Bolsonaro se manteve viável nas urnas com decisões de rivais, sugere livro
Não fosse o Brasil uma república em que o federalismo pode sobrepor decisões de um chefe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria se distanciado ainda mais do resultado que, por pouco, não o reelegeu em 2022. São conclusões que podem ser obtidas a partir da leitura de "Voto a Voto", de Maria Carolina Trevisan e Maurício Moura, da editora Telha.
Não que o tema do livro seja exatamente este. A publicação propõe que a derrota do candidato da situação dois anos atrás é baseada em cinco fatores: a derrocada mundial da estratégia antissistema que o elegeu em 2018, a gestão da pandemia de covid-19, a má avaliação do governo, os resultados econômicos e a resistência feminina.
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No entanto, para além dos culpados, dados inéditos do Instituto Ideia utilizados no livro mostram que Bolsonaro soube capitalizar decisões tomadas por outros entes da Federação — e, assim, tornar-se competitivo mesmo com todos os poréns elencados nos capítulos.
As blitze protagonizadas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em estradas federais em regiões mais beneficiadas pelo transporte gratuito de eleitores no dia do segundo turno, por exemplo, poderiam ter atrapalhado a votação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mais popular entre os mais pobres e que dependiam desse serviço. "Transporte público é uma demanda popular. O acesso diminuiu a abstenção em locais em que Bolsonaro teve melhor desempenho, especialmente no segundo turno. Foi um incentivo ao voto turbinado por uma eleição polarizada, contexto que mobiliza o eleitorado a comparecer às urnas", diz Trevisan.
Os dados do TSE analisados pelo Ideia mostram que ocorreu o contrário: a abstenção foi menor mesmo com as intervenções da PRF, e Bolsonaro venceu nas regiões atendidas pelo passe livre com uma diferença de pouco mais de um milhão de votos para Lula - como comparação, a vantagem do petista no país foi de cerca de dois milhões de eleitores. A gratuidade do transporte foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Não foi só apenas a decisão de Moraes que ajudou indiretamente a votação bolsonarista em 2022. O STF deu a estados e municípios autonomia para adotar diretrizes de isolamento e de vacinação durante a pandemia de covid-19. Bolsonaro foi o principal crítico do "fique em casa" e, embora a União tenha comprado imunizantes, desacreditou a eficácia das vacinas. Se essas medidas não fossem adotadas por adversários criados pelo bolsonarismo, como o ex-governador paulista João Doria, o passivo de mortes pela covid-19 seria ainda maior.
Para sobreviver politicamente, Bolsonaro apostou na engorda dos programas de distribuição de renda para crescer nos locais nos quais obteve o pior desempenho em 2018, em ações classificadas pelos autores como "tentativas de melhorar artificialmente a economia". Foram concessões que aconteceram mesmo não dialogando com o bolsonarismo original, que atacava o Bolsa Família e o auxílio emergencial (criticado por Bolsonaro, foi aprovado pelo Congresso à revelia do então presidente).
Mesmo protegido por decisões tomadas por outros entes, Bolsonaro sofreu a rejeição dos locais mais afetados pela covid-19. O candidato do PL perdeu 1,3 milhão de votos no Sudeste (região que concentrou mais mortes pela doença) em relação a 2018. Nessa mesma região, o PT obteve com seu candidato 7,7 milhões de votos a mais se comparada a eleição anterior.
A história dos pares de Jair Bolsonaro que foram reeleitos --FHC, Lula e Dilma-- mostra que os índices de popularidade de quem está no poder aumentam no ano eleitoral, com o uso da máquina, especialmente nos meses de propaganda eleitoral oficial. Mas, no caso de Jair, não foi suficiente para alguém que atingiu um nível de desaprovação maior que 40%, chegando a 45% quando terminou o Auxílio Emergencial e ocorreu a crise de falta de oxigênio em Manaus
Maria Carolina Trevisan, coautora
A perda da popularidade durante o período mais intenso da pandemia jamais foi recuperada, de acordo com um compilado de 57 pesquisas públicas de avaliação adotada pelo livro. Uma sangria que deu a Bolsonaro o posto de primeiro presidente a concorrer e não permanecer no cargo desde a adoção da reeleição —ainda que por muito pouco.
"Talvez tenha faltado tempo para recuperar a popularidade. O único candidato forte o suficiente para ganhar de Bolsonaro era o Lula. Mas Jair perdeu para ele mesmo no sentido de que foi ceifado por seus próprios princípios, que não couberam em um momento de emergência, como o período da pandemia. Diante da perda de vidas, o que importava era uma liderança competente nas ações de contenção e solidária no comportamento", acredita Trevisan.
"Voto a Voto --Os cinco principais motivos que levaram a perder (por pouco) a reeleição"
Autores: Maria Carolina Trevisan e Maurício Moura
Editora Telha
177 páginas, R$ 65
Lançamento: 17 de junho, às 18h, na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo)