Atual vice, Melo quer reconhecer erros para virar prefeito de Porto Alegre
Flávio Ilha
Colaboração para o UOL, em Porto Alegre
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Evandro Oliveira/Divulgação
Melo aparece em segundo lugar nas pesquisas, empatado tecnicamente com Nelson Marchezan Jr
Em meio à degustação de um sanduíche de presunto e espremido entre as agendas de início de campanha, o candidato a prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo (PMDB) não hesita ao afirmar que a quantidade de aliados na campanha –ponto que tem sido duramente explorado pelos adversários– não tornará um eventual governo do PMDB refém dos partidos. A coligação Abraçando Porto Alegre tem nada menos que 14 legendas: PMDB, PDT (que indicou a candidata a vice, Juliana Brizola), PHS, PROS, PTN, PRTB, PRB, PSDC, PPS, PSB, PSD, DEM, Rede e PEN.
O UOL entrevistou os quatro candidatos à Prefeitura de Porto Alegre de acordo com pesquisa de intenção de voto do Ibope divulgada no dia 22 de agosto: Luciana Genro (PSOL, 23% das intenções de voto), Raul Pont (PT, 18%), Nelson Marchezan Junior (PSDB, 12%) e Sebastião Melo, com (10%). A margem de erro da pesquisa é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos, portanto Luciana e Pont estão tecnicamente empatados entre si, assim como Marchezan e Melo.
Neste domingo (4), será publicada a entrevista com Marchezan; depois, será a vez de Pont (segunda-feira, dia 5) e, por fim, de Luciana (terça, dia 6).
Melo nasceu em Piracanjuba (GO) e foi para Porto Alegre em 1978. Foi vereador por três mandatos a partir de 2000 e presidente da Câmara Municipal por duas vezes, em 2008 e 2009. Com os 14 partidos na sua coligação, ele tem o maior tempo no horário eleitoral gratuito (três minutos e 50 segundos).
Eleito vice-prefeito na chapa de José Fortunati (PDT) em 2012, tenta o primeiro mandato de prefeito. Veja abaixo a entrevista concedida ao UOL pelo candidato:
UOL – O senhor é candidato de uma aliança que está há 12 anos no poder em Porto Alegre. Que discurso vai usar na campanha para convencer o eleitor de que deve continuar votando no mesmo projeto?
Sebastião Melo – Um discurso singelo: de que a cidade sempre teve problemas, mas vem encontrando as soluções ao longo do tempo. E nosso governo é parte desse processo. O acúmulo de problemas, portanto, não é apenas do nosso governo. Eu acredito no projeto que está aí, que produziu muitas mudanças e avanços. Mas é claro que sempre insuficientes. Quanto mais se muda, mais mudanças temos que fazer.
O senhor considera que a população está satisfeita com a atual administração municipal?
Nenhum cidadão brasileiro está satisfeito com nenhuma administração no Brasil.
Isso é muito genérico, a pergunta não foi essa.
Mas é a verdade. Tu olhas para a classe política, com toda essa crise que está aí, e não vê ninguém bem. Nem nos Estados, nem nos municípios. Porto Alegre tem uma insatisfação sim, mas não só em relação ao governo municipal. As pessoas têm insatisfações porque a economia está mal, porque tem desemprego em casa, porque não pago meu automóvel, a prestação da casa está vencida.
E tem o problema da rua, do calçamento. Temos um conjunto de insatisfações que o eleitor poderá expressar nessa eleição municipal. Toda essa insatisfação pode ser carreada contra o (atual) governo. Então, vou fazer uma campanha reconhecendo erros.
Quais foram os erros da administração em que o senhor é vice-prefeito?
Atraso nas obras (da Copa do Mundo), por exemplo. O mobiliário urbano, que considero outro gargalo. Nós também evoluímos bastante no centro da cidade, mas hoje voltamos a ter dificuldades. A morosidade na gestão, na prestação dos serviços. Não terei dificuldade de reconhecer isso. Não está tudo bem não, porque se estivesse eu nem seria candidato.
Eu gosto é de resolver problemas.
Que discurso pretende transmitir aos eleitores de Porto Alegre para convencê-los a votar no senhor?
