OPINIÃO
Marçal e Bolsonaro são o Ross e a Rachel da direita brasileira
Matheus Pichonelli
Colunista convidado
23/08/2024 14h27
Pablo Marçal (PRTB) mostrou uma metralhadora cheia de mágoas com Jair Bolsonaro em uma postagem nas redes sociais após tomar um toco público do ex-presidente.
Ele tenta colar sua imagem na do antigo ocupante do Planalto para mostrar que é ele, e não o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o verdadeiro representante do bolsonarismo na cidade.
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Para isso, lançou uma piscadela numa postagem do ex-capitão com um balanço de sua gestão. "Eles vão sentir saudades de nós", escreveu o autointitulado coach.
Marçal, então, lembrou de uma doação de R$ 100 mil à campanha à reeleição do então presidente em 2022. E sugeriu que o Bolsonaro devolvesse o valor.
O (ex?) amigo respondeu questionando, em uma entrevista, o caráter do candidato.
Foi o capítulo mais recente de uma série de rusgas que começaram antes mesmo da campanha presidencial, quando Marçal ensaiou uma candidatura marcando algumas diferenças em relação a Bolsonaro.
Uma dessas rusgas aconteceu entre março e abril de 2021, quando o então presidente estava nas cordas devido ao atraso na compra das vacinas —e ao discurso contra a imunização— e via a sua popularidade ser dragada a cada dia que passava.
Procurado pela Secretaria de Comunicação do Planalto, então comandada por Fábio Faria, Marçal, que já tinha a fama de estrategista digital conhecida, foi escalado para ajudar a melhorar a imagem do presidente por meio de uma campanha na TV.
Colocou à frente do projeto o então CEO de suas empresas, Marcos Vilela, e criou um grupo de WhatsApp em que reunia, além da sua equipe, pessoas da Secom e da empresa contratada para fazer a comunicação do governo.
A colaboração não previa pagamento, segundo Vilela.
Uma das propostas, feita pelo próprio Vilela, era que Bolsonaro fosse filmado tomando a vacina em um posto de saúde, respeitando a fila de vacinação para dar o exemplo. Um integrante da Secom alertou que aquela "seria uma batalha", mas que estava nos planos da secretaria.
"Não tem propaganda melhor que essa", defendeu o CEO na resposta.
Marçal interagia no grupo enviando áudios e sugestões de hashtags, como #aVacinaChegou.
Em outra mensagem, a equipe de Marçal deixou seus pitacos sobre como deveriam ser os filmes sobre a vacinação produzidos pela Secom, com destaque para dados que mostravam o Brasil como o quinto país que mais vacinava no mundo.
Outra sugestão era que a apresentadora da peça fosse sempre uma mulher negra, entre 25 e 30 anos, que usasse máscara com a marca do SUS e tivesse olhar expressivo. A voz deveria ser assertiva e carregada de emoção na parte final.
"Imagina quantas pessoas teriam deixado de morrer se essa campanha fosse ao ar", questiona hoje Vilela. "O que a gente queria era passar a imagem de que a situação estava sob controle e que o governo cuidava das pessoas. Bolsonaro teria demonstrado respeito pela população e humanidade. Era esse o comportamento que se esperava de um líder de nação. E que poderia ser crucial para a reeleição dele."
Mas, como se sabe, Bolsonaro não acatou quase nenhuma das ideias.
Marçal, claro, ficou decepcionado.
Quem o conhece diz que ele é realmente bolsonarista de carteirinha e fã declarado do ex-presidente. O problema é a relação com o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PL), a quem, mesmo não estando no grupo, atribuiu o boicote à campanha —com o endosso do pai, que já Bolsonaro vê no no ex-coach o que mais teme: um sucessor dele na extrema direita.
Uma pessoa próxima, que prefere não ser identificada, descreve Marçal como uma pessoa sozinha, sem amigos de fato. E que se ressente quando as pessoas se aproximam dele por algum interesse (basicamente dinheiro e engajamento nas redes).
Bolsonaro foi um deles. "Depois que usou, descartou. Assim como fez com Gustavo Bebianno, Abraham Weintraub, Sergio Moro, o general Santos Cruz, e tantos outros."
Apesar da decepção, Marçal, ainda assim, entrou de cabeça na campanha de Bolsonaro em 2022, e não só com doações. Publicou posts elogiosos, participou de motociata e gravou uma live ao lado do ídolo.
O candidato tem tentado contemporizar, mas quem o conhece garante que ele está mordido com a postura de Bolsonaro. "Nada pior do que um namoro não correspondido", resume a pessoa próxima. "Pedir os R$ 100 mil de volta é como pedir para devolver um presente no término de namoro", concluiu.
Em outras palavras: Marçal e Bolsonaro são o Ross e a Rachel —aquele casal que até se gostava e não conseguia ficar junto na série "Friends"— da política brasileira.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL