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Viagem aos EUA e desvios: a briga no Cidadania por fundo de R$ 87 milhões

16.nov.2023 - O deputado Alex Manente (Cidadania) teve viagem aos EUA com esposa custeada com verba pública; integrantes do partido fizeram denúncia à PGR Imagem: Reprodução/Rede Social Alex Manente

Do UOL, em Brasília

14/04/2024 04h00

A disputa pelo comando de um fundo eleitoral de R$ 87 milhões fez recrudescer o racha no Cidadania em ano de eleições municipais e agora gera denúncias de desvios de verba pública no partido.

O que aconteceu

A briga no partido de centro-esquerda envolve troca de acusações de desvios de verbas públicas em meio a queixas sobre a divisão de recursos para financiar campanhas a prefeito. Na base do governo Lula (PT), o Cidadania é o antigo PPS, herdeiro do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

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Denúncia feita à PGR (Procuradoria-Geral da República) por integrantes do próprio partido relata que o deputado Alex Manente (SP), líder do Cidadania na Câmara, recebeu verba pública do Cidadania e da Câmara para custear passagem aérea em viagem aos EUA com a esposa. Ele nega irregularidades.

Outro relatório, desta vez encaminhado ao partido, aponta suspeitas de irregularidades sob a gestão de Alex Manente como tesoureiro. Segundo documento assinado por integrantes do Conselho Fiscal, R$ 2,9 milhões foram gastos sem finalidade partidária, e R$ 691 mil, pagos a destinatários não identificados.

O grupo quer que as contas do Cidadania sob Manente sejam investigadas. "É esse relatório que ele [Manente] tem que explicar", disse o ex-tesoureiro Régis Cavalcante, atual secretário-geral do Cidadania.

Ao UOL, Manente —que é pré-candidato a prefeito de São Bernardo do Campo (SP)— atribui as acusações a uma suposta retaliação por ele ter cortado gastos e afirma que agora as contas do partido estão em ordem.

Por sua vez, ele acusa o ex-deputado Cavalcante —tesoureiro do Cidadania entre 2002 e 2022— de gastar R$ 15,8 milhões do fundo partidário com "despesas não comprovadas". Segundo Manente, outros R$ 591 mil não tiveram a origem identificada. "Foi ele [Cavalcante] quem pagou. Não precisa buscar culpados."

O ex-deputado federal Roberto Freire, afastado no ano passado da presidência do partido após 30 anos no posto, disse ao UOL que a crise deflagrada por suspeitas de desvios foi um dos motivos que culminaram em sua saída. O afastamento também teve relação com o movimento de apoio a Lula —a maior parte defendeu a ida do Cidadania para a base do governo, enquanto Freire e Manente queriam a independência.

São R$ 15 milhões sem comprovação, sem nota [fiscal]. Foi para onde esse dinheiro? Vamos buscar. Primeiro, o [ex] tesoureiro Régis Cavalcante. Ele era o responsável. À época, mostrei ao presidente [Roberto] Freire, e houve aí a grande cisão no partido. Aí começou a derrubada do Freire porque ele começou a querer enfrentar esse sistema.
Alex Manente, tesoureiro e líder do Cidadania na Câmara

Eu desafio o tesoureiro [Alex Manente] a apresentar um documento de que eu desviei R$ 15 milhões. O ônus da prova cabe a quem alega. [...] Minha mulher não viajou por conta do partido, principalmente para o exterior.
Régis Cavalcante, ex-tesoureiro e atual secretário-geral do Cidadania

Foi necessário um processo de recuperação financeira muito drástico [...] Minha única preocupação é ver o partido fraturado e perdido.
Roberto Freire, ex-presidente do Cidadania

Viagem aos EUA com recursos públicos

Foi o próprio Manente quem autorizou a esposa dele, a psicóloga Mariana Manente, a acompanhá-lo em uma viagem de cinco dias ao Vale do Silício, na Califórnia (EUA), onde visitaram empresas de tecnologia em novembro de 2022.

O líder do Cidadania justificou a presença dela dizendo que Mariana desempenhava a função de coordenadora do núcleo de mulheres do partido no ABC paulista. A denúncia à PGR diz que:

Manente recebeu da Câmara valores para passagens aéreas e diárias da viagem aos EUA;

Ao mesmo tempo, o Cidadania pagou as passagens dele e da esposa para os EUA no mesmo período.

Faturas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que o partido gastou R$ 33 mil com a viagem dele e da esposa por uma agência de turismo de Santo André (SP) —R$ 29.378,98 em passagens e R$ 3.633,63 em hospedagens.

O deputado Alex Manente (Cidadania) e a esposa dele, a psicóloga Mariana Manente Imagem: Reprodução/Rede Social Alex Manente

Procurada, a assessoria da Câmara informou que passagens de ida e volta para a mesma cidade (São Francisco, nos EUA) foram emitidas pela Casa, mas foram canceladas. Parte das diárias pagas foi devolvida, segundo a Câmara.

Foram gastos, portanto, R$ 7.133 com o cancelamento das passagens —custeado com verba pública do chamado "cotão"— e R$ 11.754 com diárias, de acordo com dados da Câmara dos Deputados.

O total gasto com verbas públicas, do partido e do Legislativo, na viagem do casal foi de R$ 51,9 mil.

Manente disse que a esposa estava a serviço e que o casal não fez turismo.

A defesa do deputado negou duplicidade de pagamento porque ele mandou a Câmara cancelar os bilhetes pagos pelo Legislativo. A defesa também diz que ele usou o "cotão" para pagar a multa do cancelamento.

Manente mostrou documento em que devolveu meia diária à Câmara. Segundo a Casa, dos R$ 12.928,95 depositados na conta do parlamentar, ele devolveu R$ 1.174,86.

O processo na PGR corre em sigilo.

Cidadania perdeu R$ 35 milhões em verbas

Nos últimos anos, o TSE cortou ou obrigou o partido a devolver uma série de verbas, mostra levantamento do UOL em registros do tribunal. Na prática, foram perdidos R$ 35 milhões do fundo partidário entre 2016 e 2023 —quase um terço dos R$ 122 milhões que o Cidadania receberia.

No ano passado, a mordida do TSE foi proporcionalmente maior. O Cidadania perdeu R$ 10 milhões dos quase R$ 18 milhões previstos para receber. O motivo são multas e punições da Justiça Eleitoral por irregularidades em prestações de contas anteriores.

No mês passado, a ministra Cármen Lúcia e os demais ministros do TSE reprovaram as contas da sigla de 2018. Eles ordenaram que o partido devolva mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos. Houve R$ 33 mil recebidos de origem ignorada.

Entre os problemas identificados, estavam despesas irregulares com monitoramento de redes sociais e serviços advocatícios, gastos abaixo do previsto com promoção da participação política da mulher e notas fiscais genéricas.

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