualquer um poderia ser meu irmão.

A frase é de uma garota de 17 anos. Resume o medo e a dor estampados no rosto de crianças que choravam durante o velório de um menino de 13 anos, em imagem que viralizou nesta semana. Thiago Menezes Flausino foi morto durante uma ação de policiamento realizada por equipes do Batalhão de Polícia de Choque na Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro, na madrugada da última segunda-feira (7).

O que dizem familiares e amigos

A irmã de Thiago conta que a família deixou a casa em que vivia para não se deparar com as lembranças. Três dias após a morte do adolescente, familiares cobram uma resposta do Estado e a responsabilização dos policiais envolvidos na ação.

Não estamos comendo, nem dormindo direito. As roupas dele estão todas no mesmo lugar, pegamos as comidas que tínhamos e saímos de casa.
Irmã de Thiago Flausino

"Nunca vi tanta criança abalada, tão triste. Elas só choravam", resume João Luis Silva, membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e articulador da ONG Rio de Paz.

A mãe do adolescente está sob efeito de medicamentos. "Estamos orientando ela a passar com um acompanhamento psicológico para ela enfrentar a dor", relata Silva.

Thiago frequentava a escola das 7h30 às 14h30. "Ele não costumava faltar à aula", diz a irmã. Segundo ela, o irmão era um garoto alegre e extrovertido, que fazia amizade facilmente por onde passava. "As pessoas tinham um carinho grande por ele."

Garoto gostava de jogar futebol
Garoto gostava de jogar futebol Imagem: Reprodução/Instagram

O menino jogava futebol durante a semana e aos sábados pela manhã. "Ele gostava muito de brincar na rua, jogar bola no campo, gostava muito de andar de moto", conta a adolescente. A motocicleta é um meio de transporte comum entre jovens das periferias do Rio de Janeiro. "Na realidade deles, a moto representa existência, poder e visibilidade", afirma o articulador da ONG.

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A irmã lembra que Thiago era um garoto extrovertido e educado. "Eles sempre teve muitos amigos, as crianças iam atrás dele para brincar."

Ela diz que soube da morte do adolescente por meio de uma mensagem de um amigo.

Não queria acreditar quando me avisaram. Minha mãe me ligou já desesperada perguntando por ele, e eu desliguei porque não queria falar nada.
Irmã de Thiago Flausino

Ao receber a notícia, a adolescente disse que saiu de casa e foi até o local da morte. "Vi um policial rindo perto do corpo do meu irmão, estavam debochando. Depois, vi dois policiais mais distantes chorando", revela. "Minha mãe ficou deitada no chão desesperada.

O que dizem testemunhas

Thiago andava de motocicleta quando percebeu que atrás havia um carro prata no mesmo sentido, segundo relatos de moradores da região. "Quando Thiago derrapou, ele viu que seria abordado, levantou as mãos e tentou se afastar da moto para sinalizar que não sairia em fuga", disse Silva.

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A família acusa a polícia de ter manipulado as imagens registradas. A abordagem teria ocorrido em frente a uma oficina mecânica com câmeras de segurança. Segundo Silva, o vídeo mostra Thiago caído, uma pessoa se aproximando e uma pessoa armada que, segundo ele, seria um policial que começa a se afastar. Os registros não mostram o momento em que o menino foi atingido.

O pai do menino teria ido ao local para se encontrar com o filho e também teria sido recebido por tiros dos agentes fardados que saíram do veículo prata. A irmã do garoto disse que, ao ouvir disparos, mandou uma mensagem para Thiago, pedindo que ele voltasse para casa.

Precisamos fazer o recorte de raça e classe. Se o Thiago fosse uma pessoa branca, ele não teria sido alvejado da forma como foi. Se ele estivesse 2km distante dali, na Barra da Tijuca, não teria acontecido. Se tivesse acontecido, os autores já teriam sido descobertos. Quando acontece na favela, a pessoa que tem que provar que ela não é criminosa.
João Luis Silva, membro da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e articulador da ONG Rio de Paz

A versão oficial da PM do Rio

"A Cidade de Deus é uma área conflagrada, logo, justifica-se a presença de forças de segurança no local", afirmou a Polícia Militar do Rio de Janeiro, ao ser questionada pelo UOL sobre o objetivo da operação.

A pasta diz ter ocorrido confronto. "Após confronto, um adolescente foi encontrado atingido e não resistiu aos ferimentos. Uma pistola calibre 9mm foi apreendida no local. A área foi isolada e a Delegacia de Homicídios da Capital acionada."

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A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou que "o comando da corporação instaurou um procedimento apuratório, por meio da Corregedoria Geral, para averiguar todas as circunstâncias da ação que vitimou fatalmente um adolescente nas imediações da Comunidade da Cidade de Deus, na Zona Oeste da Cidade do Rio, no último dia 7 de agosto."

A pasta disse também que colabora integralmente com todos os trâmites investigativos da Polícia Civil. A secretaria informou que "os policiais militares já foram ouvidos e as armas disponibilizadas à perícia."

De acordo com os policiais envolvidos na ocorrência, "equipes do Batalhão de Polícia de Choque realizavam policiamento na esquina da Estrada Marechal Miguel Salazar com rua Geremias quando dois homens em uma motocicleta atiraram contra a guarnição", relatou a secretaria

Menino foi chamado de criminoso

A PM do RJ publicou na manhã da segunda um texto em que se referia a Thiago como "criminoso". A publicação chegou a somar mais de 350 mil visualizações até a tarde de segunda. Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), crianças e adolescentes não cometem crimes, mas atos infracionais.

Mensagem foi apagada horas depois. "Entramos com um pedido judicial para que a polícia retirasse a postagem em que dizia que ele estava armado e se referindo a ele como 'criminoso'. A postagem foi apagada", afirma Silva, da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro vai entrar com um pedido para ter acesso ao resultado da perícia realizada no local, segundo Silva. "Houve um homicídio, com o agravante de a vítima ser um adolescente. Na esfera civil, o Estado tem que reparar esse dano."

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