Topo

Choro e espírito de reconstrução: a força-tarefa para reerguer o Congresso

Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

22/01/2023 04h00

Agachada no chão do prédio principal do Congresso Nacional, a chefe do serviço de preservação da Câmara dos Deputados, Gilcy Rodrigues, procurava fragmentos de objetos de arte quebrados em meio a estilhaços de vidraças, bolinhas de gude e garrafas de água lançadas pelos terroristas que invadiram os prédios dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

Era uma cena de guerra. Nessa hora, não importava o cargo, todo mundo que era cidadão entrou no salão para salvar o palácio"

Passadas duas semanas desde a tentativa de golpe, trabalhadores que ajudaram a reconstruir os espaços relatam desolação, adrenalina e alívio. O primeiro deles, relatam, foi no dia seguinte aos ataques, com a primeira sessão realizada na Câmara dos Deputados para aprovar o decreto presidencial sobre a intervenção federal no Distrito Federal.

Relacionadas

Gilcy manuseia vasos quebrados em ataques antes de começar trabalho de restauração Imagem: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Gilcy chegou ao Salão Verde às 7h30 da segunda-feira (9) para começar a restauração das peças. "Quando se trabalha há muito tempo em um lugar e sua função é preservar a memória desse espaço, é como se uma parte da gente tivesse sido atacada". A chefe do serviço de preservação lembra que ela e a equipe não tiveram tempo para sentir ou pensar no que havia ocorrido. "Como brasiliense fiquei muito triste. Quando se destrói um bem que conta a história de um local, se danifica toda a memória."

"É tanta adrenalina que a primeira coisa que fiz foi ver o que estava estragado para recuperar", afirmou o arquiteto Ricardo André, diretor substituto do Departamento Técnico da Câmara dos Deputados. "Mas a sequência dos fatos se perde, ainda tenho lapsos de tempo. Fui pragmático para identificar os danos e resolver."

Responsável pela limpeza, a diretora Marisa Seixas Prata, 59 anos, diz que havia um clima de colaboração, com pessoas se voluntariando para a limpeza.

Vi vários trabalhadores chorando, mas com um espírito de reconstrução. É a nossa forma de proteger a democracia."

Marisa Prata coordenou operação de limpeza composta por 200 profissionais Imagem: Bruno Spada/ Câmara dos Deputados

Depois do choque, a reconstrução

Marisa mora a nove quilômetros do Congresso. Às 6h da segunda-feira (9), estava nos salões para a operação de limpeza. Por volta das 8h, a diretora diz que os funcionários puderam, de fato, começar o trabalho.

A parte mais difícil foi esperar o momento de começar o trabalho. Em junho de 2013, quando manifestantes invadiram as áreas externas do Congresso, ela lembra que o grupo de profissionais de plantão, composto por 10 pessoas, foi suficiente para fazer a limpeza do prédio.

Desta vez, tapetes, de até 11 metros de diâmetro, normalmente carregados por 10 homens, tiveram de ser levados por pelo menos 20 pessoas e sem o funcionamento dos elevadores. "Metade do Salão Verde estava alagada, a gente trabalhava de um lado fazendo a aspiração, de outro lado, lavando o carpete. Tudo ao mesmo tempo", afirma.

Um dos que chegou ao edifício principal do Congresso no domingo, Ricardo conta que os ambientes estavam contaminados com gás de pimenta.

Fiquei no Anexo 2 porque não conseguia respirar. Vi um casal que se dirigia ao painel da [Marianne] Peretti para pendurar uma faixa. Nesse ímpeto de proteger o patrimônio, parti para cima deles para impedir que chegassem perto"
Ricardo André, arquiteto e diretor substituto do Departamento Técnico

Arquiteto Ricardo André no jardim de inverno do Salão Verde da Câmara, um dos locais invadidos Imagem: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Por volta das 17h45, quando a invasão havia sido contida, ele relata que pode ver as obras danificadas. Ele diz ainda que pediu aos plantonistas para acenderem as luzes para entender a dimensão dos danos e verificar se havia algum golpista escondido.

Só às 22h, ele deixou o prédio. "Cheguei em casa com a cabeça latejando, tomei um remédio e dormi pesado até 6h."

Na segunda-feira, Ricardo reuniu a equipe para retirar estilhaços de vidros e, na sequência, recompor o plenário. A partir da terça-feira, com as áreas principais recuperadas, o trabalho passou a ser reverter os danos considerados secundários —como os reparos de vidros, que até hoje continuam sendo feitos.

O alívio

Cada objeto recuperado, diz Gilcy, é uma vitória. De acordo com a chefe do serviço de preservação, 60% das peças estão prontas para voltarem aos salões. "No primeiro dia, tivemos que trabalhar com rapidez e técnica", diz ela.

A recuperação começou pelos objetos menos danificados. Agora, a equipe de 11 pessoas, trabalha para reconstruir os objetos mais comprometidos. "Os vasos despedaçados, que recuperamos os fragmentos, ficaram por último pela dificuldade."

Integrante da equipe de preservação reconstrói vaso quebrado durante invasão Imagem: Bruno Spada/ Câmara dos Deputados

Em quase três décadas à frente dos trabalhos na Câmara, Gilcy diz que o momento é sem precedentes.

A história é complexa, é difícil ter certeza de que não se repetirá."

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Choro e espírito de reconstrução: a força-tarefa para reerguer o Congresso - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Política