Políticos admitem indicações, mas dizem desconhecer orçamento paralelo
Do UOL, em Brasília e no Rio
18/09/2023 04h00Atualizada em 18/09/2023 16h53
Parlamentares que direcionaram verbas do Ministério da Defesa a obras em seus redutos eleitorais admitiram, em sua maioria, que indicaram o destino dos recursos, mas não detalharam como isso foi feito.
Sem planejamento baseado em critérios socioeconômicos, como exige a lei, R$ 1 bilhão receberam o carimbo de 23 políticos como se fossem emendas parlamentares nos anos de 2021 e 2022. Os nomes deles aparecem em uma tabela do Ministério da Defesa, que o UOL obteve via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Esse dinheiro foi injetado no programa Calha Norte, do Ministério da Defesa, por meio de remanejamentos do orçamento feitos na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Veja o que dizem os parlamentares e o Ministério da Defesa:
Ministério da Defesa
Ao UOL o general de divisão Ubiratan Poty, que comanda o Calha Norte desde o início do governo Bolsonaro, admitiu o caráter político da distribuição de verbas. "Isso [os recursos com o carimbo de políticos] foi [definido] através de documentos específicos lá do Congresso", afirmou o militar.
O ministério confirmou que os nomes dos padrinhos políticos das obras não são divulgados. Segundo a pasta, não há obrigação legal. Poty disse que é "do momento político" a forma como as verbas são distribuídas já que, segundo ele, o ministério não controla o destino dos recursos. "O programa Calha Norte não forma políticas públicas. Ele executa políticas."
A Defesa também afirmou que tem uma equipe de 180 colaboradores atuando na análise e fiscalização dos convênios, fazendo inclusive vistorias em obras em locais de difícil acesso na Amazônia.
General Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil
Após a publicação desta reportagem, o general Braga Netto, então ministro da Defesa, afirmou em suas redes sociais que "não houve qualquer 'manobra' com verbas do Programa Calha Norte para favorecimento político partidário".
"Enquanto estive à frente do Ministério da Defesa, todos os repasses passaram por uma análise criteriosa do departamento responsável pelo programa, seguindo os princípios fundamentais de legalidade, probidade e responsabilidade pública", afirmou ele, que fora procurado pelo UOL por 20 dias antes da publicação da reportagem.
Braga Netto disse também que "além de suas atribuições relacionadas à defesa nacional, o Programa Calha Norte também busca promover o desenvolvimento em áreas cruciais, tais como: educação, esporte, saúde, assistência social e crescimento econômico". Segundo ele, o Calha Norte "desempenha um papel essencial não apenas na segurança do país, mas também no avanço e bem-estar das comunidades das regiões atendidas".
Davi Alcolumbre (senador, União Brasil-AP)
O senador se pronunciou por nota enviada por sua assessoria de imprensa:
"Davi Alcolumbre esclarece que desconhece qualquer sistema paralelo de distribuição de recursos no âmbito do Ministério da Defesa.
Ressalta ainda que os recursos investidos pelo ministério em obras e projetos desenvolvidos tanto nos municípios quanto no Governo do Estado do Amapá sempre contaram com seu legítimo apoio na qualidade de senador, seguindo os critérios legais e transparentes estabelecidos pelas normas que tratam dessa matéria, com execução disponibilizada no portal "Transferegov", ferramenta integrada e centralizada, com dados abertos, destinada à informatização e à operacionalização das transferências de recursos oriundos do orçamento fiscal e da seguridade social da União.
Mais uma vez o senador reafirma que seguirá trabalhando incansavelmente a fim de garantir o máximo de investimentos possíveis ao Amapá".
Omar Aziz (senador, PSD-AM)
Omar Aziz e seu gabinete disseram que os recursos são emendas da bancada do Amazonas para pavimentação de estradas vicinais no interior do estado.
De acordo com os assessores de Aziz, essas obras são de "extrema importância para o escoamento da produção" e para o deslocamento da população em busca de serviços públicos de outras regiões.
NOTA DA EDIÇÃO: Nos sistemas públicos de transferências de recursos da União, não há código de identificação da verba como emenda de bancada. O Ministério da Defesa admitiu que se trata de dinheiro próprio da pasta indicado por parlamentares.
Chico Rodrigues (senador, PSB-RR)
Rodrigues se pronunciou por nota enviada por sua assessoria de imprensa.
"O senador destinou recursos do orçamento para atender várias demandas de municípios de Roraima. Os referidos recursos, são frutos do trabalho do senador junto aos ministérios, já que o Estado sofre uma séria crise migratória de venezuelanos, sobrecarregando de sobremaneira todas as áreas de infraestrutura."
