RJ vai pagar R$ 2,5 mi a empresa de ex-assessor do governo por jogo digital
O governo do Estado do Rio de Janeiro vai pagar R$ 2,5 milhões a uma empresa que tem entre os sócios um ex-assessor da Secretaria da Casa Civil.
O que aconteceu
A Secretaria Extraordinária de Representação do Governo do Rio em Brasília contratou a Triunfo Educacional, que tem como sócio Vanderlan Ribeiro Vieira, para fornecer um jogo digital educativo. O contrato foi assinado em 22 de dezembro e publicado no Diário Oficial.
Relacionadas
Vieira teve cargos de assessor e subsecretário de Logística da Secretaria da Casa Civil entre novembro de 2019 e abril de 2021. À época, quem comandava a pasta era o ex-deputado federal André Moura (União Brasil-SE), que atualmente é o titular da Secretaria de Representação do Governo em Brasília.
Em nota, a pasta afirmou que "todos os procedimentos legais foram adotados" na contratação. "Em relação ao ex-servidor Vanderlan Ribeiro Vieira, foi respeitado o período de quarentena — de seis meses após seu desligamento da Casa Civil — conforme estabelecido pela Lei Federal nº 12.813/2013".
A Triunfo também negou, por email, qualquer irregularidade ou relação do cargo anterior de seu sócio no governo com a contratação. "Obviamente, não houve qualquer interferência do secretário [André Moura] na contratação realizada pela secretaria, afinal, isso é proibido por lei".
O contrato com a Representação do Governo do Rio em Brasília prevê a aquisição de mais de 6.000 licenças do software do jogo educacional, ao custo de R$ 399 cada.
A Triunfo foi fundada há pouco mais de um ano, em julho de 2022. Além de Vanderlan Ribeiro Vieira, tem como sócia Aline Faria Lopes.
Governo não fez licitação própria
Os trâmites para a contratação da Triunfo começaram em junho, mas se intensificaram em outubro. Apesar de inicialmente o governo ter sinalizado que faria uma licitação própria, realizada online (pregão eletrônico), isso não ocorreu.
No processo administrativo, que reúne todos os documentos da contratação e está disponível ao público no site do governo do Rio, há apenas uma pesquisa de preços com três empresas sediadas em Brasília. Esse tipo de levantamento costuma servir como base para se estabelecer um valor médio de mercado a ser usado como parâmetro numa futura licitação.
Nessa pesquisa, a Triunfo foi a que ofereceu o valor mais barato, de R$ 2,5 milhões, para o fornecimento do jogo educativo digital. Ao oferecer a proposta de preço, a empresa apontou que tinha ganhado em janeiro deste ano uma licitação realizada pelo Cidrus (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Rural Sustentável), que reúne prefeituras do interior de Minas Gerais.
A secretaria fluminense optou por não realizar uma licitação própria, aderindo à que foi realizada em Minas. O pregão eletrônico do consórcio gerou a chamada ata de registro de preços, que permite que outros entes públicos peguem uma "carona" e também contratem a empresa pelo mesmo valor — o que foi aceito pelo governo do Rio.
Conteúdo diferente
A licitação que a Triunfo ganhou em Minas Gerais era relativa a um conteúdo diferente do que o pretendido pelo governo do Rio. O consórcio Cidrus contratou o jogo digital para uso escolar, de apoio à aprendizagem de disciplinas como história, língua portuguesa e matemática.
Já a Secretaria de Representação do Governo do Rio irá utilizar o jogo para ensino a distância sobre orçamento público, voltado para servidores estaduais e municipais. O objetivo, segundo a pasta, é a capacitação para melhorar a captação de recursos da União.
A secretaria não comentou sobre a diferença em relação ao conteúdo da licitação do consórcio mineiro.
A Triunfo disse que "não será problema a adaptação do conteúdo, pois a plataforma é totalmente adaptável e o conteúdo pode ser fornecido de acordo com a demanda necessária do cliente".
Site fora do ar
O UOL apurou que a licitação realizada pelo consórcio Cidrus, que tem sede na cidade mineira de Candeias, foi realizada em um site que está atualmente fora do ar: canaldelicitacoes.com.br. Com isso, não é possível saber quais foram ou se houve concorrentes da Triunfo na licitação.
A reportagem procurou o consórcio por telefone e por email, mas não houve retorno. Os documentos que constam no site do Cidrus não trazem detalhes sobre concorrentes, apenas um resumo com o resultado da empresa vencedora.
A Triunfo disse que concorreu com outras firmas — sem especificar quais foram. "Para resposta mais precisa, sugiro entrar em contato com a gestão da plataforma de licitação", afirmou. A plataforma, porém, não está funcionando.
O UOL também questionou o governo do Rio sobre o fato de ter aderido a uma licitação realizada em uma plataforma que não está mais no ar. Em nota, a assessoria afirmou que a decisão é legal.
A ata de registro de preços é uma modalidade licitatória, prevista na legislação brasileira, portanto, sua utilização está respaldada legalmente. (...) É publicada no Diário Oficial e fica disponível para consulta de todos os interessados, o que garante a transparência, igualdade de oportunidades e a ampla concorrência entre os fornecedores.
Secretário já foi condenado, mas pena foi extinta
Titular da pasta de Representação do Governo do Rio em Brasília, Moura foi líder do ex-presidente Michel Temer (MDB) no Congresso Nacional. Apesar de ser de Sergipe, desde 2019 ele atua no governo fluminense, onde chegou logo no início da gestão de Wilson Witzel, que foi afastado após processo de impeachment.
Em 2021, Moura foi condenado pelo STF a oito anos e três meses de prisão por desvios de verbas públicas na Prefeitura de Pirambu (SE), durante a gestão de seu antecessor e aliado, Juarez Batista dos Santos (entre 2005 e 2007). Por causa da condenação, acabou não tentando uma volta ao Congresso no ano passado, mas emplacou a filha Yandra Moura (União Brasil-SE) como deputada federal.
Este ano, o Supremo homologou um acordo do ex-deputado com o Ministério Público Federal que culminou com a extinção da pena.