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Mulheres negras chefiam 27% das famílias, mas ganham só 16% dos rendimentos

A lavradora e doméstica Cristina Andrade não teve oportunidade de estudar, mas se desdobrou para conseguir manter o filho na universidade Imagem: Antonio Rodolfo Andrade

Laila Nery

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/05/2024 10h00Atualizada em 28/05/2024 13h08

Mulheres negras são mais suscetíveis a depender da renda de outras pessoas e têm menos possibilidade de estudo. Como consequência, metade delas depende de benefícios do governo.

O que aconteceu

Os dados fazem parte do relatório Desenvolvimento Humano no Brasil. O estudo foi divulgado hoje (28) pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

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Em 27,4% das famílias brasileiras, mulheres negras são as principais responsáveis pela renda da casa. O percentual só não é maior que o de homens negros, que chefiam financeiramente 28,6% dos lares.

Elas também representam a maior parcela da população: 29,5% do total. E são o maior grupo em idade economicamente ativa —trabalhando, em busca de trabalho ou apto a fazê-lo.

Em termos de comparação, superam homens e mulheres brancas. Homens brancos são 22,1% da população, e chefiam 23,2% dos lares, e mulheres brancas, que representam 19,3% da sociedade, chefiam 20,7% dos lares.

Por outro lado, mesmo com grandes responsabilidades financeiras, mulheres negras ainda têm a menor renda no Brasil. O estudo mostrou que elas ficam só com 16% dos rendimentos no país. O percentual considera rendimentos de trabalho, programas sociais, aposentadorias, pensões e outras fontes.

Em relação ao rendimento apenas do trabalho, a renda delas cai para 14% do total. O estudo ainda aponta que mulheres negras têm desvantagens na busca por emprego e utiliza o termo "exclusão" para explicar como funciona a busca delas por um trabalho com carteira assinada.

O relatório ainda destaca a importância dos programas sociais para a renda de famílias chefiadas por mulheres negras e seus impactos na economia. Elas recebem 46% desses recursos — mesmo assim, são insuficientes para reduzir as desvantagens às quais famílias chefiadas por mulheres negras estão submetidas, diz o estudo.

A participação das mulheres negras na força de trabalho do país é de 23,4% e na população ocupada é de 21,4%, sendo menor que a sua participação no total da população, isto é, 28,5%, o que evidencia um processo de exclusão. Essa marginalização também pode ser visualizada pelo sentido oposto, que espelha sua maior participação relativa na população fora da força de trabalho, correspondendo a 36,1%, e a 34,5%, na população desempregada.
Relatório Desenvolvimento Humano no Brasil, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Elas assumem múltiplas jornadas

Dona de casa, lavradora e empregada doméstica, Cristina Andrade, 49, sonha com o dia em que mudará de profissão. Agora, com dois filhos adultos e duas netas pequenas, ela vislumbra um futuro diferente para a sua família.

Ela ajudou o filho mais novo, de 26 anos, a conquistar o diploma de ensino superior. Formou-se em jornalismo na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). Também ajudou seu filho mais velho, de 31 anos, a abrir a própria empresa.

Cristina mora na zona rural de Mutuípe, município com pouco mais de 20 mil habitantes, no Vale do Jiquiriçá, interior da Bahia. A cidade não tem uma instituição de ensino superior. Para Cristina, o sonho de escolher a própria profissão nunca existiu, mas quando seu filho chegou em casa com a notícia de que queria estudar em uma universidade federal na cidade de Cachoeira, ela não teve dúvidas: ia dar um jeito. E deu.

Quando ele me falou 'mãe, eu passei na faculdade', a primeira coisa que eu fiz ao chegar em casa foi chorar e pensar: meu Deus, como eu vou mantê-lo em outra cidade?. Mas no dia seguinte eu levantei a cabeça e fui em busca do que eu poderia fazer.
Cristina Andrade

O relatório mostra que 46,5% dos benefícios do governo são destinados a mulheres como Cristina, cuja renda é insuficiente para demandas básicas. Trata-se, por exemplo, do programa Bolsa Família e do auxílio emergencial, pago durante a pandemia.

Cristina, porém, não recebe benefícios. Ela diz que tentou algumas vezes, mas eles foram negados pelo governo.

Para sustentar o filho em outra cidade, a baiana tentou fazer renda extra. "Passamos muita necessidade, ele lá e eu aqui. Foram anos de sacrifício, mas agora estamos começando a colher os frutos", diz.

Por um tempo, a prefeitura de Mutuípe conseguiu manter uma casa para os estudantes na cidade de Cachoeira, onde ele estuda. Eu pagava uma parcela do aluguel, a prefeitura, outra, mas foi por pouco tempo. Me vi tendo que custear um aluguel sozinha e abri mão de muita coisa para que o meu filho pudesse sonhar com os estudos e ter um futuro diferente do meu. Ainda é difícil, eu e ele nos esforçamos muito, mas para os meus netos vai ser diferente. Não é fácil para uma mulher preta, doméstica, manter um filho em uma universidade, mesmo que pública.
Cristina Andrade

O jovem foi apenas a segunda pessoa da família a ter ensino superior. Hoje, ele é empreendedor no ramo de cabelos afro e pesquisador. Com uma bolsa de mestrado, ajuda a mãe com as contas.

Pais mudam cenário de oportunidades dos filhos

De acordo com o relatório, mães como Cristina transformam o status socioeconômico do país, ao mudar o cenário de oportunidades para seus filhos. É um incentivo capaz de romper ciclos de pobreza, afirma.

Os pais, através das suas posições, ações e decisões, transmitem qualidades aos seus filhos que, em parte, vão determinar as oportunidades e as desvantagens dos indivíduos em termos de bem-estar pessoal. Isso porque o nível de instrução das crianças se correlaciona positivamente com o status socioeconômico dos pais.
Relatório Desenvolvimento Humano no Brasil, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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