Hugo Leal, (deputado licenciado, PSD-RJ)
Leal, que foi relator-geral do orçamento em 2022, afirmou que foi procurado no fim do ano passado por representantes do Ministério da Defesa preocupados com a insegurança jurídica gerada após a decisão do STF que proibiu as emendas do "orçamento secreto".
Ele disse que a pasta perguntou se ele veria problemas em ter seu nome relacionado aos recursos que eram do "orçamento secreto" e foram transformados em verbas do próprio ministério. Leal concordou por acreditar não haver ilegalidade na mudança.
O deputado atualmente está licenciado da Câmara, pois atualmente é secretário estadual de Energia e Economia do Mar do Rio de Janeiro.
Eduardo Gomes (senador, PL-TO)
O ex-líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso disse que os critérios técnicos foram seguidos e com a orientação do Ministério da Defesa. "As verbas seguiram o critério de implantação do programa no estado, segundo a diretoria do Calha Norte", afirmou. "Houve dois seminários com os prefeitos junto com a Associação Tocantinense dos Municípios."
Nelsinho Trad (senador, PSD-MS)
Trad e sua assessoria disseram ao UOL que fizeram emendas de comissão em 2021 para obras de iluminação em cidades do interior do Mato Grosso do Sul, usando os recursos do Calha Norte.
No entanto, depois de as emendas serem feitas, técnicos do Ministério da Defesa procuraram o gabinete e disseram que aqueles projetos não poderiam ser atendidos porque eles tinham outras prioridades, segundo relataram o senador e sua equipe.
No ano seguinte, os recursos foram empenhados e, de acordo com o sistema que registra os gastos do governo federal (Siafi), os projetos foram carimbados como orçamento comum do Ministério da Defesa.
Trad disse ao UOL que não sabe dizer por que seus pedidos de obras foram tratados como recursos do orçamento comum do ministério e, internamente, a Defesa os relacionou como emendas do senador.
"Para mim, o que importa é a minha emenda sair. Ponto. E dentro da lei. Tem o caminho certo para seguir", disse Trad. Segundo ele, apesar dos empenhos, nenhum centavo foi desembolsado até hoje para começar a instalação da iluminação nas cidades do interior.
Jayme Campos (senador, União Brasil-MT)
A assessoria do senador Jayme Campos afirmou que os recursos fazem parte de pedidos que ele fez. "Informa que apresentou solicitação ao Orçamento do Ministério da Defesa para construção de duas pontes, através do Programa Calha Norte."
Os pedidos eram de duas pontes, nas rodovias MT-241 e MT-198, de R$ 12 milhões e R$ 8 milhões, respectivamente. "Os pleitos foram apresentados para serem contratados em convênio com o Governo do Estado. Em articulação política junto aos órgãos ministeriais, foram devidamente empenhados e aguardam conclusão do projeto executivo."
Carlos Fávaro (PSD-MT)
O senador e atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD-MT) não prestou esclarecimentos. O espaço está aberto.
Professora Dorinha Seabra (senadora, União Brasil-TO)
Dorinha Seabra afirmou ao UOL que não sabia que verbas de projetos seus estavam marcadas como orçamento próprio do Ministério da Defesa. Dorinha também disse não saber por que alguns parlamentares obtinham mais recursos que outros, como ela. "Nós somos pobres, né?", brincou.
Plínio Valério (senador, PSD-AM)
"Foram indicações extra orçamentárias do senador, em atendimento a pleitos recebidos dos municípios", afirmou sua assessoria.
Lucas Barreto (senador, PSD-AP)
O senador afirmou ao UOL que não sabia que seus pedidos de recursos haviam sido registrados como recursos próprios do Ministério da Defesa no final de 2022.
Ele afirmou que levou prefeitos até a pasta para obter recursos originários de suas emendas. "A gente conseguiu levando o prefeito. O prefeito é que fazia a solicitação, não era nem eu", afirmou Barreto. "Eu dava acesso ao prefeito. Até agora não pagaram nada."
Parlamentares procurados que não responderam:
Os senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR), Marcos Rogério (PL-RO), Eduardo Braga (MDB-AM), Sérgio Petecão (PSD-AC) e os ex-senadores Acir Gurgacz (PDT-RO), Mailza Gomes (PP-AC) e Kátia Abreu (MDB-TO).
Os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), Nicoletti (União Brasil-RO), Carlos Henrique Gaguim (União Brasil-TO) e Joaquim Passarinho (PL-PA).
O ex-deputado Expedito Netto (PSD-RO).
O espaço segue aberto caso os parlamentares e ex-congressistas queiram prestar esclarecimentos.