Vou reconhecer erros da administração. Mas não para fazer críticas, e sim para melhorar. Tem camelô na rua da Praia? Tem. A crise do desemprego está aí, os senegaleses estão aí, os haitianos estão aí. Então não adianta, tem que reconhecer. Mas também não adianta fazer uma política de higienizar o centro. E daí? Sai dessa esquina (o camelô) e vai para a outra? Tem que dar oportunidade social para essas pessoas porque elas têm que sobreviver.
Vai ter discurso de oposição?
Não estou dizendo isso. Sou candidato do governo, mas não tenho a caneta na mão. Sou apenas vice-prefeito (Melo está licenciado para a campanha desde 4 de agosto).
O senhor pode citar os três problemas principais da cidade e a forma de resolvê-los?
O primeiro problema, que afeta todas as grandes cidades brasileiras, é, sem dúvida, a violência. Uma cidade com inclusão social, com empregos, com crianças na escola, que tem mais família, é uma cidade com mais segurança. Então, esse é o nosso pano de fundo. Vamos continuar com nossa política. Ao longo do tempo, a administração investiu muito em iluminação pública –tanto que trocamos todos os 80 mil pontos de Porto Alegre.
Outra prioridade é recuperar espaços públicos. Temos hoje muitas câmeras espalhadas pela cidade e criamos um centro integrado de comando. Só os ônibus da Carris têm 1.500 câmeras. Metade da Guarda Municipal já usa armamento. Então, nós temos ações. A prefeitura não ficou de braços cruzados nesse quesito.
Mesmo assim o problema persiste, até se agravou.
Sim. Mas a Brigada Militar aqui em Porto Alegre, por exemplo, tem metade do efetivo que deveria ter. Temos um deficit de 2.000 brigadianos. Então, minha prioridade será criar um fundo para a segurança pública municipal, com recursos orçamentários, com a doação de empresários e do Judiciário, por meio dos termos de ajustamento de conduta, para que seja direcionado exclusivamente ao pagamento de horas extras da Guarda Municipal e da Brigada Militar.
Vou cobrar do governador mais policiais na cidade. E não vou fazer cobrança por telefone, não. Vou juntar a comunidade organizada de Porto Alegre e vou pedir para conversar com o governador. Porto Alegre está num patamar insustentável. Vou cuidar pessoalmente desse assunto, não vou terceirizar. Vou comandar pessoalmente o gabinete de gestão integrada, tomar decisões e cobrar. Que, aliás, eu sei fazer muito bem.
Será suficiente?
Também pretendo criar um batalhão na Guarda Municipal para acompanhar a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio nas suas fiscalizações. Há muito registro de violência (por parte de ambulantes) contra nossos fiscais. E para atuar também no acolhimento dos moradores de rua. Nós teremos uma política bem acolhedora nesse sentido. Só que a pessoa não pode morar numa praça como hoje. O direito de ir e vir deve ser respeitado, mas o direito de ficar não.
O senhor pode citar um segundo problema importante da cidade?
O atendimento em saúde. Meu diagnóstico é que há um subfinanciamento no Brasil, em todas as áreas. A tabela de medicamentos do SUS, por exemplo, não é atualizada há dez anos. Então, temos que lutar para melhorar isso. E vou bater em Brasília e pedir por favor que nos ajudem com dinheiro, já que boa parte dos recursos fica com a União e não vem para os municípios. Mas se eu tenho dificuldade de dinheiro eu só posso melhorar com gestão. A informatização, por exemplo, é fator decisivo para melhorar a gestão.
A administração do atual prefeito não completou a prometida informatização do sistema público de saúde.
Hoje está em 50%. Mas não falo só disso. Por exemplo: precisamos orientar os médicos a fornecer só a quantidade de remédio necessária a um usuário, porque os relatos que recebo são graves. Era para ser dez comprimidos e o médico deu 30, para que o paciente não volte logo ao posto de saúde. Não pode. Tem que ter mais controle nos exames também.
Outra coisa: vou fazer mutirão na ortopedia, que hoje é o grande gargalo do sistema, junto de outras áreas mais sensíveis, como neurologia. Mas, ainda assim, em 70% das nossas especializadas hoje o paciente está conseguindo ser atendido em 30, 35 dias.
Mais de um mês de espera?
