Promessas de novas obras na saúde vão esbarrar no orçamento em Curitiba

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

  • Reprodução/Facebook e Rodrigo Félix Leal/Estadão Conteúdo

    Rafael Greca (PMN), à esq., e Ney Leprevost (PSD)

    Rafael Greca (PMN), à esq., e Ney Leprevost (PSD)

Zerar ou reduzir drasticamente as filas de consultas em especialidades, criar sistemas de agendamento com médicos via celular, construir prontos-socorros infantis e centros de especialidades: as propostas de Rafael Greca (PMN) e Ney Leprevost (PSD) pintam um cenário dourado para a saúde pública de Curitiba nos próximos quatro anos.

Mas uma análise dos últimos orçamentos municipais permite dizer que chegar a isso vai ser complicado. Em 2015, a prefeitura aplicou R$ 1,56 bilhão na área, o que equivale a nada desprezíveis 20,2% de orçamento anual do município.

Mas apenas R$ 6,3 milhões --0,4% dos gastos em saúde-- foram para investimentos em novas estruturas ou serviços. Porque o custo de manutenção do que já existe, uma rede de nove unidades de pronto-atendimento (UPAs) 24 horas (a décima está em vias de ser entregue, no Tatuquara, bairro pobre da zona sul da cidade) e 109 unidades de atenção básica, é alto.

No ano passado, por exemplo, foram R$ 533 milhões para dar conta de pagar pessoal, insumos, manutenção predial e funcionamento das 109 unidades básicas. As UPAs custam R$ 173 milhões por ano.

O orçamento atualizado para a saúde, neste ano, é de R$ 1,662 bilhão --6,18% mais dinheiro que em 2015. Em 2017, o texto enviado pela prefeitura à Câmara dos Vereadores prevê aplicar R$ 1,665 bilhão. Cabe ressaltar que, em 2015, a cidade colocou mais dinheiro do que o previsto na área, fato que deve se repetir neste ano, e que o percentual de gastos com a área vem aumentando, ano a ano.

Reprodução/190
Ambulância do Samu em Curitiba
Dois candidatos, muitas obras

Apesar dessa realidade, Greca promete, nos próximos quatro anos, implantar três novas unidades: um Centro de Especialidades Metropolitano, no Portão (bairro da zona sul de Curitiba), um Pronto-Socorro Infantil Metropolitano e uma Unidade de Estabilização Psiquiátrica --que não está de acordo com protocolos do Ministério da Saúde, e, portanto, teria de ser paga integralmente pela prefeitura.

Leprevost, por sua vez, diz que irá começar, já no primeiro ano de governo, as obras de duas unidades de Pronto-Atendimento Infantil nas zonas norte e sul da capital. Também promete entregar um Centro de Diagnóstico com "tecnologia de ponta", um hospital oncopediátrico e uma Unidade de Pronto Atendimento Psiquiátrica.

"A gestão do SUS é tripartite, ou seja, compartilhada entre municípios, Estados e União. Uma das funções do gestor municipal é buscar recursos federais e estaduais, pois o investimento, principalmente, vem de Estados e da União. Mas que tipo de serviço será implantado é algo a ser aprovado pelos três entes. Do contrário, não vai vir dinheiro", avalia o médico sanitarista Gastão Wagner Campos, professor titular da Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em 2015, pela primeira vez desde 2005, pelo menos, a maior fatia do dinheiro aplicado na saúde em Curitiba saiu dos cofres do município: R$ 832 milhões, ante R$ 717 milhões do Ministério da Saúde. O Estado entregou sua maior contribuição desde 2013, R$ 16 milhões. Ainda assim, menos dinheiro que os R$ 21 milhões de 2012, ano em que Luciano Ducci (PSB), aliado do governador Beto Richa (PSDB), buscou --sem sucesso-- a reeleição.

"Com o austericídio da PEC 241, que limita os gastos públicos, como os candidatos vão fazer para sustentar as propostas?", questiona o médico patologista Armando Raggio, ex-secretário da Saúde em Curitiba e no Paraná, atualmente professor da Escola Fiocruz de Governo, em Brasília.

Contra as filas

Atualmente, há 158 especialidades com fila de espera para consultas no sistema de saúde pública de Curitiba. A seu favor, a gestão de Gustavo Fruet (PDT) --que buscou, sem sucesso, a reeleição-- argumenta que são menos que as 200 de 2012.

Ainda que tenham caído, os números são altos: quase 30 mil pessoas esperam por um horário com um oftalmologista. Outras 22 mil aguardam por ortopedistas, e 9.200, por neurologistas.

Também há filas para marcar as consultas. Até julho, apenas 32 das 109 unidades de saúde de Curitiba permitiam a marcação de consultas por telefone, segundo a prefeitura. Nas demais, é preciso ir pessoalmente ao local.

Para fazer frente a ambos os problemas, os candidatos a prefeito apostam na construção das novas unidades de especialidades, em mutirões de consultas e na tecnologia para fazer agendamentos.

Shutterstock
O plano de Greca fala, genericamente, em implantar um novo modelo de agendamento de consultas. Mas, em entrevista a uma emissora de rádio, prometeu um "aplicativo para marcar consultas que será desenvolvido ainda antes da posse".

Leprevost propõe entregar aos pacientes um cartão que irá armazenar o histórico médico, ligado a um aplicativo para celulares que permitirá acompanhar, em tempo real, o período de espera em unidades de saúde.

"Aplicativo para marcar consultas é um paliativo. A fila por consultas existe por problemas de gestão e falta de integração entre serviços municipais e estaduais. Em Curitiba, as unidades básicas são municipais, mas o Hospital de Clínicas tem gestão federal e convênio com o Estado. A mesma situação se dá em outros hospitais filantrópicos", afirma Wagner Campos.

"Também carecemos de critérios bem definidos para encaminhamentos a especialistas. Nos países que usam sistemas semelhantes ao SUS, é preciso antes ir ao clínico geral ou ao serviço de urgência para chegar ao especialista. Não é só ter uma dor no peito e resolver ao cardiologista", opina o professor da Unicamp.

"O uso de aplicativos é um avanço, mas não resolve o problema em termos absolutos. Um dos problemas do sistema de saúde é a comunicação com o usuário", afirma Raggio. "O perigo é isso virar panaceia. Não se pode superestimar o alcance. O que causa a fila é o modelo operacional do sistema. Fomos formados numa perspectiva de que é preciso consultar o especialista para tudo. A principal medida [para enfrentar as filas], a meu ver, é dar condições de trabalho às unidades com profissionais generalistas."

Já o cartão prometido por Leprevost é "inútil", segundo Campos. "Já existe o cartão do SUS. Só não existe o sistema. Fazer outro cartão é gastar mais dinheiro sem resolver o problema. Tem que investir no sistema informatizado do SUS. Esse sistema deveria ser unificado, não resolve cada prefeitura ter um", diz.

"Resolver isso demanda gestão. Não custa muito dinheiro, mas envolve sinergia e maturidade política entre os três entes federativos. Com tudo isso, levaria uns dois anos para ser implantado", afirma o professor da Unicamp.

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