"É um escárnio ter um Romero Jucá no Conselho de Ética", diz Roberto Romano
À direta ou à esquerda do espectro político e partidário brasileiro, cientistas políticos ouvidos pelo UOL são unânimes em avaliar negativamente a escolha de réus em ações penais no STF (Superior Tribunal Federal) como integrantes do Conselho de Ética do Senado.
Nesta terça-feira (30), o Senado aprovou em plenário as indicações dos partidos políticos para 20 das 30 vagas no Conselho de Ética da casa. Entre eles, estão nove parlamentares investigados em pelo menos uma ação penal no STF. Três dos senadores respondem a processos na Operação Lava Jato: Eduardo Braga (PMDB-AM), Jader Barbalho (PMDB-PA) e o líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR). Apenas os dois últimos respondem a 15 investigações (oito de Jucá e sete de Jader).
O conselho é responsável por analisar eventuais denúncias por quebra de decoro parlamentar que podem levar à cassação do mandato e foi instaurado no Senado com três meses de atraso neste ano. A Rede Sustentabilidade já pediu abertura de processo contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) no conselho. Enquanto os trabalhos não começam, a polêmica da composição do conselho fez sua primeira vítima.
Indicado pelo PTB, o senador Telmário Mota (PTB-RR) desistiu do cargo, alegando as más companhias no colegiado. "Meu nome foi indicado pelo meu bloco, Bloco Moderador, para compor a Comissão de Ética, e eu comporia com a maior satisfação e honra", declarou o senador na quarta-feira (30) no plenário. "Entretanto, com essa composição, eu me recuso a fazer parte da referida comissão", completou. O próprio Mota, no entanto, é um dos réus no STF que foram indicados. O motivo não é corrupção, e sim violência doméstica contra a mulher. O senador nega.
Em meio à crise ética na política em geral e no Conselho de Ética do Senado em particular, as previsões que os cientistas políticos fazem para o Brasil são sombrias. Confira abaixo.
"A gente sempre se engana quando acha que chegou no fundo do poço"
Roberto Romano, professor de ética e política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
"Ali temos um retrato fidedigno do que é o Congresso Brasileiro. Esse Conselho de Ética é um anacoluto do Senado. Exprime de forma clara os traços éticos e políticos dos parlamentares: legislam em causa própria, operam ao arrepio da moral da sociedade e viram as costas para a opinião pública. A ética dos políticos que temos no Congresso é essa. Não ligam para o país e as pessoas. No Brasil, onde tudo é tão desigual, a figura do favor ganhou uma função central na sociedade. Quando alguém usa o clássico 'você sabe com quem está falando?', reivindica a rede de favores políticos, econômicos e sociais a que ele tem direito. É o contrário do 'quem você pensa que é?', que os norte-americanos usam para lembrar alguém que não é melhor ou diferente que ninguém. O político brasileiro opera nesse universo do favor. Faz favores para ele, família, amigos e até adversários, já que se protegem mutuamente contra o restante da sociedade. Esse Conselho de Ética representa o pior tipo de ética que temos no Brasil. A sociedade tem evoluído, mas a política não. Quando legislam em causa própria, os parlamentares o fazem à revelia da maioria da população. No geral, eles não estão no Congresso para garantir a democracia, estão lá para se proteger e prosperar pessoalmente, não para representar a população. A política virou um meio de ascensão social e econômica.
Quando chegamos a uma situação limite, procuramos um salvador da pátria: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Dutra, militares, Lula... A máquina continua funcionando igual e sendo corrupta, e mais cedo ou mais tarde o salvador é exposto. O presidencialismo de coalizão é corrupção pura e simples. A própria base do sistema político brasileiro é a corrupção. Esse problema não é uma exclusividade brasileira, e nem acredito que o Brasil seja o campeão mundial disso, mas aqui a cultura da punição, do combate, ainda é muito nova incipiente. O novo Conselho de Ética até pode emitir pareceres e decisões corretos tecnicamente, mas vai faltar legitimidade ao conselho. Imagine a situação de um senador honesto sendo julgado por qualquer motivo por colegas corruptos ou suspeitos de corrupção. Vai ser surreal, cadê a ilibada reputação? Todo mundo é inocente até que se prove o contrário, mas como você vai aplicar uma lei que você é suspeito de não cumprir? É um escárnio ter um Romero Jucá no Conselho de Ética, mesmo que ele seja inocente. A gente sempre se engana quando acha que chegou ao fundo do poço."
Procurada pela reportagem para comentar a indicação e as críticas, a assessoria de imprensa do senador Romero Jucá não atendeu nem retornou as ligações.
