Bolsonaro fala que 64 não foi golpe porque "ele não estava lá", diz FHC
Mirthyani Bezerra
Do UOL, em São Paulo
05/04/2019 14h35
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez (PSDB) piada hoje com as declarações que vêm sendo dadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que a atuação das Forças Armadas em 31 de março de 1964, que depôs João Goulart, não foi um golpe militar.
O tucano afirmou hoje que Bolsonaro nega o golpe porque "ele não estava lá". A declaração ocorreu em uma explanação histórica sobre a construção da democracia brasileira durante a Brazil Conference, na Universidade de Harvard (EUA).
"Veio 64, outro golpe militar. Agora não pode dizer golpe, o presidente agora disse que não foi. É porque ele não estava lá", disse FHC, sendo aplaudido pela plateia.
O ex-presidente foi questionado durante painel intitulado "Democracia: crise ou amadurecimento" sobre sua visão a respeito da democracia brasileira. Evitou fazer críticas diretas ao governo, mas disse que sempre há riscos internos para a democracia, e que o poder Executivo não tem cumprido seu papel moderador.
"Há tendências do Congresso de ocupar espaços, o Executivo de não entender a sua função de moderador. [No Brasil] O Judiciário tem entendido seu papel", disse.
As declarações foram feitas um dia depois de uma série de tuítes críticos a Bolsonaro feitos pelo tucano, que disse que o presidente "confunde os autoritarismos": "chama os nazis de comunistas".
Hoje, FHC voltou a dizer que faltam projetos para o Brasil e, sem mencionar Bolsonaro, questionou: "qual a nossa estratégia".
"O que nos falta é ter um projeto, um rumo para o país. A China sempre teve estratégia, qual é a nossa?
O ex-presidente afirmou ainda não acreditar que o Brasil está sob o risco de voltar a ser um país governado por um regime autoritário, apesar da grande quantidade de militares dentro do poder Executivo no governo Bolsonaro.
"A imprensa está aí, há liberdade, não temos ameaça das Forças Armadas. Temos muitos militares no poder, é verdade, mas não temos a corporação querendo mandar, como tinha em 1964. Não tem a ideologia, a concepção do militar", disse.
FHC sobre impeachment: Lula era trabalhador
Durante o painel, Fernando Henrique Cardoso também afirmou que eleger democraticamente seus representantes é algo novo no Brasil. Disse que sucessivos impeachments deixam marcas na democracia e, bem humorado, fez piada que "tinha escapado".
"Collor [primeiro presidente eleito diretamente pós-1964] sofreu o impeachment, depois veio eu. Não dá mais para sofrer impeachment, eu estou fora, escapei", disse, arrancando risos da plateia.
No auge da crise do mensalão, também se ventilou a possibilidade de impeachment do sucessor dele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas FHC foi contra se posicionando publicamente e evitando, à época que a oposição conseguisse levar a proposta adiante.
Sobre isso, FHC disse que "havia razões para", mas que Lula era um homem trabalhador que virou presidente e isso traria marcas para a democracia brasileira.
"[Com impeachment] o governo para de governar. No caso do Lula eu me opus ao impeachment, havia razões para. Eu me opus por motivos históricos. Eu pensei 'meu Deus do céu, o homem é trabalhador, primeiro presidente de sindicato, agora presidente da República, fica a marca na história'", afirmou.