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OPINIÃO

A energia da Amazônia, e a do planeta, não pode ser nuclear

Torres de usina nuclear em Civaux, na França Imagem: Stephane Mahe - 19.mar.24/ Reuters

Shigueo Watanabe Jr e Alexandre Gaspari*

Do Instituto ClimaInfo

20/04/2024 04h00

Quase 4 milhões de habitantes da Amazônia ainda dependem de combustíveis fósseis para ter energia elétrica em casa. São moradores de comunidades isoladas que não estão conectadas ao SIN (Sistema Interligado Nacional), o complexo e sofisticado sistema de geração, transmissão e distribuição que leva energia à maior parte do território brasileiro. Por isso, seu abastecimento elétrico depende de geração a óleo diesel, majoritariamente.

É um contrassenso queimar óleo diesel e óleo combustível, o que gera elevadas quantidades de gases de efeito estufa em plena floresta amazônica. Mas, além disso, é muito caro, pelos custos desses combustíveis e das dificuldades logísticas de levá-los a essas localidades — a estimativa é que se gasta no transporte do combustível de 4 a 5 litros de óleo diesel para cada litro entregue. Um valor pago por todos os brasileiros por meio da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC), encargo cobrado nas contas de luz. Em 2024, a CCC vai superar R$ 10 bilhões. Pagos por todos.

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Para solucionar tanto o impacto ambiental e climático como o financeiro, o governo federal lançou no ano passado o programa Energias da Amazônia. Seu objetivo é descarbonizar a produção elétrica nos sistemas isolados, substituindo os combustíveis fósseis por fontes renováveis, como a solar e a eólica. Para essa troca, o investimento previsto é de cerca de R$ 5 bilhões — menos da metade do que vamos pagar de CCC somente neste ano.

A solução, portanto, está dada: com fontes renováveis no lugar de óleo diesel, principalmente, para gerar eletricidade em comunidades isoladas da Amazônia, combina-se redução drástica de emissões e de custos. Um evidente ganha-ganha ambiental, climático e econômico. Para os amazônidas e para todos nós.

Por isso causa espanto, para dizer o mínimo, a mais nova ideia do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Ele sugere gerar eletricidade nos sistemas isolados amazônicos não com painéis fotovoltaicos, mas com pequenos reatores nucleares. Deixaria-se de queimar combustíveis fósseis para usar urânio na produção de energia. Em vez da fumaça, a floresta amazônica passaria a conviver com a ameaça da radioatividade.

Quando se trata apenas da eletricidade gerada, sem considerar toda a cadeia de construção de equipamentos e obras civis, é fato que a fonte nuclear tem quase zero emissão de gases de efeito estufa, assim como as energias solar e eólica.

No entanto, ainda que a implantação de usinas eólicas e solares, sobretudo no Nordeste, tenha causado impactos socioambientais a pessoas e comunidades — situação que pode ser corrigida em projetos futuros com a adoção de salvaguardas -, ninguém corre o risco de ser contaminado por radioatividade em caso de problemas com essas usinas.

O que não se pode dizer no caso das termelétricas movidas a urânio ou qualquer outro elemento radioativo. Sem falar no lixo nuclear. Não há ainda uma solução definitiva do que fazer com o combustível queimado, que permanece sendo uma perigosa fonte de radiação.

O mundo não consegue esquecer — e nem deve — os trágicos acidentes com as centrais nucleares de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e Fukushima, no Japão, em 2011. Os vazamentos radioativos provocados por essas tragédias fizeram com que grandes áreas territoriais se tornassem inabitáveis. Contaminou vegetação e animais silvestres. Provocou câncer em milhares de pessoas, senão milhões.

Para quem acha que é pouco, apelemos a um fator que todos dão atenção: o bolso. A eletricidade gerada pela fonte nuclear é uma das mais caras. Quando comparada às fontes solar e eólica, a diferença é gritante. Sem falar no tempo de implantação de projetos, muito maior para as termonucleares do que para usinas à base de vento ou de sol. Para um mundo em urgência climática e que precisa acelerar a transição energética isso faz toda a diferença.

No caso dos reatores nucleares de pequeno porte a situação é ainda pior. Porque na verdade se trata de uma tecnologia utilizada apenas para fins específicos, como em submarinos, por exemplo.

Justamente pelo alto custo do combustível nuclear e dos equipamentos, perde-se escala - e aumenta-se o preço - em reatores de pequeno porte.

Descarbonizar a geração de eletricidade na Amazônia e em qualquer lugar do mundo é algo necessário e bem-vindo. Mas não se pode fazer isso, sob o argumento da transição energética, investindo-se em uma fonte cara e arriscada tanto ambiental como socialmente como a nuclear. Imaginar a energia nuclear como "solução descarbonizadora" num país com vento e sol de sobra como o Brasil é demonstrar total desconhecimento tanto do potencial do país como do que de fato é uma transição energética justa, que considere também a vida das pessoas.

*Shigueo Watanabe Jr e Alexandre Gaspari são especialistas em energia do Instituto ClimaInfo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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