"O Brasil é mesmo o país da piada pronta"
Fernando Abrucio, professor de ciências políticas e coordenador do mestrado e doutorado em administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas
"O Brasil é mesmo o país da piada pronta. Isso demonstra o quanto a classe política nacional está de costas para a sociedade. Vivem em uma bolha sem entender o quanto a sociedade os rejeita e este tipo de prática. É uma contradição enorme: eles abraçaram uma agenda moderna, de reformas econômicas, e colocam isso como salvação do país. Como se com isso fossem capazes de escapar incólumes, escondidos embaixo do pacote de reformas. A bandeira esconde os políticos e um sistema político carcomidos, datados, sem nenhum compasso com os anseios das pessoas. Até quando vai durar esta esquizofrenia? Uma agenda política de modernização tocada pelo que há de mais velho, arcaico e errado. Essa oligarquia política autocentrada e patrimonialista tentando impor mudanças legislativas profundas ao país, carecendo de legitimidade para tanto, é uma bomba relógio para o país e só aprofunda o fosso entre os políticos e a sociedade. Neste cenário, é natural que eles se fechem em si mesmos e tentem de qualquer forma se proteger."
"Essa situação no Conselho de Ética não surpreende"
Francisco Fonseca, professor de ciências políticas da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e da Fundação Getúlio Vargas
"Essa situação no Conselho de Ética não me surpreende por que a política brasileira vive em estado de exceção. Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a tomada do poder pelo grupo político que aí está no comando, criou-se uma ruptura e um abalo institucionais que culminaram na completa falta de legitimidade dos governantes que temos hoje. Eles não governam para ninguém fora eles mesmos e um pequeno grupo econômico forte que ainda os apoia. A principal intenção do grupo político que tomou o poder sempre foi se proteger contra investigações e punições desde o começo. Essa decisão dos partidos de indicar suspeitos para o Conselho de Ética é simplesmente mais um passo nesse sentido, nessa estratégia.
Por outro lado, temos as distorções provocadas pela Operação Lava Jato, que distorce a ordem jurídica institucional ao prender sem provas e direcionar suas investigações. É uma verdadeira Inquisição. O fato de alguém ser citado ou suspeito na Operação Lava Jato de Curitiba não quer dizer nada por si só. As delações dos irmãos Batista desmoralizaram a Operação Lava Jato em Curitiba. Você pega o Aécio e pessoas ligadas a ele, por exemplo. Já havia sido delatado na Lava Jato diversas vezes, sem que fosse efetivamente investigado. Foi só a denúncia ser feita em outra esfera, na PGR e no STF, que em cerca de um mês ele foi afastado do mandato, dada a quantidade de provas que parece haver contra ele.
Mas mesmo a presunção de inocência tem limites. Terem a coragem de indicar o Romero Jucá para um conselho de ética é demais. Por mais que possa ser inocente, parece demais não ser e, já que é assim, mais adequado seria esperar a conclusão dos processos e investigações fora de um lugar tão emblemático. A indicação de nomes assim mostra a importância desse conselho. Está aparelhado pelo mesmo grupo político que articulou o impeachment, que para mim foi um golpe, que dá suporte ao governo e quer se proteger."
"Não tenho nem o que dizer. Procurar alguém íntegro e ético hoje na política é quase irreal"
Paulo Kramer, professor licenciado de ciências políticas da UnB (Universidade de Brasília)
"Não tenho nem o que dizer. Hoje tudo está subordinado à imensa crise política no país. Procurar uma lanterna de Diógenes, alguém íntegro, ético, hoje é quase irreal. Dado que são as relações patrimonialistas que regem as relações políticas no Brasil, é natural que chegássemos a essa situação onde não sobra quase nenhum político para servir de exemplo. Os parlamentares são meros coadjuvantes. Com a chegada do 'lulopetismo' ao poder, em 2003, essa dinâmica se agravou. Antes tínhamos uma corrupção artesanal, digamos, que virou algo industrial. Antes os políticos roubavam para enriquecer, e com o PT passaram a roubar para perpetuar-se no poder indefinidamente. Neste cenário, o papel dos parlamentares virou de coadjuvante. Então o 'lulopetismo' levou o modelo do presidencialismo de coalizão ao limite.
O que era normal agora não funciona mais, e ainda não sabemos no que essa instabilidade toda vai dar. Enquanto isso, os políticos vão tentando sobreviver, como sempre. Outra coisa: sinceramente, qual é o senador que pode dizer hoje que é 100% ético para estar lá? Fica complicado, não tem muita opção. Além do que, no meio dessa crise política e econômica, o que eles fizerem lá vai ter uma repercussão menor. A grande limpeza entre os parlamentares vai acontecer pelas mãos da polícia e Justiça e por meio das eleições do ano que vem. Acredito que boa parte deles já não volta para Brasília a partir do ano que vem. Temos que ver se vai melhorar ou não."
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