É um avanço enorme. Mas nesses 30% de áreas específicas onde isso não ocorre, nesses casos vou fazer um mutirão com todos os hospitais e limpar a fila, começar de novo. Até porque deve ter muita gente que está esperando há muito tempo e que talvez nem precise mais (das consultas). Também vejo uma oportunidade dos alunos das universidades estagiarem em todos os nossos postos de saúde. É bom para eles e é bom para a cidade.
A cobertura do Programa Saúde da Família também ficou abaixo das promessas da campanha de 2012.
Nossa cobertura do PSF é de 50%. Teríamos que ter 400 equipes para dar conta de 100%, mas eu não posso dizer que vamos chegar a esse objetivo. Depende de recursos. Das 211 equipes atuais, que conseguimos implantar, 30 não têm médico. Vamos ter que dialogar com governo federal porque o Mais Médicos vai terminar e para a cidade o programa foi muito bom.
E vamos analisar criteriosamente a opção de estender um pouquinho o horário de atendimento das Unidades Básicas de Saúde, como projeto piloto, em algumas regiões da cidade (atualmente, todas as 45 fecham às 18h). Nas periferias, basicamente. Para isso, tem que readequar todo o sistema, porque não tem dinheiro para contratar um terceiro turno. Então, é preciso rearranjar as coisas. Estamos aqui para resolver problemas. O gestor público não tem que ficar chorando, tem que encontrar soluções.
Que outro desafio o senhor cita?
Dos desafios da cidade, um dos principais é ter um modelo de desenvolvimento. Para viver, as pessoas precisam trabalhar. Então, Porto Alegre precisa incrementar seu desenvolvimento. Temos algumas excelências, como ter um polo de saúde e outro de ensino, bem desenvolvidos, além do turismo de negócios. Temos que potencializar o que já temos. Vou ajudar a viabilizar uma PPP (Parceria Público-Privada) para construir um centro de eventos no Quarto Distrito (antigo bairro industrial da zona norte).
E vou lutar pela permanência do aeroporto Salgado Filho (o governo federal estuda a construção de um novo terminal na região metropolitana, a 40 quilômetros de Porto Alegre). Vou liderar uma campanha para que esse equipamento se qualifique e cumpra aquilo que se estabeleceu conosco: estender a pista em mais 900 metros. Nós estamos fazendo a nossa parte, que é acolher as famílias que entravam a obra em outra região da cidade. Então, não há que se discutir a retirada do aeroporto daqui. Essa discussão é zero.
Um dos gargalos reclamados pelos empresários é a demora em se obter licenças. O que pretende fazer em relação a isso?
Vamos criar todas as condições para os empreendedores se manterem em Porto Alegre. Em três anos e meio como prefeito eu posso ver com clareza onde não dá mais para continuar: deixar a concessão de uma licença demora o prazo que demora. Vou mudar radicalmente. Não posso querer construir uma torre, um shopping center, qualquer coisa, e ficar mendigando para arrumar uma licença. Não, não e não.
Vou unificar o licenciamento da cidade. A lógica hoje é "mandar para lá", como se não fosse tudo a mesma coisa. Unificando eu pretendo criar um espírito colaborativo entre os órgãos. Não que a Secretaria do Meio Ambiente, que os órgãos de infraestrutura, como o Departamento de Água e Esgoto e o Departamento de Esgotos Pluviais, não devam opinar. Não é isso. Mas precisa agilizar.
Hoje a burocracia é forte, são muitos órgãos opinando.
Na sua carta de compromisso o senhor afirma que vai eliminar "deseconomias ou sombreamento de ações concorrentes". Pode explicar isso?
Vou diminuir bastante o tamanho do governo, é isso. Mas não se trata desse discurso fácil de CCs, de demitir sumariamente tantos CCs, isso tem que vir junto com medidas efetivas. Na crise que estamos vivendo, e que vamos continuar vivendo nos próximos anos, tudo que puder reduzir de atividade-meio tem que ser adotado. Hoje há um sombreamento de secretarias que fazem a mesma coisa, que acaba nenhuma fazendo nada. Hoje, depois de três anos e meio na administração municipal, tenho perfeitamente essa compreensão.
