OPINIÃO
Estelionato em SP: quer dizer que Marçal não é tão idiota quanto parece?
Matheus Pichonelli
Colunista convidado
29/08/2024 14h57Atualizada em 29/08/2024 14h58
Pablo Marçal disse em entrevista ao Flow Podcast, nesta quarta-feira (28), que precisou fazer muita idiotice para chegar até onde chegou (19% das intenções de voto para prefeito de São Paulo, 35% de rejeição, segundo pesquisa Quaest).
A revelação está contida em uma matrioska de idiotices. Sabe aquelas bonecas russas guardadas em uma maior, e outra e outra? É mais ou menos assim. Só que com um ex-coach dentro mandando fazer M.
A primeira idiotice do candidato do PRTB é revelar o próprio truque. E isso é um problema sob diversos aspectos, a começar pela concorrência.
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Marçal corre agora o risco de levar para os debates um boné escrito "Bebam Soda Cáustica" e encontrar do outro lado, num futuro próximo, um adversário sem boné, sem paletó e sem roupa alguma. Vai ser difícil concorrer com o número de visualizações que o peladão conseguirá alavancar enquanto é retirado do estúdio.
Outra idiotice foi ter dito que o povo gosta é disso mesmo: de idiotice. E que precisa produzir isso para dar o que todo mundo quer, mesmo que não se divirta.
O problema, aqui, não é chamar o eleitor de idiota. Quem a essa altura está disposto a votar em que leva seguidores para a montanha sem preparo ou equipamento, vamos combinar, já perdeu a esperança de ganhar o Nobel.
O problema mesmo é descobrir que o ídolo não é assim tão idiota. Só finge ser um. E nem se diverte fazendo esse papel.
É como explicar para uma criança que por trás da barba postiça do Papai Noel está o tio Gervásio. Dói saber que tudo não passou de uma fantasia.
A decepção vale para quem adorou o esquete e vale para quem compartilhou o repúdio dando palanque da idiotice a um espertalhão.
Especialistas em dramaturgia da viralização apontam que o segredo para criar vídeos com milhões de views é submeter o roteiro a uma ferramenta capaz de identificar a formação escolar mínima para compreender com naturalidade o que está sendo apresentado.
E ninguém viraliza postando conteúdos que exijam entendimentos além dos de alunos de primeira série. E isso não é metáfora. É técnica de comunicação. Foi o que mostrou o neurocientista Álvaro Machado Dias em uma coluna recente na Folha de S.Paulo.
Marçal faz isso se comportando como um iletrado, mas é possível que tenha lido tudo isso (!) e, pior, compreendido (!!). Pior ainda (!!!) é que ele nem é o primeiro a fazer isso. Tem uma escola por trás da tática.
Marçal revelou o truque enquanto produzia outra idiotice — talvez para testar a própria ferramenta diante da audiência e do apresentador.
Cansado de ferir as regras eleitorais, ele jura que agora quer atropelar uma norma universal mais ou menos básica dessa vida: a certeza da morte.
Mas Pablo não pode ver uma lei na frente que já corre para transgredir. Já fez isso, contou ele, mais de uma vez, quando tentou ressuscitar mortos em velório.
A resposta ao estranhamento é parecida com a que ele costuma aplicar quando questionado sobre a idiotice de propor um teleférico numa metrópole plana como São Paulo. Ou de construir o prédio mais alto do mundo para atrair turistas em uma cidade onde quem pena são os habitantes.
A lógica obedece a um método: não é porque ele não conseguiu ressuscitar mortos ainda que ele não vai conseguir um dia.
Um milagre ele já conseguiu: a plateia que andava morta de tédio com as propostas de sempre nos debates da TV nunca esteve tão viva e hipnotizada (os que o amam e os que o detestam).
Verdade seja dita: o processo de identificação com o eleitor tem sido bem-feito.
Nessa plateia imensa o que não falta é gente que já chamou a atenção dos pais botando o garfo na tomada.
Com a idade as ferramentas só ficam um pouco caras. E mais perigosas.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL