OPINIÃO
Big Brother, influenciadores digitais e eleições 2024
Lígia Vieira de Sá e Lopes e Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Esecialistas em direito eleitotal e integrantes da Abradep
25/01/2024 04h00
Parcela significativa do povo brasileiro, nas mais diversas classes sociais, tem acompanhado ou tem conhecimento das grandes polêmicas referentes ao reality show Big Brother Brasil. São pouco explorados, porém, os ganhos econômicos conquistados pelos artistas/influenciadores protagonistas do programa e pela indústria que a fomenta.
O BBB, como fenômeno de mídia, transcende o entretenimento. Seus participantes, muitas vezes influenciadores com milhões de seguidores, tornam-se vozes potentes capazes de moldar opiniões e comportamentos. Assim, suas declarações e ações dentro do programa, reverberam nas mídias, constituindo novos epicentros de discussões não apenas midiáticas ou artísticas, mas sociais e políticas.
Relacionadas
A exemplo disso, verifica-se que a influenciadora Yasmin Brunet, desde o momento em que confirmou sua ida, "conseguiu atrair ainda mais consumidores, alcançando um faturamento de R$ 5 milhões em apenas dez dias de programa".
Vale enfatizar que, nesse período, Yasmin não fez menção à sua marca, tampouco pediu que os telespectadores comprassem seu produto. A mera exposição por meio de sua participação "impulsionou as vendas de um dos produtos recém-lançados antes de sua entrada no reality show", de forma que um deles "chegou a esgotar em poucas horas".
Ao mesmo tempo, as críticas que vêm sofrendo têm levado a importantes reflexões sobre estereótipo feminino e violência de gênero. Mercado, questões sociais e política se fundem muitas vezes.
O feito mercadológico não é inédito: "em 2020, a também influenciadora e empresária Bianca Andrade adotou uma estratégia semelhante, fazendo triplicar as vendas de sua marca".
Empresas com participação no mercado de valores vêm seus lucros saltarem exponencialmente ao injetarem patrocínio no reality show protagonizado por influenciadores digitais.
Se de um lado constata-se que empresas estão sabendo capitalizar com mera exposição de influenciadores digitais, por outro, verifica-se a legislação eleitoral ainda silente, sem previsão expressa da categoria e da possibilidade de sua atuação nas eleições, consequentemente deixando-a fora na previsão de gastos. Mas a inexistência no mundo jurídico não é sinônimo de inexistência no mundo dos fatos, e os políticos entendem e tiram proveito disso.
Ao mesmo tempo que a esfera digital continua a proliferar em todas as camadas da sociedade brasileira, a interferência dos influenciadores digitais nas escolhas dos eleitores e na política é uma realidade tangível e crescente.
Com as eleições de 2024 no horizonte, surge uma questão crítica: como essa influência pode afetar o processo democrático e qual a necessidade de uma regulamentação efetiva que reflita tanto as liberdades individuais quanto a integridade das urnas?
A Lei 9.504/97 prevê em seu artigo 57-B que a propaganda eleitoral pode ser realizada por candidatos e pessoas naturais, e as pessoas naturais não podem realizar impulsionamento.
A dúvida que emerge é: os influenciadores digitais, dentro da categoria de pessoas naturais, não constituem por si só um impulsionamento, já que pautam as escolhas de muitos seguidores e monetizam muitas vezes seu ambiente de comunicação?
À medida que as eleições se aproximam, os desafios de regulamentar essa nova arena política tornam-se evidentes.
Autonomia de expressão individual e intervenção regulatória devem ser balanceadas de forma a não comprometer a livre troca de ideias, enquanto se preserva a equidade e integridade do sistema eleitoral.
Com a edição mais recente do BBB como um espelho da nossa realidade social e política, torna-se primordial a avaliação do impacto dos influenciadores digitais nos mecanismos democráticos.
Regulamentações criteriosas que acompanhem a mudança de paradigmas são fundamentais para assegurar o respeito ao processo eleitoral e a escolha consciente do eleitor.
O caminho para 2024 é, indubitavelmente, um ato de equilíbrio dinâmico que deve ser navegado com prudência regulatória e engajamento social pelo bem da democracia brasileira.
A liberdade de expressão é um direito fundamental que permite aos indivíduos expressarem suas opiniões e ideias sem medo de censura ou retaliação, sendo um dos fundamentos do Estado democrático de Direito.
A interferência no processo de escolha, antecede a expressão e a própria liberdade. Por outro lado, a proteção à integridade das eleições e da democracia é um requisito para garantir que os eleitos advêm da vontade livre dos cidadãos.
Influenciar a vontade do eleitor pode acabar constituindo espécie de fraude, se esse agir esconder manipulação obscura que a própria legislação tentou evitar por outros modos.
Muito se argumenta em torno da liberdade de expressão, mas será que ela existe, antes disso, sem a liberdade de consciência, já que a consciência é que viabiliza a expressão autônoma? O que está sendo tutelado é de fato a liberdade individual de expressão ou o direito de blocos econômicos conduzirem a consciência de escolha de uma maioria que gera lucro em R$ 5 milhões em dez dias para uma influenciadora digital, por simples aparição?
Essas inquietações ainda não têm respostas, mas plantam a semente para a reflexão sobre a coragem de disciplinar um novo ambiente que, como expressão da comunicação, pode ser campo para abusos, a pretexto da realização de liberdades essenciais.
*Lígia Vieira de Sá e Lopes é especialista de direito eleitoral, servidora pública do TRE-CE, membra da Abradep e do grupo Àgora.
*Raquel Cavalcanti Ramos Machado é doutora e mestre de direito eleitoral, advogada, coordenadora do grupo Àgora e membra da Abradep.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL