1ª Turma do STF torna réus os irmãos Brazão pelo assassinato de Marielle
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça (18), por unanimidade, tornar réus cinco suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, mortos em 2018. Entre os réus estão os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão.
O que aconteceu
A Primeira Turma é composta por 5 dos 11 ministros do STF. No ano passado, a corte decidiu que todas as denúncias do caso Marielle apresentadas no Supremo seriam julgadas pelas turmas, e não pelo plenário. Moraes foi o primeiro a votar e foi acompanhado integralmente pelos outros quatro ministros do colegiado: Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O relator reforçou que não se trata de julgar os acusados no mérito - se cometeram crime ou não -, mas sim acatar a denúncia. A partir dela é que se vai dar sequência às investigações.
A denúncia foi apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em maio contra os supostos mandantes do crime e auxiliares. Eles são investigados por homicídio, tentativa de homicídio (da assessora Fernanda Chaves) e organização criminosa. Todos os cinco estão presos por ordem de Moraes e negam participação nos crimes. Veja abaixo por qual crime cada um é acusado:
- Chiquinho Brazão, deputado federal (sem partido): acusado de homicídio, tentativa de homicídio e organização criminosa;
- Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro: acusado de homicídio, tentativa de homicídio e organização criminosa;
- Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio: acusado de homicídio e tentativa de homicídio;
- Ronald Paulo de Alves, conhecido como Major Ronald, ex-policial militar: acusado de homicídio e tentativa de homicídio;
- Robson Calixto, ex-assessor de Domingos Brazão: acusado de organização criminosa.
Moraes ordenou que a Câmara dos Deputados seja comunicada sobre o resultado do julgamento, considerando que Chiquinho Brazão tem mandato. Disse ainda que a ação penal poderá ser sustada se algum partido político solicitar.
Para a PGR, o assassinato ocorreu a mando dos Brazão e foi planejado pelo delegado Barbosa. Segundo a denúncia, Marielle foi morta devido à atuação dela contra a regularização de terrenos em áreas controladas pela milícia no Rio de Janeiro. O caso está no STF pelo fato de Chiquinho Brazão ser deputado federal e, por isso, ter foro privilegiado na corte.
Grande parte da denúncia se baseia na delação premiada de Ronnie Lessa, ex-PM que assumiu ter executado os assassinatos. Ele entregou os irmãos Brazão e o ex-chefe da polícia e atualmente está preso na penitenciária de Tremembé, em São Paulo.
O julgamento
Nesta etapa os ministros analisam se a denúncia cumpre os requisitos mínimos para se abrir uma ação penal. Com a abertura da ação penal, os suspeitos se tornam réus. Depois, o STF abre prazo para ouvir testemunhas e os denunciados. Ao final do processo, o Supremo decide se eles serão condenados ou não.
Em seu voto, Alexandre de Moraes acatou a íntegra da denúncia, inclusive recusando pedido das defesas para que o caso mudasse de instância. Ele também chamou de "absurdo" as alegações de alguns advogados que disseram não ter acesso à íntegra dos autos e negou cerceamento ao direito de defesa. "Tudo foi integralmente entregue a todas as defesas", disse Moraes.
Se os indícios de autoria vão ser confirmados durante a ação penal, é pra isso que temos o contraditório e a ampla defesa. Mas da leitura da denúncia e das provas juntadas pelo Ministério Público, verifica-se que a Procuradoria-Geral da República expôs de forma compreensível todos os requisitos exigidos pelo artigo 41. Foi coerente, a exposição dos fatos descreveu satisfatoriamente a existência dos crimes, em tese, de organização criminosa e homicídios qualificados - dois consumados e um tentado. (...) Se não houver comprovação por parte do MP, nós teremos a absolvição como de praxe deve ser realizada.
ministro Alexandre de Moraes, relator do caso Marielle no STF
Defesa alega que delação de Lessa não foi comprovada; Moraes rebate
Na sessão, os defensores reclamaram de a maior parte da denúncia não apresentar provas que corroborem a delação de Lessa. "O quadro informacional vem muito da delação de Ronnie Lessa", admitiu o subprocurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima. Para o advogado de Rivaldo, Marcelo Ferreira de Sousa, a delação "muito mais confundiu do que esclareceu".
