PSD de Kassab ameaça hegemonia do MDB e se torna fator moderador da direita
O PSD, fundado por Gilberto Kassab, precisou de apenas 13 anos para ocupar um espaço na política que desde o final dos anos 1980 pertence ao MDB. Partilhando o poder em governos conservadores e progressistas, o partido é visto como baliza para moderar legendas tidas como mais radicais.
O que aconteceu
Pela primeira vez desde os anos 1980, um partido ultrapassou o MDB em número de prefeitos. Com a troca-troca de legendas, o PSD saltou de 657 eleitos em 2020 para 1.040, enquanto o crescimento emedebista foi menor: caiu para segundo ao passar de 793 para 916 eleitos, mostra levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
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É o "animal político" Kassab quem cacifa o PSD para disputar espaço com o MDB. "Ultrapassar o número de prefeitos no Brasil é histórico, especialmente para um partido com 13 anos. E nada indica que o MDB vai recuperar esse espaço na campanha deste ano", diz Eduardo Grin, cientista político da FGV.
A mudança no ranking de prefeitos "não foi no voto", diz o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP). "Se deu por circunstâncias político-partidárias, que sofrem influência de governadores e outros agentes políticos", afirmou ao UOL. "O povo será ouvido em outubro."
Para Kassab, a polarização política no Brasil ajuda o PSD. É que os políticos que desejam se desassociar de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) encontrariam guarida no PSD. "O brasileiro tem predileção pela ponderação e entendimento, que são características do centro. Ainda que os polos tenham apoio de 20% do eleitorado, a rejeição a eles costuma ser maior", afirmou o ex-prefeito de São Paulo ao UOL.
Sem confronto direto com o MDB. "Não disputamos espaço. O fortalecimento do centro é importante ao país", diz Kassab, para quem a comparação com o MDB "chega a ser um elogio". "Queremos consolidar o PSD como uma legenda que propõe e apoia bons projetos, independentemente da origem."
Com tantos prefeitos, o partido de Kassab deve crescer nas eleições. "O PSD vai aumentar seus quadros este ano e em 2026. O MDB é um partido cansado, idoso e com muitas mágoas do eleitor", diz Maria do Socorro Braga, cientista política da UFSCar e do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino Americanos.
Kassab deve manter os holofotes no partido e se manter discreto. Conhecido por sua habilidade nos bastidores da política, ele diz que já ocupou "quase todos os cargos possíveis". "Fui vereador, deputado estadual e federal, vice-prefeito e prefeito de São Paulo. Ocupei cargos de secretário municipal, sou secretário de Estado, fui ministro", disse.
Sou realizado com esse currículo. Gostaria de disputar outras eleições, mas não é uma obstinação. Se houver convergência para isso, seria um prazer participar de uma disputa eleitoral. Mas não sou obstinado.
Gilberto Kassab, presidente do PSD
É natural que lideranças que, por qualquer razão optem por mudar de legenda, vejam no PSD um partido em que se privilegia os bons quadros e o respeito aos compromissos assumidos.
Gilberto Kassab, presidente do PSD
Se for bem este ano, o PSD pode indicar o vice em uma chapa presidencial encabeçada por Ronaldo Caiado [governador de Goiás, do União] ou Tarcísio, dando verniz de moderação a uma candidatura de direita.
Grin, cientista político
MDB e PSD: uma tradição nacional
O lugar disputado hoje por MDB e PSD na política é tradicional no Brasil. As duas legendas disputam o papel de "partido pivotal", aquele que, segundo a ciência política, apoia ou faz oposição ao governo de turno a depender de seus interesses.
O primeiro partido pivotal nasceu em 1945 e também se chamava PSD. "Como todo partido pivotal, poderia estar ou não com o governo a depender de interesses", diz o cientista político Carlos Mello, do Insper, que cita uma frase atribuída a Tancredo Neves, um dos líderes do PSD: "Entre a Bíblia e o Capital [livro de Karl Marx], o PSD fica com o Diário Oficial", em referência à publicação de indicados políticos a cargos na administração.
Extinto pela ditadura em 1965, o PSD só ganhou um substituto na redemocratização. "O então PMDB assumiu esse papel", diz Mello. O partido era a vitrine da redemocratização, e se transformou na maior legenda brasileira: chegou a eleger 1377 prefeitos, em 1982, e 22 governadores em 1986.
Mas sua popularidade ruiu ao chegar à Presidência com José Sarney em 1985. O fracasso do Plano Cruzado, criado em 1986 para debelar a inflação, foi tamanho que o principal expoente do partido, Ulysses Guimarães, terminou a corrida presidencial de 1989 com 4,7% dos votos.
Depois do revés, o PMDB passou a usar sua capilaridade para ganhar influência sem manchar a imagem. Nos anos 1990, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso atraiu a legenda para que seu governo formasse maioria no Congresso. O PT faria o mesmo. "Com Lula, o PMDB se acertou depois do mensalão (2005) e cresceu muito", diz Mello.
A sigla continuou governista com Dilma Rousseff (PT). Para o segundo mandato, indicou Michel Temer para a vaga de vice. "Para esses partidos é preferível ser vice porque ajuda na eleição do Congresso e ainda leva cargos no primeiro escalão", diz Grin.
Não importava quem ia ganhar a eleição para presidente, o grande vitorioso era o PMDB.
Carlos Mello, do Insper
PSD aproveita nova crise do PMDB
Mas o PMDB entrou novamente em crise ao assumir a Presidência da República. Com o impeachment de Dilma e ascensão de Temer, a sigla virou vitrine, e sua popularidade despencou após uma série de escândalos apresentados pela operação Lava Jato.
