General sai da vida militar para entrar na história, pela cadeia
O general Mario Fernandes garantiu seu lugar nos livros de história do Brasil. É o primeiro de sua patente, a mais alta do Exército, a ser detido fora de um quartel das Forças Armadas. Ele foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal e indiciado pela Polícia Federal por crimes contra a República:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: tentativa de, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais;
- Golpe de Estado: tentativa de depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído;
- Associação criminosa: associação de três ou mais pessoas para a prática de crimes.
O general Mario Fernandes se esforçou para conseguir esse reconhecimento histórico. Conspirou durante meses desde o quarto andar do Palácio do Planalto, de onde comandava interinamente a Secretaria Geral da Presidência, para cometer tais crimes. Conspirou porque os cometeu com outros militares formados pelo curso das Forças Especiais, o mais prestigioso do Exército - e, sabe-se agora, o ninho de onde saiu a maioria dos golpistas.
Às 17h09 do dia 9 de novembro de 2022, o "general Mario" - como era identificado na farda - imprimiu, usando o próprio nome de usuário na rede do Presidência ("mariof"), o planejamento detalhado do golpe em uma impressora do palácio. Batizou-o "Punhal Verde e Amarelo". O nome é adequado aos seus objetivos: elenca formas de assassinar os então presidente e vice eleitos, Lula e Geraldo Alckmin, com uso de veneno, tiro ou bomba.
O "punhal" do título é uma referência ao distintivo das Forças Especiais do Exército, no qual se destacam um punhal e uma luva. A simbologia foi explicada por outro general, Ridauto (ele também um "kid preto", como se autointitulam os membros das Forças Especiais), em entrevista a um podcast na véspera do primeiro turno de 2022: em vez de mão, a luva segura o punhal porque as Forças Especiais são treinadas para manipular terceiros, em geral, civis, para fazerem o serviço sujo da "guerra irregular".
O general Mario não imprimiu o plano de assassinato apenas uma vez. Foram duas, sempre usando impressora oficial do Palácio do Planalto. Na segunda vez, em 6 de dezembro de 2022, não era apenas Jair Bolsonaro que estava no prédio. O celular de outro "kid preto", o então major Rafael Martins de Oliveira foi usado nas cercanias do palácio, após sair de carro de Goiânia, sede da principal base operacional das Forças Especiais.
Nos dias seguintes, o plano de golpe seria colocado em execução:
Em 12 de dezembro de 2022, data da diplomação de Lula e Alckmin pela Justiça eleitoral, os golpistas organizaram ataques ao prédio da Polícia Federal em Brasília, incendiaram ônibus e carros. Conforme manda o manual de guerra irregular e sabotagem, um civil, o líder indígena conhecido como "Cacique Serere", acabou levando a culpa.
Em 15 de dezembro, o major Rafael Martins de Oliveira e outros kids pretos armaram uma emboscada para matar Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Postaram-se nas proximidades do bloco K da quadra 312 Sul, onde morava o ministro do STF em Brasília, a partir das 20h20. Trocaram mensagens pelo WhatsApp, coordenam suas ações, mas não alçaram seu objetivo. A operação foi abortada no meio.
Nos meses anteriores, o general Mario Fernandes foi uma das figuras centrais no planejamento e execução do golpe de estado frustrado. Ele fez reuniões presenciais com Bolsonaro, trocou dezenas de mensagens com outros conspiradores. Em 18 delas, o general Mario mencionou o presidente 21 vezes. Seu objetivo era sempre influenciar Bolsonaro, apressá-lo a dar o golpe. Além de fazer lobby junto aos auxiliares mais imediatos de Bolsonaro, como tenente-coronel Mauro Cid e coronel Câmara, o general Mario foi muito importante para outro aspecto do golpe.
Nas palavras da Polícia Federal, o general Mario:
"(?) promoveu ações de planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos, inclusive com registros de frequência ao acampamento montado nas adjacências do QG-Ex, e, até mesmo, de relação direta com manifestantes radicais que atuaram no período pós-eleições de 2022."
Ele resolvia problemas logísticos a pedido dos acampados, conseguia recursos para eles, impedia que a Polícia Federal cumprisse mandados de prisão contra os golpistas.
Antes de trocar a farda pela camiseta verde-e-amarela com que frequentava acampamentos golpistas e o terno que vestia nos palácios, o general Mario exerceu comandos importantes no Exército. Foi condecorado com algumas das principais medalhas da Força. O mais simbólico cargo militar que exerceu - entre 2018, ano de eleição de Bolsonaro, e 2020, no meio da pandemia - foi o Comando de Operações Especiais (Goiânia), base dos "kids pretos".
Quando deixou o posto, no auge da quarentena de prevenção contra covid, a transmissão de cargo do general Mario Fernandes para seu sucessor foi prestigiada por importantes presenças. Entre outros generais, estavam lá o futuro comandante do Exército durante o golpe de 8 de janeiro de 2023, Júlio César de Arruda; o ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, general Luiz Eduardo Ramos; o governador de Goiás, Ronaldo Caiado; e o então diretor da Polícia Rodoviária Federal, Eduardo Aggio - que viria a ser nomeado presidente do Detran-SP pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em 2023.
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