As defesas de Chiquinho e Domingos Brazão chegaram a pedir que a investigação volte para a fase anterior, para que a PF faça novas diligências. O advogado Cleber Lopes, de Chiquinho, argumentou ainda que diferentemente do que diz a denúncia, não havia animosidade entre seu cliente e Marielle na Câmara de Vereadores do Rio e negou que Chiquinho tenha relações com as milícias.
Tudo o que ele [Lessa] diz não se confirma. Aliás, a PF não traz aos autos nenhuma diligência frutífera.
Cleber Lopes, advogado de Chiquinho Brazão
Alexandre de Moraes rebateu os argumentos das defesas e disse que a PF (Polícia Federal) apresentou elementos comprobatórios, juntados pela PGR na denúncia. O ministro ainda fez uma defesa enfática das colaborações premiadas e disse que "delação não é prova, é meio de obtenção de prova".
Além da detalhada narrativa feita pelo colaborador Ronnie Lessa, fiz questão de trazer no voto e indicar a Vossas Excelências duas tabelas de referências de indícios e provas trazidas aos autos pela PF durante a investigação que corroboram essas afirmações do colaborador. (...) Em relação aos homicídios, trago, na tabela, 17 tópicos específicos que, comparando com a colaboração premiada, dão sustentáculo para que o MP possa, como fez, trazer ao STF a denúncia.
ministro Alexandre de Moraes, relator do caso Marielle no STF
O que diz a denúncia
As investigações apontam relação dos irmãos Brazão com a milícia e interesse em terrenos. A denúncia aponta que os Brazão, um importante clã da política fluminense, formaram alianças com diferentes grupos milicianos do Rio de Janeiro que atuam nas regiões de Jacarepaguá, Rio das Pedras e Oswaldo Cruz desde 2000.
O objetivo dos irmãos, segundo a PGR seria criar redutos eleitorais e explorar atividades imobiliárias ilegalmente, por meio de grilagem e contando com apoio de milicianos. Com a atuação de Marielle na Câmara de Vereadores no Rio, porém, os irmãos ficaram irritados e teriam decidido matar a vereadora.
O delegado Rivaldo Barbosa teria prometido atrapalhar investigações. Para planejar o crime, segundo a denúncia, os irmãos teriam procurado Barbosa, que virou chefe da Polícia Civil na véspera do assassinato e teria prometido atuar para que a polícia nunca chegasse aos mandantes.
O Major Ronald é acusado de ser um dos responsáveis por monitorar a rotina de Marielle antes da execução do homicídio. Ele também é acusado de ser um dos principais milicianos na região do Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. Já Calixto da Fonseca, que era assessor de Domingos Brazão em 2018, seria responsável por gerir os negócios imobiliários irregulares dos irmãos Brazão.
Lessa disse que Brazão propuseram "sociedade"
A investigação se arrastou por anos e foi retomada após a eleição de Lula (PT), por ordem do então ministro da Justiça Flávio Dino. A PF (Polícia Federal) fechou um acordo de colaboração premiada com Ronnie Lessa, o ex-PM que confessou ter executado o assassinato.
A defesa de Rivaldo Barbosa chegou a pedir que Dino se declare impedido, o que foi rejeitado por Alexandre de Moraes. Os defensores alegam que o ministro do STF não poderia participar da votação justamente por comandar o Ministério da Justiça no período em que investigação foi retomada pela PF. A gestão de Dino tinha como uma das prioridades a resolução do caso, que era uma promessa de campanha de Lula.
Na delação, Lessa afirmou que receberia US$ 10 milhões pelo assassinato, além de passar a ter o comando de uma nova milícia em Jacarepaguá. Segundo ele, a exploração do negócio criminoso renderia mais de US$ 20 milhões. "Na verdade, eu não fui contratado para matar Marielle, como um assassino de aluguel. Eu fui chamado para uma sociedade."
O ex-PM contou que ficou impactado com a proposta dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão. Segundo ele, os lotes foram oferecidos também ao ex-PM Edimilson de Oliveira, o Macalé. "Era muito dinheiro envolvido. Ninguém recebe uma proposta de receber US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. Uma coisa impactante realmente", afirmou na delação.