Mas é possível reduzir o tamanho da máquina administrativa tendo 14 partidos na base de apoio para sustentar com cargos?
A nossa aliança foi construída com muito diálogo. E com clareza. Portanto, quero dizer que não tratei com nenhum partido de outra coisa que não fosse levar a nossa aliança para um segundo turno. Mas ficou claro em todas as reuniões que eu vou diminuir o governo. Vou governar com os partidos, é claro, mas não vou permitir que nenhum deles escolha o lugar ou a pessoa. Se o partido tal não tiver um quadro técnico, que me desculpe: participe do governo de outra forma.
Então não haverá lugar para todo mundo?
São 14 partidos. Todos têm que ter secretarias?
Os partidos acham que sim.
Mas eu não acho. Agora, a gente não resolve isso com briga, resolve com diálogo. Temos 20 secretarias hoje, mais algumas empresas públicas, autarquias e gabinetes. O que eu posso dizer é que o Brasil está a exigir de seus gestores públicos que enxuguem os governos. Mas não se trata de tirar de uma secretaria e passar para outra. Não haverá maquiagem. O maior diploma que eu quero, depois do meu mandato, é andar pelas ruas e ver que valeu a pena.
Vai manter o OP (Orçamento Participativo), criado pelas administrações do PT nos anos de 1990?
Como em toda democracia, o OP precisa ser reinventado. Acompanho o Orçamento, estive lá quando era da oposição, estive também quando me tornei governo, mas acho que está na hora de transformá-lo em um instrumento digital. Claro, não posso com isso tirar a importância da presença das pessoas, das reuniões. Mas acho que tem espaço para os dois.
Outra coisa: muitas obras que não eram viáveis tecnicamente foram votadas e aprovadas no OP. Eu pretendo revisar isso. O que não for possível não deve ir para o OP. Muitas vezes, ao longo da história, o governo sabia que tinha dificuldade, a comunidade sabia que não daria, mas a obra acabava indo parar lá. Isso vai criando um passivo de coisas inacabadas.
Antes de falar em obra nova tenho que melhorar os serviços da cidade. Do lixo, das calçadas, da iluminação, da água. Os serviços da cidade têm que vir para o OP.
Significa mudar o foco do que vai ser debatido? Hoje o OP discute investimentos públicos, notadamente em infraestrutura.
Não, não é isso. As obras têm que continuar lá. Mas o OP, que é um instrumento importante, deve se ocupar mais dos serviços prestados à cidade, da fiscalização desses serviços que, hoje, são apenas informados pelos fornecedores. Não há controle. Mas faríamos isso com muito diálogo. Porque eu reconheço que a cidade tem e deve ter outros canais de participação.
A nova lei eleitoral vai dificultar a campanha?
Eu chamaria de remendo eleitoral, um remendo que não vai resistir à próxima eleição. Vamos cumprir a lei. Mas democracia custa dinheiro, em qualquer parte do mundo. Então, acho que o legislador brasileiro se equivocou quando fez uma modificação tão radical na lei. Deveria ter restringido (a doação por parte de empresas), ter colocado limites, implantado fiscalizações, mas não da forma como fez. Temos uma cultura política que não é de financiamento pessoal. Mas, no nosso caso, a campanha será do tamanho das nossas pernas. Já solicitei recursos do fundo partidário, mas até agora o resultado foi zero. Ainda alimento essa expectativa. Vamos ter uma campanha singela. Todo e qualquer recurso da campanha será pela regra eleitoral.
O senhor menciona na sua carta o compromisso com o combate à corrupção, mas não diz de que forma enfrentará esse problema.
Corrupção qualquer governo pode ter, em qualquer lugar do mundo. Não sou um cara autoritário, mas sei exercer a autoridade. Se tiver qualquer problema nessa área não vou fazer pré-julgamento. Mas tomarei as providências cabíveis.
Quais?
Não vou falar de hipóteses.
Se for eleito, qual será sua primeira medida?
Se ganhar, quero tomar posse pela manhã (no dia 1º de janeiro) para já começar a trabalhar de tarde. Vai depender da Câmara, mas vou sugerir a mudança. Talvez, como primeiro ato, faça uma visita a uma comunidade das mais carentes de Porto Alegre para simbolizar a solidariedade que quero ter com toda a cidade.