Entre o declínio e a resistência, PT tenta reafirmar-se em seu berço

Aiuri Rebello

Colaboração para o UOL, em São Paulo

  • Leonardo Castro/Folhapress

    23.abr.1992 - Lula discursa para manifestantes na rodovia Anchieta, em frente à Volkswagen, em São Bernardo

    23.abr.1992 - Lula discursa para manifestantes na rodovia Anchieta, em frente à Volkswagen, em São Bernardo

Desde as eleições presidenciais de 2014, quando a crise econômica no país começava a delinear-se, a perda de apoio ao PT no Grande ABC vem sendo observada. A então presidente Dilma Rousseff (PT) perdeu o segundo turno para o tucano Aécio Neves em cinco das sete cidades da região, incluindo São Bernardo do Campo, onde dois anos antes o prefeito petista Luiz Marinho havia sido eleito com 66% dos votos.

A cidade foi beneficiada com bilhões de reais do governo federal na última década para a construção de hospitais, UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) escolas, creches, universidade e corredores de ônibus, mas isso não refletiu naquela eleição.

Aécio teve 58,05% dos votos válidos no ABC Paulista, contra 41,95% de Dilma. Durante os protestos organizados a favor do impeachment, Santo André e São Bernardo registraram grandes manifestações contra a petista, acompanhando a tendência do que acontecia na capital paulista.

Quando Lula foi conduzido coercitivamente a depor pela Polícia Federal no inquérito da Operação Lava Jato em março, manifestantes contra e a favor do ex-presidente chegaram a entrar em conflito em frente ao apartamento onde vive ele, no centro de São Bernardo. O edifício e o muro de uma escola em frente foram pichados com xingamentos e acusações ao petista.

De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no segundo trimestre deste ano, fechado em agosto, a taxa de desemprego no país ficou em 11,3%. Na região metropolitana de São Paulo, chegou a 17,4% em julho e, no ABC, pouco menos isso, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego feita pelo Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos): 16,8%.

Aiuri Rebello/Colaboração para o UOL
Trabalhadores lotam Sindicato dos Metalúrgicos em busca de orientação após ficarem desempregados


Em pesquisa feita pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) entre 15 sindicatos filiados, o que mais perdeu vagas formais nos últimos dois anos foi o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde Lula foi presidente nos anos 1970, comandou a onda de greves na região e começou sua carreira política.

Dos 111 mil trabalhadores filiados à entidade com emprego de carteira assinada em 2010, restavam 75 mil trabalhando em setembro.

"Dentre os trabalhadores do sindicato, 54% possuem menos de 35 anos de idade, ou seja, começaram a trabalhar já na era Lula e pegaram até hoje só vento favorável", afirma Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Na parede atrás de sua mesa e acima de sua cabeça, ostenta um retrato oficial de Lula com a faixa presidencial que não foi trocado pelo de Dilma quando ela assumiu e nem o será pelo do presidente Michel Temer (PMDB), garante o sindicalista.

Aiuri Rebello/Colaboração para o UOL
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, Rafael Marques


"Esse pessoal mais novo tem dificuldade de entender essa crise toda e está mais arredio, mais revoltado com o PT. Colocam a culpa no partido e na Dilma, porque não sabe como as coisas eram antes", diz Marques, que é filiado à legenda desde 1985.

No prédio espaçoso e recém-reformado de cinco andares no centro de São Bernardo do Campo, centenas de trabalhadores desempregados lotam diariamente os guichês de atendimento em busca de orientação.

De acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Produtores de Veículos Automotores), em 2016 a produção de veículos caiu cerca de 20% até agosto em relação ao mesmo período de 2015, que já havia registrado queda expressiva de produção.

Com isso, as grandes montadoras da região --Mercedes-Benz, Volkswagen, Ford, Scania e General Motors-- seguem diminuindo o quadro de funcionários com demissões compulsórias e voluntárias, férias coletivas, suspensão temporária de contratos de trabalho e o PPE (Programa de Proteção ao Emprego) do governo federal, criado na gestão Dilma.

Os empregos no setor de autopeças caíram quase pela metade nos últimos dez anos: representavam 10% do total na região em 2007 contra 6% hoje. Ao percorrer a avenida Industrial, em Santo André, é possível ver várias fábricas do ramo fechadas.

Aiuri Rebello/Colaboração para o UOL
Montadoras seguem diminuindo quadro de funcionários no ABC

Resistência

"O trabalhador já tinha percebido que Dilma não era Lula, e uma parte da nossa base queria que ela saísse. Mas na medida em que o governo Temer tentar empurrar para a sociedade essa política fiscal que só serve para tirar ainda mais renda do trabalhador, acho que o apoio ao PT aumenta", afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Ele diz que não sente este clima de ódio ao PT nas ruas do ABC. "Tenho feito campanha na porta das fábricas e pela rua e sempre sou muito bem recebido, nunca fui hostilizado", afirma. Para Marques, a perda de apoio não reflete em aumento de prestígio de outras legendas. "O descrédito é geral, e a maioria dos trabalhadores não confia em nenhum partido. Quem tem lado ainda é PT."

Em uma conversa rápida com os operários na porta das montadoras da região, de 15 trabalhadores de três montadoras ouvidos aleatoriamente pela reportagem, apenas quatro declararam nunca ter votado no PT.

Dos que votaram, cinco votariam novamente dependendo do candidato e seis não sabiam ou não votariam novamente. "Hoje mesmo foram despedidos uns colegas, o clima anda muito pesado", afirmou ao UOL, na porta da Mercedes, o montador Marcelo Alves Ribeiro, 38.

Eu sempre votei no PT, mas o que eles fizeram em termos de roubalheira foi demais. Não votaria nunca mais, nem no Lula.

Marcelo Alves Ribeiro, montador

O colega Fausto Pagotto Rodrigues, 35, discorda. "O PT é indefensável por tudo o que está acontecendo, mas comparado com os outros, eu ainda votaria por falta de opção", afirma. "Eu votaria no Lula", diz.

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Manifestantes protestam contra o governo de Michel Temer na porta da estação Central da CPTM em Santo André

Protestos semanais

Um grupo com algumas centenas de manifestantes tem protestado semanalmente em frente à Estação Santo André da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) contra o impeachment de Dilma e o governo do presidente Michel Temer.

Com tambores, caras pintadas e um coro de "Fora, Temer", os jovens incluem na pauta do protesto ainda palavras de ordem contra a imprensa em geral.

Em suas viagens pelo país, logo após ser afastada temporariamente pelo Senado em abril, Dilma incluiu no roteiro visita à UFABC (Universidade Federal do ABC), onde foi recebida com festa por alunos e professores.

Durante a campanha eleitoral, docentes da universidade já haviam declarado apoio à petista. Nestas eleições, nem ela e nem Lula subiram em algum palanque na região para fazer campanha com aliados até agora.

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Manifestantes protestam contra o governo de Michel Temer na porta da estação Central da CPTM em Santo André

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