Câmeras de PM têm risco de 'apagão' se Tarcísio não estender contrato
O sistema de câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo corre o risco de sofrer um "apagão" caso o governo não estenda o contrato das atuais fornecedoras do serviço, dizem especialistas consultados pelo UOL.
O que aconteceu
Há risco de interrupção do uso dos equipamentos a partir de junho, mesmo após novo edital publicado pelo governo paulista na última quarta (22). "Até agora não houve uma sinalização sobre um aditivo de contrato", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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O contrato com a atual empresa responsável por 3.125 câmeras vence no próximo dia 1º. O segundo contrato, que diz respeito à operação de cerca de 7.000 aparelhos, tem vencimento em 18 de julho. "O governo pode fazer um aditivo no contrato de seis meses, como foi feito em dezembro, para que continuem funcionando", afirma Samira.
Secretaria da Segurança Pública nega haver risco de "apagão" das imagens. A Polícia Militar disse que "não haverá interrupção no uso das câmeras operacionais portáteis em decorrência da vigência dos contratos atuais, já que eles podem ser prorrogados até a conclusão da nova licitação", diz nota enviada à reportagem.
Edital foi considerado vago por especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL. "O edital se ocupa apenas das especificações técnicas das câmeras. Falta a SSP explicar qual o objetivo dessa mudança", diz Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
O processo de análise e seleção dessas empresas é demorado, o serviço é complexo, não vai estar finalizado na semana que vem. Vão ter que aditar o contrato para garantir a continuidade do serviço. Se isso não for feito até 31 de maio, dia 1º as câmeras vão parar de funcionar.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Destruir as bases de um programa que foi instituído e deu resultados positivos dá a impressão que o governo tem razões ocultas. A aplicação de uma tecnologia com potencial tão grave de violação de direitos não pode deixar dúvidas sobre como vai funcionar.
Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
Mudanças trazem prejuízos à segurança pública
Hoje, a corporação tem 10.150 câmeras corporais que funcionam de forma ininterrupta. "A filmagem ininterrupta faz o PM ficar mais preocupado em cumprir o protocolo. Isso produz um volume imenso de imagens que pode subsidiar o Ministério Público, a Justiça. Na prática, trata-se de um equipamento que fortalece a proteção do policial", afirma Samira.
A Secretaria da Segurança Pública disse que os equipamentos passarão a ser acionados pelo próprio policial ou pelo Copom, o Centro de Operações da Polícia Militar. O secretário Guilherme Derrite afirmou, mais cedo, que haverá punição ao PM que não ligar o equipamento.
Estudos indicam, no entanto, que policiais não ligam o equipamento em todas as ocorrências. A diretora-executiva do Fórum cita uma pesquisa que analisou o comportamento de policiais do Bope, no Rio, e apontou que os agentes acionaram as câmeras em um terço das ocorrências. "Isso é uma economia para quem? Para a sociedade, isso não é positivo", comenta Samira.
Quantidade de equipamentos aumenta, mas há preocupação com qualidade da gravações. O edital prevê a substituição das câmeras existentes e a ampliação — em 18% — do número de equipamentos, chegando a 12 mil câmeras. Especialistas afirmam, porém, que muitas empresas responsáveis pelas câmeras não oferecem qualidade mínima necessária para garantir o serviço.
Especialistas dizem que editral reduz a obrigatoriedade da comprovação da capacidade técnica. Segundo a diretora-executiva do Fórum, a primeira licitação para contratação de câmeras, em 2020, exigiu das empresas participantes a comprovação de capacidade técnica de fornecimento de, no mínimo, 50% do objeto licitado — ou seja, as câmeras. Na prática, o edital previa a contratação de 2.500 câmeras e foi exigido que as empresas comprovassem capacidade técnica de fornecimento de ao menos 1.250 equipamentos.
O novo documento exige a comprovação da capacidade técnica do fornecimento de 500 câmeras. Isso significa que a exigência de habilitação técnica exigida é de 4% do objeto licitado. "Essa exigência garantia o bom uso do dinheiro público", diz Samira. "Estranha essa mudança em um momento que o governo diz estar aperfeiçoando o serviço."
Dados da plataforma Justa apontam que gastos com câmeras foram de R$ 93 milhões. O valor equivale a 0,7% dos gastos empenhados pela Polícia Militar. Ao considerar os gastos também da Polícia Civil, o valor gasto é de 0,47% dos gastos.
Documento deixa dúvidas sobre como a identificação de pessoas por meio de tecnologia será usada. "Não ficou claro porque haverá a inclusão desses algoritmos. ", afirma Nunes. No edital, o termo usado para reconhecimento é "analítico de imagens capazes de identificar pessoas".
Tanto Tarcísio quanto Derrite já criticaram o uso das câmeras corporais — mas o governo assumiu compromisso com o STF, em abril, de ampliar o programa. "O edital divulgado não só precariza um programa de sucesso, que tinha resultados positivos em São Paulo, como representa o cumprimento de promessa do Tarcísio de acabar com essa política", complementa Samira
As gravações não são apenas um instrumento da PM, são um patrimônio do sistema de Justiça em um país com baixa capacidade de elucidação de homicídios.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O que diz a Secretaria da Segurança
Edital foi estruturado a partir da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança de outros países, defende a SSP. "As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada."
Copom será obrigado a verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. A secretaria reforçou que, em caso negativo, "o dispositivo é acionado remotamente pela central de operações da PM". "O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema", diz a nota enviada à reportagem.
Imagens captadas poderão ser acessadas de forma imediata e ficarão armazenadas por tempo indeterminado. Atualmente, as 10.125 câmeras disponíveis cobrem 52% do trabalho operacional no Estado.
Pasta afirma que gravações ininterruptas violam privacidade de agentes. A secretaria, no entanto, não especificou quais seriam esses momentos. "Foi possível verificar que na gravação ininterrupta há indícios de violação de privacidade do agente policial, que tem seus momentos íntimos tratados como de interesse público, o o que fere a LGPD e prejudica a LAI", disse.