Temer foi o primeiro presidente brasileiro a ser denunciado no cargo. A Procuradoria-Geral da República o acusou de corrupção passiva na Lava Jato, em 2017. Em 2019, Temer chegou a ser preso, mas a Justiça rejeitou a denúncia contra ele.
Quando deixa de ser pivotal para ser governo, o MDB passa por um desastre. E quem apareceu como opção? O novo PSD: um partido com o mesmo nome e vocação que o primeiro partido pivotal do Brasil.
Carlos Mello, do Insper
A criação do PSD foi vista com bons olhos pelo PT. "Dilma via uma forma de reduzir a força do PMDB, que pedia mais cargos", diz Braga.
Já em 2013, o PSD detinha a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com status de ministério. No segundo mandato, a pasta das Cidades foi entregue a Kassab. "Com o tempo, o PSD foi ganhando independência", diz a professora.
Quando Dilma estava prestes a cair, o PSD já tinha outros planos. Kassab entregou seu cargo em março, dois meses antes do afastamento de Dilma, para, em maio, assumir a pasta de Ciência e Tecnologia no governo interino de Temer.
Quando Jair Bolsonaro (PL) chegou ao poder, o PSD ganhou representantes. Embora não fizesse parte do governo, alguns nomes ocuparam o segundo escalão, como o de secretário-geral adjunto da Fazenda, o de assessor especial de empreendedorismo e desburocratização e o de secretario executivo do Ministério da Agricultura.
Um partido com essa flexibilidade está disposto a compor a governabilidade de qualquer governo.
Eduardo Grin, da FGV
PSD e MDB têm em comum o fato de não se organizarem para disputar a Presidência. Eles são partidos congressistas porque é de lá que vem o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral: quanto mais deputados, mais dinheiro.
Maria do Socorro Braga, da UFSCar
Essa verba é usada em campanhas municipais. Com mais prefeitos, tenho base maior para apoiar candidaturas ao Congresso. E quanto mais deputados e senadores, maior é a barganha por emendas, destinadas às cidades.
Eduardo Grin, da FGV
Como o PSD cresceu?
Enquanto ocupava cargos federais, o PSD crescia regionalmente. "O partido começou crescendo nas janelas partidárias", diz Mello. A tática de Kassab era dar liberdade nos municípios aos políticos que mudassem de legenda. "Em pouco tempo, tinha uma bancada expressiva, que, se ainda não tinha o tamanho do PMDB, já lhe permitia escolher se queria ir para a situação ou oposição."
Hoje, o PSD se equilibra entre apoiar o governo Lula e Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador paulista apadrinhado por Bolsonaro. Enquanto Kassab é secretário de Relações Institucionais de Tarcísio, seu PSD comanda três ministérios na Esplanada. No Congresso, detém a maior bancada e a Presidência do Senado com Rodrigo Pacheco (MG), um cargo que pertenceu ao MDB por nove anos.
PSD emula o PMDB dos anos 1980. O PSD busca lideranças regionais com potencial de voto, independentemente da ideologia, diz a professora Maria do Socorro. "A estratégia era similar a do PMDB dos anos 1980, mas esses líderes envelheceram ou entregaram seus redutos a filhos e netos", diz Braga. "Enquanto o MDB lida com lideranças tradicionais, o PSD chega numa cidade, encontra e lança novos nomes, passando a imagem de mudança que o eleitor quer."
É que ter mais prefeitos é crucial a um partido pivotal. "O jogo é o seguinte: tenho uma bancada grande, boa para o governo compor maioria. Troco essa bancada por cargos e recursos, destinados à disputa municipal. Se tenho mais prefeitos e mais vereadores, tenho uma base política mais forte e uma bancada maior na próxima eleição. É um ciclo", explica Mello.
O presidente do MDB defende a estratégia da legenda. "Somos um dos partidos que menos promove intervenções em diretórios. Para nós, é importante valorizar a renovação sem desrespeitar lideranças que têm história para o crescimento do partido", afirmou Rossi.
A aposta de Baleia Rossi "é crescer nos grandes municípios". "Pela primeira vez desde 1985, temos chance de vencer na cidade de São Paulo [com Ricardo Nunes], o que nos manterá como partido que mais governa em número de eleitores do país", diz.
PSD vai substituir o MDB?
Para os especialistas, o PSD já está assumindo o histórico papel do MDB na política nacional.
Se tem um partido que pode ocupar o lugar do MDB é o PSD.
Eduardo Grin, da FGV
O PSD tende, sim, a ocupar o espaço do MDB. Essa substituição já está acontecendo.
Maria do Socorro Braga, da UFSCar
O PSD superou o MDB no papel de partido pivotal. É a migração de partido pivotal porque um deles perdeu popularidade.
Carlos Mello, do Insper
"Não há rivalidade"
Baleia Rossi nega rivalidade com Kassab. Ele diz que, "sem dúvida", o PSD é o partido que divide com o MDB o mesmo espaço político. "Mas não há rivalidade. Somos aliados em diversos estados e até formamos um bloco na Câmara", afirma. "É bom que essas alianças aconteçam com siglas com afinidade."
Há 60 anos, o MDB é o partido da moderação e do equilíbrio. Desde 1980, somos o partido mais forte nos municípios. Isso acontece porque temos maior capacidade de fazer mais alianças do que sustentar rivalidades.
Baleia Rossi, presidente do MDB