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OPINIÃO

Por que militares não são a solução para a educação paulista

Alunos e professores da rede pública protestam durante a audiência pública na Alesp para discutir implantação de escolas cívico-militar na rede pública Imagem: Zanone Fraissat - 14.mai.24/Folhapress

Anna Helena Altenfelder* e Romualdo Portela de Oliveira**

Colunistas convidados

07/06/2024 04h00Atualizada em 07/06/2024 09h47

Nesta semana, o governo estadual de São Paulo aprovou na Assembleia Legislativa o projeto de lei 9/2024, que prevê a instituição do Programa de Escolas Cívico-Militar na educação paulista. Neste momento, é fundamental assimilar o que está em jogo quando se aposta que a presença militar nas escolas seria solução dos problemas educacionais da maior rede de ensino pública do país.

Por certo, é uma aposta, uma vez que não há estudos que apontem que o modelo previsto no PL resulte em reais melhorias na educação. Por outro lado, pesquisas acadêmicas e relatos de educadoras(es), pais e estudantes denunciam situações de assédios morais, sexuais, abusos físicos e psicológicos, casos de racismo, homofobia e tantas outras situações que ferem o direito absoluto de crianças, adolescentes e jovens. Ou seja, a violência acontece dentro das escolas cívico-militares.

Transpor a proposta disciplinar do quartel para o ambiente escolar é o grande canto da sereia das escolas cívico-militares. Este também é um dos maiores motivos pelos quais o projeto está fadado ao fracasso.

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Sem dúvida nenhuma, o cotidiano escolar possui regras e combinados acordados entre todos — famílias, estudantes, professoras(es), diretoria e coordenação, profissionais da merenda, comunidade do entorno, entre outros. Para que a escola cumpra sua missão prevista na Constituição — de desenvolver plenamente cada pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e o mercado de trabalho —, é necessário que ela esteja em movimento, conectada com o que acontece dentro e fora dos seus muros.

Isso implica a promoção da convivência entre pessoas de diferentes realidades e origens; o diálogo constante para trocas de saberes e experiências; o acolhimento de cada um — independente de suas limitações e dificuldades —; a liberdade de expressão, entre outros.

Então, a escola é um vetor de proteção fundamental para crianças, adolescentes e jovens. Nada disso se faz a partir da lógica disciplinar e autoritária do quartel — esta radicalmente hierárquica, que preconiza a homogeneidade de corpos, de narrativas.

Ademais, atuar na educação de crianças, adolescentes e jovens exige conhecimento e acúmulo teórico-prático consistente. Você não confiaria o cuidado à sua saúde em um momento de doença a um advogado. Por que confiaria a educação a um militar?

Recentemente, o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e a Ação Educativa realizaram uma pesquisa sobre agendas conservadoras na educação. Nela, 7 em cada 10 brasileiras(os) disseram confiar mais em professoras(es) do que militares para trabalhar em uma escola.

No mesmo levantamento, as pessoas apontaram que a falta de investimento e os baixos salários das(os) professoras(es) são os maiores problemas das escolas públicas.

Uma política pública educacional efetiva deve dar conta de garantir a aprendizagem de todos e o cumprimento do papel constitucional da escola. Isso não acontece no estado de São Paulo.

O resultado de alunas(os) do 9º ano do ensino fundamental no último Saresp — avaliação feita pela rede estadual — mostra que quase 80% não aprenderam o que tem direito em língua portuguesa e 88%, em matemática. Mais grave ainda, esses resultados apresentam uma piora em relação ao ano passado.

Esse fato deveria mobilizar o governo estadual a tomar medidas efetivas para enfrentar a situação e garantir o direito de aprender. Deveria também mobilizá-lo a criar uma política que pudesse ganhar escala, e não ficar restrita a menos de 2% das escolas estaduais.

Portanto, a implementação de escolas cívico-militares não vai resolver a situação, tampouco garantir um clima escolar acolhedor, não violento e propício à aprendizagem.

*Anna Helena Altenfelder é presidente do Conselho de Administração do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

**Romualdo Portela de Oliveira é professor aposentado da Feusp (Faculdade de Educação da USP e professor visitante na UFPA (Universidade Federal do Pará)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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